Meio ambiente

Os termômetros indicam: Ou revolucionamos a sociedade e as forças produtivas ou iremos encarar a barbárie

27 de setembro de 2023
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Calor em São Paulo

Uma onda de calor se abateu no país nos últimos dias de inverno e começo da primavera. Em muitas regiões os termômetros se aproximaram ou superaram os 40° C. Algo bastante incomum para essa época do ano. Foram registrados recordes de calor para o mês de setembro em várias capitais, como em Belo Horizonte e São Paulo. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu alertas de “grande perigo” para áreas localizadas em nove estados do país.

Nos bairros populares, a sensação térmica é muito maior, pois as condições precárias de moradia; as construções estreitas, coladas umas nas outras; a falta de ventilação e de arborização; contribuem decisivamente para torná-los mais quentes e a população mais vulnerável às ondas de calor.

Já no Sul do país, foram registradas chuvas torrenciais e inundações arrasadoras. De acordo com o Inmet, este setembro se tornou o mês mais chuvoso em Porto Alegre (RS) em 107 anos. Até o último dia 26, o acumulado de chuva na capital gaúcha já registrava 413,8 milímetros.

As cidades do interior do estado também estão sendo castigadas por ciclones e enchentes, que já provocaram 49 mortes, 10 desaparecidos e muita destruição. Já o Noroeste da Amazônia registra uma das maiores estiagem de sua história, um cenário que aumenta ainda mais os focos de incêndio.

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Crise climática acentua a vulnerabilidade social

O número de vítimas das tragédias naturais ao redor do mundo não para de crescer. A recente tragédia na Líbia, em 10 de setembro, foi causada por chuvas torrenciais que romperam uma represa, matando entre 10 e 20 mil pessoas.

O planeta vive sob os efeitos do El Niño, um fenômeno climático que aquece as águas do Oceano Pacífico e provoca alterações no clima em escala global, como o que estamos vendo no Brasil, na Europa e América do Norte. Mas o aumento da intensidade e da frequência do El Niño estão relacionados ao aquecimento global, ocasionado pelo consumo de combustíveis fósseis. Basta verificar o gráfico ao lado para ver que os últimos El Niño foram os mais quentes já registrados.

Soma-se a isso a precariedade das condições de moradia e de trabalho da população pobre, a completa ausência de políticas governamentais para prevenir desastres e a implementação de políticas neoliberais privatistas, que deixam os trabalhadores pobres ainda mais vulneráveis às catástrofes.

Gráfico mostra o quanto os El Nino estão mais intensos devido ao aquecimento global

Rompendo limites

Capitalismo está prestes a abrir as portas do inferno

Os alertas da ciência são taxativos: para evitar que as portas do inferno se abram, o planeta precisa limitar o aquecimento em 1,5°C ou a 2°C, em relação aos níveis pré-industriais (1850 a 1900). Para isso, o mundo precisa de uma redução de emissões de gases-estufa de 43%, até 2030, e de 60%, até 2035 (em comparação a 2019) e, finalmente, chegar próximo das emissões zero, em 2050.

Mas não estamos caminhando nesta direção. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), o planeta já aqueceu 1,1°C. E é bem provável que o limite de 1,5°C seja ultrapassado na próxima década.

E vale lembrar que, quando falamos no limite de 1,5°C, estamos nos referindo à média mundial. Em muitos lugares da Terra esse limite já foi ultrapassado. No sertão brasileiro (áreas do cerrado e da caatinga), por exemplo, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) apontou que a temperatura já está em torno de 2,5°C acima da média global.

Se depender do capitalismo, dias piores virão

Projeções dos modelos climáticos mostram que o aquecimento acima de 1,5°C aumentará drasticamente o risco de incêndios florestais, de elevação do nível do mar, de terríveis inundações e fortes períodos de secas, com implicações no colapso dos sistemas alimentares, na saúde humana e na própria produtividade do trabalho.

Ou seja, hoje, o que estamos vendo é uma pálida prévia de uma tragédia que está sendo produzida pelo capitalismo e que pode se abater sobre a humanidade.

Segundo uma publicação da UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima), do dia 8 de setembro, caminhamos perigosamente para um aumento de 2,4°C a 2,6°C na temperatura média global, em relação aos níveis anteriores à Revolução Industrial.

Isso pode acionar pontos de rupturas no sistema climático. Um limite que, se ultrapassado, levará a grandes e muitas vezes irreversíveis mudanças no clima mundial.

Exemplos disto seriam a conversão da Amazônia em uma savana degradada, o derretimento das camadas de gelo da Groelândia e da Antártida (com a consequente subida do nível do mar em um metro ou mais), o descongelamento do permafrost (solo congelado no Ártico, que pode liberar ainda mais carbono na atmosfera) e o aquecimento irremediável dos oceanos, cujos efeitos seriam catastróficos.

Insanidade

Previsão é de aumento do consumo de combustíveis fósseis

A despeito dos alertas da ciência e mesmo do desenvolvimento de energias renováveis que não emitem carbono, o consumo de combustíveis fósseis vai crescer. Segundo relatório de 2022 da Agência Internacional de Energia (AIE), o consumo global de petróleo aumentará de 94 milhões de barris por dia, em 2021; para cerca de 102 milhões de barris, até 2030.

Como consequência, ainda de acordo com a Agência, as emissões de dióxido de carbono aumentarão de 19,5 mil milhões de toneladas (2020) para 21,6 mil milhões de toneladas (2030).

Embora façam bonitos discursos contra o aquecimento global, os governos vêm planejando a ampliação da exploração de petróleo até o fim dessa década, tal como o Projeto Willow, defendido por Joe Biden, um dos maiores planos de exploração de petróleo da história, no Alasca, que pode lançar 278 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Ou, ainda, a exploração da Margem Equatorial na Amazônia, defendida por Lula.

Capitalismo do desastre

Colapso do clima vai produzir ondas de refugiados

Ondas mortais de calor mais frequentes também podem provocar imensas ondas de refugiados climáticos. A ONU estima que mais de 250 milhões de pessoas serão obrigadas a se deslocarem no curso deste século, em razão das mudanças no clima.

Também vai ficar cada vez mais difícil garantir água potável e alimentos para 11 bilhões de habitantes do planeta, como previsto para 2100.  A isso se combinam as “soluções neoliberais”, com a privatização da água, que levará a uma menor distribuição de água nas áreas mais pobres.

Quanto aos refugiados do clima, os países imperialistas já estão se preparando para enfrentar essa “invasão”, investindo massivamente na militarização de suas fronteiras e produzindo todo um complexo de empresas privadas que faturam bilhões na construção de centros de detenção, tecnologia e de vigilância.

Os capitalistas não vão resolver a crise climática. Ao contrário, vão aproveitar para lucrar com o desastre. Como disse o pai do neoliberalismo Milton Friedman, dias após o furacão Katrina arrasar a cidade de Nova Orleans, no Sul dos Estados Unidos, em 2004: “a tragédia é uma chance de abrir novas oportunidades”. De negócios, é claro.

Seca e incêndios

Cinzas da Amazônia caem no Centro Sul do Brasil

Coluna de fumaça dos incêndios na Amazônia se deslocando para o Sul

Nessas últimas semanas, ao invés da umidade da floresta amazônica, é a fuligem das queimadas que está sendo carregada pelos ventos até as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. No lugar dos “rios voadores”, os satélites estão captando “rios de cinzas”. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, os primeiros vinte dias de setembro registraram 5.224 focos de calor. O número supera, em muito, a média histórica de 1998-2022, que foi de 3.003 focos de calor.

Grandes áreas da Amazônia apresentam chuvas muito abaixo do esperado para esta época do ano. O resultado é que inúmeros rios secaram e muitas comunidades ficaram sem ter como se deslocarem porque a navegação ficou inviável.

O agronegócio cava sua própria sepultura

Um planeta mais quente e o desmatamento podem converter a Amazônia em uma savana, o que vai afetar o regime de chuvas no Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, bem como no Norte da Argentina. A diminuição da umidade produzida pela Amazônia afetaria, no Brasil, as regiões com maior produção agrícola e industrial, bem como o abastecimento de água e a produção de energia onde se concentram as maiores cidades do país.

Tudo isto teria consequências devastadoras sobre os monocultivos do agronegócio. Se o aquecimento persistir, fazendo com que o número de dias com temperatura máxima de 34°C corresponda a 200 dias por ano, boa parte da agricultura brasileira se tornará inviável. Cultivos como o do café, laranja e feijão sequer floresceriam nessas circunstâncias. A criação de gado na Amazônia seria inviável, devido ao calor extremo.

Não deixa de ser trágico o fato de que a expansão desse tipo de agricultura seja um dos principais responsáveis pelo aumento do desmatamento da Amazônia. Assim os representantes do agronegócio cavam sua própria sepultura, numa inequívoca evidencia sobre a total irracionalidade da produção capitalista.

Disjuntiva

Socialismo ou a barbárie climática

O capitalismo não pode combater o aquecimento global. Enquanto falam em transição energética, os governos continuam a conceder enormes subsídios às petroleiras. A chamada transição energética com o desenvolvimento de fontes renováveis de energia serve para abrir uma nova frente de acumulação do capital e, a médio prazo, apenas resultará em um “mix energético” (combinação entre fontes de energia renováveis e fósseis), insuficiente para deter o aquecimento.

A luta contra o colapso ambiental precisa ser assumida pela classe trabalhadora e suas organizações. Há muitos exemplos de lutas dos trabalhadores em defesa do meio ambiente, como o combate travado por Chico Mendes, na Amazônia, ou dos trabalhadores da mineração, contra a sanha das mineradoras e pelo banimento do amianto.

Essa pauta precisa voltar aos sindicatos, envolver comunidades e ambientalistas. Os trabalhadores e trabalhadoras devem aproveitar a sua experiência vivida com desastres ambientais e exigir que os seus sindicatos entrem na luta por um planeta habitável e defender condições de trabalho dignas frente aos fenômenos climáticos extremos.

Mas, o combate ao aquecimento global exige mais. Exige uma reorganização drástica do
economia em escala global, que estabeleça uma relação racional com a natureza e realize uma revolução das forças produtivas, para garantir uma verdadeira transição energética. Mas isso só é possível com a construção de uma sociedade socialista, onde o poder político e econômico emane da classe trabalhadora. Ou o capitalismo é superado ou a humanidade seguirá para a barbárie e o ecocídio.