Mulheres

PEC das domésticas: 10 anos após a lei, maioria ainda trabalha sem carteira assinada

Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

30 de março de 2023
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Érika Andreassy, da Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

No dia 2 de abril de 2013 foi promulgada a Emenda Constitucional 72, que assegura direitos trabalhistas básicos às domésticas. Contudo, passados dez anos da legislação que ficou conhecida como PEC das domésticas, três a cada quatro empregadas no setor ainda atuam sem carteira assinada. Isso demonstra a hipocrisia do sistema capitalista e da burguesia brasileira, de não assegurar sequer as conquistas obtidas na legislação.

Informalidade e baixos salários

Em que pese a importância da lei, por reconhecer as domésticas como trabalhadoras com direitos, sua conquista ainda segue sendo um sonho para a maioria. Nos últimos dez anos, a informalidade no setor não apenas se manteve, como inclusive aumentou. Em 2013 o grupo de empregadas sem carteira assinada representava 68,4% do total, em 2023 perfazem 78,4%.

A informalidade se reflete também nos salários. Historicamente, a remuneração das domésticas é inferior a outras ocupações, mesmo as que contam com uma participação grande de mulheres. No último trimestre de 2022, a renda média da categoria foi estimada em R$ 1.087,00, abaixo do salário mínimo vigente, que era de R$ 1.212,00. Entre as empregadas sem carteira, a renda foi ainda menor: R$ 944,00.

Raio X

Herança patriarcal e racista

O Brasil tem a maior população de trabalhadoras domésticas do mundo, são 5,9 milhões, quase três empregadas para cada grupo de 100 habitantes. Se organizasse um encontro de todos os seus trabalhadores domésticos, o Brasil reuniria uma população maior que a da Dinamarca, composta majoritariamente por mulheres negras.

Trata-se de uma herança “típica” do passado escravocrata do país. As marcas dessa herança, e a apropriação que o capitalismo fez dela, estão em todos os lugares. Não por acaso a maioria do setor é composta por mulheres (92%) e negros (60%). Entre as mulheres a proporção é ainda maior: 65,3% das mulheres nessa ocupação são negras, percentual que se amplia com a informalidade, alcançando 66,4%.

Os relatos de violência também são frequentes na categoria. O próprio caráter da atividade, no interior das casas e escritórios, cria condições para que o machismo se manifeste. Segundo a presidente do Sindicato das Empregadas Domésticas da Bahia, Cleusa Maria de Jesus, “tapas, empurrões, braços e pernas quebradas” são comuns. Isso sem falar no constante assédio moral e sexual.

Realidade

Conquistas legais são importantes, mas não bastam

As conquistas legais, quando ocorrem, constituem uma vitória da organização e luta dos trabalhadores. No caso das domésticas, significou um passo importante na batalha por reconhecimento. Mas, como é típico do sistema capitalista, a conquista de uma lei não garante que ela seja implementada, e isso só ocorre se houver pressão. Nesse sentido, não só a informalidade e a precarização são inversamente proporcionais à organização e sindicalização de trabalhadoras e trabalhadores, como esses dez anos de PEC das domésticas demonstram que, no marco do capitalismo, nossas lutas não acabam quando uma lei é conquistada. Ao contrário, elas recém se iniciam, pois, uma vez obtida a conquista legal, é necessário seguir batalhando para fazer valer e ampliar os direitos.

Essas lutas são fundamentais para melhorar nossas condições de vida e, no caso dos setores oprimidos, parte do combate permanente contra o machismo, o racismo e toda forma de opressão, e de fortalecer os oprimidos da nossa classe. Somente com a superação do sistema capitalista de exploração e opressão e a construção de uma sociedade socialista, poderemos avançar para pôr fim definitivamente a essas marcas da escravidão que permanecem no país.

Luta permanente

Uma história de luta por direitos

Apesar de as trabalhadoras domésticas terem direito à carteira assinada desde 1972 (30 anos depois da primeira regulamentação das leis trabalhistas, em 1943, da qual ficaram de fora), foi somente com a Constituição de 1988 que conquistaram a aposentadoria, o 13° salário, o descanso semanal remunerado e o direito de não receber remuneração inferior a um salário mínimo. Já o FGTS e o seguro-desemprego vieram 13 anos depois, em 2001, e mesmo assim não se transformaram num direito de fato, já que o recolhimento dos tributos necessários para garantir benefício ainda era opcional ao contratante. Em 2006, a lei proibiu o empregador de descontar dos salários gastos com alimentação, vestimenta, moradia e higiene. Foram garantidas também férias de 30 dias e a não demissão, sem justa causa, após cinco meses do parto. Em 2013, com a promulgação da PEC, veio a equiparação de direitos já assegurados aos demais trabalhadores com carteira assinada: jornada de oito horas (44 horas semanais), horas extras (com acréscimo de 50%), licença-maternidade de 120 dias, seguro-desemprego, FGTS, adicional por trabalho noturno, salário-família, assistência gratuita a dependentes com até cinco anos em creches e pré-escolas, seguro contra acidentes de trabalho. Também foi estipulado que o salário mínimo seria o piso da categoria. Ficando de fora o pagamento de adicional de insalubridade ou periculosidade (nos casos necessários). Contudo, as regras não valem para as diaristas, que compõem uma enorme parcela da categoria.