Nacional

No Brasil da fome, os mais pobres se endividam para comprar comida

Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

28 de novembro de 2022
star0 (0 avaliações)

Estudo realizado pelo instituto de pesquisas Plano CDE aponta que maiorias das pessoas das camadas mais pobres da sociedade tomaram empréstimos bancários para comprar comida e pagar as contas do dia a dia.

Quando questionados sobre por que tomaram ou tomariam um empréstimo, entre 45% e 50% dos entrevistados entre os mais pobres indicaram que a alimentação e as contas do mês foram ou seriam a principal finalidade.

Isso é reflexo da política econômica de Bolsonaro e de sua equipe ultraliberal, que durante quatro anos têm governado para os ricos, aprofundando uma política dos governos anteriores. Enquanto isso, os mais pobres sofrem com o aumento do preço dos alimentos e dos combustíveis, com a inflação acelerada e o corte das verbas públicas em programas sociais de combate à fome.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em agosto, a alta do preço dos alimentos já era o dobro da inflação em 2022. Produtos alimentícios subiram quase 10% em sete meses, prejudicando mais pobres, pois comprometem a maior parte de seu orçamento com alimentos e bebidas.

Enquanto a fome bate na porta dos mais pobres, o agronegócio brasileiro, que está hoje conectado com ao mercado mundial, lucra com a exportação, devido à alta do dólar. Somente no primeiro semestre deste ano, as exportações do agronegócio somaram 79,32 bilhões de dólares (alta de 29,4%), um valor recorde para o período.

Apenas no mês de junho, as vendas externas de carnes, segundo setor mais importante em exportações, foram de 2,35 bilhões de dólares, uma alta de 32,0%. Trata-se do maior valor mensal de toda a série histórica iniciada em janeiro de 1997. Enquanto isso, estamos pagando um preço absurdo pelo quilo da carne. Segundo o levantamento do Procon-SP, em convênio com o Dieese, mostra que o preço médio do quilo da carne bovina na Copa de Futebol de 2018 era de R$ 22,63. Hoje, o valor praticamente dobrou, está calculado em R$ 43,89.

Junto com o preço dos alimentos, vimos os preços dos combustíveis subirem, batendo recorde. Por trás dos reajustes abusivos está a política de preço de paridade de importação (PPI), criada por Temer (MDB) e mantida por Bolsonaro, que segue a cotação internacional do petróleo, a variação cambial e custos de importação, mesmo o Brasil sendo autossuficiente em petróleo.

Essa política só contribui para gerar lucros e ganhos recordes em dividendos a acionistas da Petrobrás e para deixar os brasileiros reféns da carestia. Pois, com o PPI, produzimos internamente em reais o petróleo que consumimos, mas pagamos os preços dolarizados ao adquirir os combustíveis. Isso é roubo!

Fome

O aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis, acompanhado de uma inflação galopante e de um desemprego crescente tem como resultado o aumento da fome. Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome. Conforme o estudo, mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave.

Esse processo, agravado com a pandemia da Covid-19, foi acompanhado por um desmonte das políticas públicas volta às áreas sociais, por parte do governo federal, a exemplo da extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Isso colocou o Brasil de volta no Mapa da Fome das Nações Unidas. Um país entra no Mapa da Fome quando mais de 2,5% da população enfrentam falta crônica de alimentos. No Brasil, a fome crônica atingiu agora 4,1%.

O rosto da fome em nosso país tem classe, gênero e raça. Pobre, negra e feminina. Dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) apontam que existe fome em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres, e outros 15,9% enfrentam insegurança alimentar moderada.

Pela cor da pele, verifica-se que pessoas pretas ou pardas enfrentam insegurança alimentar grave em 10,7% dos domicílios. O percentual é de 7,5% em domicílios de pessoas de raça ou cor da pele branca.

O instituto destaca que a maior vulnerabilidade à fome por parte das mulheres, tem como dos elementos centrais, a desigualdade salarial e a menor inserção das mulheres no mercado de trabalho. Em média, as mulheres recebem, 20% a menos que os homens, de acordo com um estudo da consultoria IDados, com dados do IBGE. Essa diferença nos ganhos ocorre mesmo quando os dois gêneros ocupam o mesmo cargo, têm o mesmo nível de escolaridade e a mesma idade.

Leia também

Lula na COP-27 e o agro que não é ‘pop’

Enfrentar os super-ricos para acabar com a fome

A fome foi um assunto que atravessou todo o processo eleitoral e segue sendo o tema em destaque na transição ao governo Lula-Alckmin. Bolsonaro dizia que ia manter o auxílio de R$ 600, inclusive reajuste para este valor até dezembro, em meio à disputa eleitoral. Lula também fez essa uma de suas pautas principais. Mas até que ponto esta medida de fato vai resolver o problema da fome?

Nós defendemos o auxílio de R$ 600, inclusive achamos que esse valor poderia ser pelo menos de um salário mínimo. Dinheiro tem, essa decisão é uma escolha política. Infelizmente, o que estamos vendo na transição ao governo Lula-Alckmin é um arremedo, um “armengue” político, em negociação com setores da direita, inclusive com o Centrão, em torno a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Bolsa Família.

O fato da proposta inserir o custo do Bolsa Família fora do teto tem gerado uma política e uma repulsa do mercado. Esperar o que do mesmo mercado que nunca se preocupou com as quase 700 mil vidas ceifadas pela Covid-19? Mas ao invés de se enfrentar com este mercado, Lula e sua equipe de transição buscam negociar, ceder e mostrar de que seu futuro governo tem compromisso com este mercado.

Não tem como governar para o mercado e para os trabalhadores e o povo pobre ao mesmo tempo. Esse filme nós já vimos nos 14 anos de governo PT. O final desta história deu Bolsonaro como resultado.

Para garantir comida no prato dos brasileiros é preciso atacar os super-ricos, enfrentar o mercado e o agronegócio. Se não for assim, a desigualdade social só vai aumentar. Programa emergencial de transferência de renda, como o Bolsa Família, é necessário. Mas só isso não resolve o problema da fome, do desemprego e da miséria. Isso só se faz com emprego e renda. E só é possível acabar com o desemprego e garantir salário digno a todos justamente tirando dos super-ricos.

É preciso reduzir a jornada de trabalho sem diminuir os salários. Pôr em marcha um plano de obras públicas a fim de absorver a reserva de mão de obra sem emprego (e atacar os problemas estruturais como o saneamento). Proibir as grandes empresas de demitirem e estatizar, sem indenização, as que insistirem em dispensar trabalhador. Além de aumentar os salários.

É necessário revogar as reformas trabalhista e da Previdência. Taxar os super-ricos e as grandes fortunas. Parar o pagamento da dívida pública aos grandes banqueiros e impedir as remessas de lucros. Estatizar as grandes multinacionais que controlam 70% da economia e colocá-las sob direção operária para atuarem de acordo com os interesses da população.

Assim como, deve-se colocar a Petrobras sob controle dos trabalhadores, retomando as ações que estão hoje nas mãos de megainvestidores estrangeiros, e colocando-a para produzir combustível e gás a preço de custo. Reestatizar as empresas privatizadas, como a Vale e a Eletrobras.

Realizar reforma agrária, garantindo terras cultiváveis e financiamento aos pequenos agricultores, que cultivam alimentos com qualidade ao nosso povo.

Ou seja, para acabar com a fome é necessário enfrentar o grande capital, os super-ricos e os bilionários. O futuro governo Lula-Alckmin estará de que lado? Pelo programa que defenderam durantes as eleições, com a composição da equipe de transição e com as alianças que estão construindo, inclusive com o corrupto Centrão, caminham para um governo dos ricos.

A nós, cabe a tarefa de manter a nossa independência política e organizar a luta em defesa das pautas históricas da classe trabalhadora, construindo a unidade de ação nas lutas, e seguir a batalha pela construção de uma alternativa socialista.

Leia também

Os desafios da classe trabalhadora após derrotarmos Bolsonaro nas urnas