Mulheres

Pedro Guimarães e o assédio sexual na Caixa: basta de violência e assédio às mulheres trabalhadoras!

Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

30 de junho de 2022
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(Brasília – DF, 24/07/2019) Palavras do Presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães. Foto: Marcos Corrêa/PR

Uma grave acusação de assédio sexual derrubou Pedro Guimarães da Presidência da Caixa Econômica Federal nessa quarta-feira (29/06). Segundo reportagem de Rodrigo Rangel, do site Metrópoles, pelo menos cinco funcionárias da Caixa, denunciaram o então presidente do banco por comportamento inapropriado e promessas de promoções em troca de favores sexuais. As denúncias são chocantes, os relatos repugnantes.

O caso já vinha sendo apurado em sigilo pelo Ministério Público Federal. Os depoimentos das vítimas ao jornalista e posteriormente à TV Globo, evidenciam humilhação e medo. Romperam o silêncio, mas não se sentem à vontade e nem seguras para revelar suas identidades. Não apenas por vergonha e temor a retaliações profissionais, mas também por suas vidas e de seus familiares. Afinal, Pedro Guimarães, não é uma figura qualquer. Além do cargo que ocupava na Caixa, é um bolsonarista de carteirinha.

Não é a primeira vez que Pedro Guimarães se envolve em escândalos dessa natureza. Sua trajetória profissional é recheada de histórias de assédio, incluindo a tentativa de beijar uma funcionária à força, durante uma festa de final de ano no Banco Santander, de onde foi demitido em 2004. No BTG Pactual, banco do qual o Ministro Paulo Guedes foi sócio, e onde Guimarães trabalhou depois de sair do Santander, as histórias de assédio sexual e moral se repetiram, a tal ponto que, segundo Malu Gaspar, colunista de O Globo, um executivo do banco que foi seu chefe à época relatou que sua saída não se deu por um episódio específico, mas “por causa das doideiras todas”.

Comando da Caixa sabia e acobertou os assédios

Quando foi nomeado presidente da Caixa, no início do governo Bolsonaro, Guimarães já era conhecido como “Pedro Maluco”. Logo no início de seu mandato, em junho de 2019, foi flagrado por um motorista, numa “conduta imprópria” junto a uma assessora, na garagem do banco, o que acabou causando a demissão do funcionário. A corregedoria da Caixa chegou a abrir uma investigação para averiguar se a demissão se configurou como assédio moral. Como a apuração foi mantida em sigilo, não se sabe no que resultou.

Mas o que já sabe, é que o comando da Caixa Econômica Federal tinha conhecimento dos casos de assédio sexual e acobertou as denúncias, inclusive com promoções, conforme relato à imprensa de três ex-integrantes dos conselhos de Administração e Fiscal da instituição. Segundo esses relatos, os primeiros casos chegaram aos canais do banco logo que Guimarães assumiu a presidência, em 2019. As vítimas de assédio, contudo, eram coagidas a não levar adiante as denúncias e as que aceitavam eram “transferidas”, recebiam cargos em outras instituições públicas ou eram enviadas para cursos no exterior, onde permaneciam temporadas inteiras.

Quem ajudava a acobertar também ganhava promoção. Já as áreas de compliance e a ouvidoria eram pressionados pelo próprio ex-presidente. Alguns executivos chegaram a deixar o banco, porque não aguentaram o ambiente de assédio que também era moral. Em reuniões do conselho e da diretoria era comum Pedro Guimarães gritar e xingar auxiliares e subordinados.

Ano passado, durante as comemorações de uma festa chamada “Nação Caixa”, Guimarães induziu funcionários do banco a fazerem flexões abdominais e darem cambalhotas, comandados por um general, ritual do qual teve que participar até um vice-presidente, que é portador de necessidades físicas especiais. O caso foi denunciado como assédio moral, mas Guimarães permaneceu no cargo.

Outro que sabia das denúncias de assédio é o presidente Jair Bolsonaro, que apesar disso não fez nada para proteger as vítimas. Não é de se admirar, afinal, o machismo e misoginia de Bolsonaro são perfeitamente compatíveis com o comportamento de Pedro Guimarães. Vale lembrar que os ex-presidente da Caixa era um dos integrantes do governo mais próximos de Bolsonaro, costumava fazer parte de comitivas presidências e ser convidado para solenidades importantes, nas quais aparecia frequentemente ao lado do presidente, sendo ainda um assíduo participante das famosas lives de quinta-feira realizadas por Bolsonaro. A proximidade era tão grande que, segundo relatos, além de pressionar subordinados com demissão, Pedro Guimarães usava essa sua relação com o presidente para garantir o silêncio dentro do banco. Não é à toa que sua demissão se deu a pedido e não por iniciativa do governo, que aliás até o momento não se pronunciou sobre o caso.

Caixa não é exceção

Em que pese a gravidade do caso (novas denúncias estão surgindo depois que o caso foi parar na imprensa) a prática de assédio sexual na Caixa não é uma exceção, mas expressa uma realidade de violência à qual as mulheres trabalhadoras são frequentemente submetidas. Segundo um levantamento realizado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) nos últimos seis anos, entre janeiro de 2015 e julho de 2021, as Varas do Trabalho registraram mais de 27.3 mil ações por assédio sexual. Somente no primeiro semestre do ano passado o TST registrou 1.477 casos de assédio no país. Um aumento de 21% em relação ao mesmo período de 2020.

Os números são compatíveis com os dados revelados pelo anuário estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado essa semana e que mostrou um aumento da violência machista em praticamente todos os âmbitos da vida das mulheres, sendo que somente em termos de feminicídio, a cada 7 horas o país faz uma vítima, ou seja, uma mulher é morta pelo simples fato de ser mulher.

Aumento da violência no contexto da barbárie capitalista

Nos últimos dias a opressão da mulher ganhou repercussão na imprensa numa sucessão de casos bizarros de todo tipo. Desde uma menina, vítima de estupro e grávida que foi separada da família e mantida num abrigo pela própria justiça, para impedir a realização de um aborto legal a uma jovem atriz que, também vítima de estupro e descobrindo tardiamente a gravidez, incapacitada emocional e psicologicamente de exercer a maternidade, decidiu que o melhor para a criança era a adoção, conforme prevê a lei, mas ainda assim foi exposta publicamente, teve sua identidade e os dados da criança vazados e acabou moralmente julgada por setores conservadores.

E ainda teve a procuradora pública brutalmente espancada por um subordinado no próprio local de trabalho e na frente de outros funcionários. Para completar o show de horrores, o retrocesso do direito ao aborto nos Estados Unidos ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde brasileiro realiza uma “audiência pública” para validar sua cartilha anti-aborto.

Mas o que explica esse aumento da violência machista, que além disso não se restringe ao Brasil? E como isso se combina com outras expressões da opressão às mulheres como por exemplo o aumento da sobrecarga doméstica que assistimos durante a pandemia ou superexploração da mão de obra feminina, submetidas aos trabalhos mais precários e salários mais baixos, mesmo exercendo a mesma função, o desemprego sempre em patamares maiores que o masculino, o aumento da pobreza e da miséria entre as mulheres e o fato de que 2 em cada 3 pessoas que passam fome serem mulheres?

Essa condição não é um mero acaso, mas expressa a necessidade do atual sistema capitalista-imperialista mundial de atacar a classe trabalhadora e fomentar e reproduzir as opressões, para superexplorar, pilhar e dividir a classe para manter sua dominação.

Não se pode entender essa sucessão de ataques aos setores oprimidos, seja pelo aumento da violência, seja o retrocesso nos direitos democráticos sem compreender a dinâmica do sistema e as mudanças que estamos vivenciando na atualidade, como por exemplo, o movimento de introdução indústria 4.0 que vem sendo imposto pela burguesia e que, entre outras coisas cria novas formas de exploração do trabalho e assalariamento, como a formalização da informalidade por meio da carteira verde e amarela e/ou a jornada intermitente de trabalho, salário por peça ou empreitada (uberização), fim de direitos como férias, 13º, etc. e isso combinado com um aumento brutal da pilhagem das riquezas, como a ação das mineradoras e das madeireiras na amazônia e o avanço às terras indígenas e quilombolas.

Esse novo ataque possui algumas características: o aumento da exploração sobre povos não brancos, mulheres, negros, imigrantes, povos originários, terceirizados, subcontratados, etc e também mudanças na composição da própria classe trabalhadora, como por exemplo, o fato de que entre os mais pobres da sociedade brasileira, os mais explorados e oprimidos, ou seja, entre os que ganham até 1 salário-mínimo, 2/3 do total são negros e mulheres. Isso comprova que as mulheres e negros além de serem maioria na população em geral e maioria na classe trabalhadora brasileira, são também o setor mais pobres e explorado.

Por outro lado, nos Estados Unidos, cerca de 10 milhões dos 16 milhões de trabalhadores cobertos por um contrato sindical são mulheres e/ou não brancos (negros, latinos, etc), sendo que há crescimento gigantesco do apoio e filiação dos jovens entre 16 e 24 anos aos sindicatos –atualmente 77% dos jovens nessa faixa etária defendem a organização sindical. Ou seja, não só temos um processo de feminização, enegrecimento e/ou latinização e rejuvenescimento da classe, como o setor mais dinâmico dessa nova classe trabalhadora é feminina, jovem e não branca.

Portanto para intensificar a exploração e para manter sua dominação, o imperialismo precisa atacar principalmente os setores oprimidos da classe trabalhadora, dividir a classe e jogar um setor da classe contra o outro, fomentando a opressão e a violência aos setores oprimidos. É isso que expressa a linha desse setor da ultradireita, de Trump e Bolsonaro, eles são uma reação ao crescimento das lutas da classe e seus setores mais oprimidos. E por isso a virulência contra os oprimidos, o aumento da violência, do machismo, do racismo, da xenofobia, e da ofensiva ideológica e os ataques aos direitos democráticos, como o retrocesso no direito ao aborto nos Estados Unidos, depois de 49 anos dessa conquista pelas mulheres como resultado do ascenso das lutas nos anos de 1970.

Duas políticas burguesas para a questão das opressões

Essa ofensiva ideológica busca atrair os setores nativos, brancos e melhor remunerados da classe para seu lado, ao mesmo tempo que a retirada de direitos visa derrotar os oprimidos da classe ao colocá-los em piores condições de existência, uma vez que são a vanguarda das lutas tanto por suas demandas, como a luta na Argentina e na Colômbia que impuseram a legalização do aborto, mas também nos processos de lutas mais gerais da classe, como por exemplo o papel das mulheres nas lutas por moradia, ou as atuais greves protagonizadas pelo setor da educação básica cuja maioria absoluta são mulheres.

Portanto, em que pese atingir as mulheres em geral e as mulheres burguesas também acabarem sendo vítimas da violência e do machismo, a opressão feminina é um forte instrumento de dominação de classes, pois mantém a classe dividida e permite a superexploração das mulheres, além de servir de válvula de escape para canalizar as lutas para o interior do capitalismo, pois aparece como lutas onde burguesas e trabalhadoras tem os mesmos interesses quando na verdade sabemos que a dupla opressão da mulher trabalhadora (como mulher e como trabalhadora) está a serviço do sistema, que permite às burguesas desfrutar do luxo que a riqueza produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras e roubada pela sua classe proporciona.

É como se pagassem um pedágio, para manterem sua condição de exploradoras não podem levar até o fim a luta contra sua condição de oprimidas pois pra isso teriam que pôr fim ao próprio sistema de dominação de classes, ainda que em determinados momentos são obrigadas a lutar e podem inclusive dirigir lutas e obter conquistas.

Essas conquistas que são importantíssimas para nós trabalhadoras, não deve nublar nossos olhos para a hipocrisia desses setores, pois não basta ser mulher, tem de defender os interesses das mulheres trabalhadoras. Afinal quem tentou impedir a menina vítima de estupro de abortar em Santa Catarina foi uma juíza e uma promotora mulheres, uma das pessoas que revelou detalhes do caso da atriz vitima de estupro foi uma conhecida vlogueira bolsonarista, Damares é mulher e nem por isso deixou de botar as hordas bolsonaristas para tentar impedir outra menina vitima de estupro de abortar.

Por outro lado não podemos depositar nenhuma confiança em setores burgueses ditos progressistas que dizem defender a igualdade e diversidade, mas usam a opressão para baixar salários e superexplorar. Setores como Luiza Trajano ou os aliados do PT e PSOL na frente ampla, como Alkmin que se diz um democrata mas quando foi governador protagonizou uma das desocupações mais violentas da história de São Paulo, com direito a denúncias de estupros e tudo mais. Não por acaso Lula chegou até a defender o aborto como questão de saúde pública recentemente mas foi repreendido pela cúpula da campanha, pois sabem que esse tema é delicado e não querem se indispor com a ala conservadora que apoia sua candidatura.

E é por isso também que apesar de todos esses casos bizarros, a direção do movimento, hegemonizada pela Marcha Mundial de Mulheres de Mulheres com o apoio dos movimentos ligados ao PSOL se recusa a fazer qualquer luta, e quando chama, obrigadas pela realidade é para manter o controle do movimento, pois sua estratégia é puramente eleitoral.

Não basta demitir Guimarães, assédio é crime e precisa ser punido com rigor

As funcionárias da Caixa vítimas do assédio por parte de Pedro Guimaraes, fizeram sua parte, romperam o silencio e decidiram denunciar. O Ministério Público está investigando, a repercussão na imprensa derrubou Guimarães, mas não é suficiente. O assédio sexual é crime, previsto em lei, portanto demissão não basta, o ex-presidente da Caixa precisa ser punido.

Além disso ao que tudo indica Pedro Guimarães não era o único, quando sua saída foi ventilada havia o temor que o vice-presidente assumisse pois aparentemente também teria práticas assediadoras. E o fato de que o assédio partia do próprio presidente do banco, de que a cúpula sabia e acobertava mostra que há cumplices nessa história, e isso também precisa ser investigado e os envolvidos devidamente responsabilizados. Assim como o próprio presidente Bolsonaro foi cumplice, pois sabia e nada fez para coibir as atitudes de um alto agente de seu governo e por isso deve ser responsabilizado também.

Portanto, basta de violência e assédio às mulheres trabalhadoras. Basta de impunidade. Todos os envolvidos, inclusive os que sabiam e acobertaram os casos devem ser afastados imediatamente, as vítimas precisam receber suporte e serem acompanhadas até o fim das investigações, o Ministério Público deve concluir o mais rápido possível as apurações e os responsáveis processados criminalmente e punidos rigorosamente.