Cultura

“Cala boca já morreu!”: Artistas enfrentam censura da justiça e protestam contra Bolsonaro

Tácito Chimato

31 de março de 2022
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Show da banda Fresno Foto Reprodução

Ocorreu ao longo do final de semana o festival Lollapalooza, em São Paulo. Presença no calendário de eventos do Brasil, os três dias recheados de shows movimentam em torno de si fãs de todo o país.

Mas esta edição foi marcada pela decisão monocrática do ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Raul Araújo em tentar censurar manifestações políticas contra Bolsonaro a pedido do Partido Liberal (PL), sigla do presidente. A medida foi tomada depois que a cantora Pablo Vittar puxou o grito “Fora Bolsonaro” em meio à plateia e enrolada em uma bandeira de Lula.

Para além das diferenças com Lula e o PT (que são profundas), não podemos ser coniventes com uma decisão arbitrária cujo objetivo claro é a censura. A decisão do ministro do TSE foi tomada quando o Partido Liberal, que abriga Bolsonaro, entrou com um pedido liminar de que o evento proibisse manifestações políticas dos artistas.

Além de absurda, a ação do PL é de uma hipocrisia imensa. Basta ver que Bolsonaro vem há meses fazendo propaganda eleitoral com dinheiro público, através de “motociatas” e outras manifestações, e nada acontece. Inclusive neste mesmo domingo do festival, Bolsonaro participou de uma atividade descaradamente eleitoral, e a justiça nada fez. E antes de pedir censura ao protesto em show, o juiz do TSE já havia autorizado outdoor pró-Bolsonaro em Rondônia.

Mas a tentativa de censura saiu pela culatra, e os artistas que se apresentaram no dia seguinte de Pablo Vittar fizeram ainda mais questão de gritar um “Fora Bolsonaro” ou se manifestar contra a censura. “Cala boca já morreu”, mandou Lulu Santos.  A banda Fresno exibiu no telão o “Fora Bolsonaro” durante o show. O rapper Djonga comandou uma plateia inteira contra Bolsonaro. A cantora drag queen Gloria Groove também falou sobre a censura.

Com a lamentável morte do baterista Taylor Hawkins e o cancelamento da turnê da banda Foo Figthers, a organização do show improvisou uma apresentação reunindo Planet Hemp, Emicida, DJ Nyack, DJ KL Jay, Criolo, Bivolt, Drik Barbosa, Rael, Mano Brown e Ego Kill Talent. A maioria desses não deixou de protestar.

Nos dias seguintes, diante da imensa repercussão negativa da censura, o próprio ministro Raul Araújo revogou sua liminar. Colaborou para isso a paspalhada do próprio PL, que errou o CNPJ e outros dados referentes ao Lollapalooza no seu pedido de censura.

Lollapalooza

Ingressos caros e superexploração do trabalho

A iniciativa dos artistas contra a censura no festival foi um momento importante e para lá de louvável. Mas, como não poderia deixar de ser, é necessário fazer algumas críticas ao Lollapalooza. Uma das grandes bandeiras do festival e dos patrocinadores envolvidos é a luta contra as opressões. É comum que diversas empresas, assim como na Parada LGBTI e em outros eventos, se engajem na venda do capitalismo como uma forma possível de enfrentar a LGBTfobia, o racismo, o machismo e outras opressões que os trabalhadores sofrem. O Lollapalooza, infelizmente, não é exceção.

Críticas aos valores absurdos dos ingressos, distantes da realidade da maioria da população, se tornaram habituais. Ficou famosa a fala de um ambulante, há alguns anos, quando negou um desconto a um jovem na cerveja: “Você está pagando um salário mínimo para ver um show e não tem dinheiro pra beber?”

Esse lado, porém, é apenas a “ponta do iceberg” dos problemas relativos ao evento. Ano após ano, a Tickets4Fun (T4F), empresa responsável pelo festival, é alvo de críticas nas contratações de trabalhadores para a montagem e manutenção das estruturas. Diversas figuras públicas, como o padre Júlio Lancelotti, denunciam, sem consequências aparentes. Em postagem do Instagram, o padre, referência no trabalho social em São Paulo, relatou: “Hoje mais um irmão em situação de rua pediu um par de tênis para poder trabalhar na montagem das estruturas do Lollapalooza. Vários estão trabalhando na montagem do festival!.” Veículos da imprensa também já denunciaram a prática. Em 2019, a Folha de S. Paulo entrevistou diversos trabalhadores da montagem do festival, que afirmaram receber R$ 50,00 por uma jornada de 12 horas sem nenhum equipamento de segurança.

As manifestações contra Bolsonaro no Lollapalooza foram importantes  e extremamente saudáveis. Mas não dá para fechar os olhos para o fato atrás das cortinas do festival.