Internacional

Devemos nos comover com as baixas de militares russos durante a contraofensiva ucraniana?

Redação

22 de agosto de 2023
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Mulher grávida é evacuada de prédio bombardeado em Mariupol

Rafik Abdallah

Esta semana o New York Times publicou um artigo [1] que faz referência ao número de baixas militares na guerra da Rússia contra a Ucrânia. São meio milhão de pessoas afetadas, sendo 1/3 de mortos e 2/3 de feridos. Além disso, o artigo aponta que 40% são de ucranianos e 60% de russos.

Com isso, tentam vender a ideia de que todos são vítimas da invasão russa contra a Ucrânia. Contudo, os danos da guerra contra a humanidade devem ser medidos também em seu efeito contra a população civil. Considerando esse aspecto, vemos que não existe equivalência entre os dois lados.

O caso de Mariupol

Para ficar apenas em um exemplo, vamos falar sobre a cidade de Mariupol, que tinha 430 mil habitantes antes da invasão. Logo no início da guerra, a Rússia bombardeou a cidade por 80 dias seguidos. Segundo a ONU [2], esses bombardeios fizeram com que 350 mil pessoas saíssem da cidade.

Em apuração posterior da Associated Press[3], foram encontrados 75 mil mortos em 10 mil covas abertas na cidade. A ocupação russa resultou em uma cidade com 90% dos seus prédios destruídos parcial ou totalmente. Essa destruição foi feita pelos bombardeios e depois pela invasão das tropas russas à cidade.

Mariupol era uma cidade de maioria de ucranianos russófonos (falantes do idioma russo). Esses habitantes não queriam pertencer à Rússia, mas à Ucrânia, e resistiram à invasão. Por isso, Putin precisou matar 75 mil pessoas e fazer uma limpeza étnica com 350 mil.

Isso desfaz duas importantes ideologias. A primeira é de que o exército russo é tão vítima quanto o povo ucraniano nessa guerra. A segunda é que os ucranianos russófonos desejariam que seus territórios fossem parte da Rússia, e não da Ucrânia.

O caso de Bakhmut

O artigo do NYT traz comentários de oficiais americanos que atribuem o lento progresso da ofensiva ucraniana ao fato de que os ucranianos temem perder muitas vidas. Mas a preocupação das potências ocidentais sempre foi maior com as vidas russas, não com as ucranianas.

Após a retomada de Bakhmut pelo exército ucraniano, Putin escalou o Grupo Wagner para retomar a cidade para tentar recuperá-la. O chefe dos mercenários, Yevgeny Prigozhin, afirmou que perdeu 20 mil soldados durante essa batalha de 10 meses [4].

Durante a batalha, o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, recomendou aos ucranianos que abandonassem a cidade, porque não via valor estratégico em retomá-la. Nesse momento, as baixas russas era de 3 a 5 vezes maior do que as ucranianas.

A preocupação das autoridades americanas com as “vidas humanas”, na verdade, é com a vida de soldados e mercenários de Putin. Para proteger o poder de Putin, as potências ocidentais recomendam aos ucranianos a entrega de seu território.

As baixas ucranianas

Houve uma mudança no discurso das autoridades norte-americanas, de preocupação com as vidas russas, para uma preocupação com as vidas ucranianas. Mas essa mudança no discurso não corresponde a uma mudança na política defendida para a resolução da guerra.

Durante 9 meses, os russos tiveram a possibilidade de construir uma linha de defesa imensa. Em alguns pontos, com 30 quilômetros de extensão. São campos minados, dentes de dragão que impedem avanço de tanques e trincheiras. Durante todo esse tempo, as potências ocidentais não entregaram as armas ofensivas.

Sem os modernos tanques, aviões e mísseis, os ucranianos não tinham condições de retomar seus territórios, o que permitiu o fortalecimento das bases russas. Esse é um dos motivos pelo qual os ucranianos temem perder suas vidas na atual contra-ofensiva.

O segundo motivo é que, até hoje os ucranianos não contam com aviação necessária para ter hegemonia aérea, ou mísseis de longo alcance para interromper as linhas de suprimento das bases russas. EUA, França, Alemanha e Reino Unido não estão entregando essas armas aos ucranianos.

Se os oficiais americanos realmente estivessem preocupados com as baixas ucranianas, eles deveriam entregar pelo menos 100 aviões F16 e 200 mísseis de longo alcance. Em dois meses, as principais linhas de suprimento russas estarão destruídas, o que permitiria um avanço rápido da contraofensiva ucraniana.

Enfraquecer e preservar Putin

Apesar do discurso hipócrita das potências ocidentais, a política que eles exercem na região é clara. Não querem derrotar Putin, mas apenas enfraquecê-lo, preservando seu poder. Estão tentando construir uma negociação com a entrega de parte do território ucraniano.

O chefe de gabinete da OTAN, Stian Jenssen, recomendou à Ucrânia que cedesse partes de seu território em troca da possibilidade de entrada do país na organização. Poucos dias depois se arrependeu de ter feito a declaração, ainda que não tenha retirado a proposta [6].

Essas potências temem uma desestabilização interna do regime de Putin perante o povo russo. O objetivo delas, portanto, é que Putin possa mostrar que, apesar dos sacrifícios, houve alguma vitória. Ainda que às custas de tanto sofrimento e de vidas do povo ucraniano.

A hipocrisia do discurso imperialista de apoio à Ucrânia

Os ucranianos já perceberam que o apoio que vem do ocidente não é incondicional, mas envenenado. Além do interesse em enfraquecer Putin sem derrotá-lo, também querem passar a controlar as riquezas presentes no território ucraniano.

As declarações do presidente norte-americano, Joe Biden, e do chanceler alemão Olaf Scholz de que apoiam a Ucrânia, não correspondem às políticas que assumem na guerra. Não entregam aquilo que declaram, o que faz com que a contraofensiva ucraniana avance muito lentamente, em média, apenas 4 km².

As baixas, os feridos, as perdas e o sofrimento dos ucranianos que lutam por seu território são causados pela falta de aviões modernos e mísseis de longo alcance. A entrega desse tipo de armamento é essencial para preservar as vidas dos ucranianos.

O que podemos fazer

Nós não podemos nos comportar como a OTAN, com um discurso de pura hipocrisia. A classe trabalhadora de todo o mundo precisa estar efetivamente ao lado dos nossos irmãos e irmãs da classe trabalhadora ucraniana, que estão em uma batalha dura por seu território.

Esse esforço, ainda que com muitas perdas, muito sofrimento e milhões de refugiados é o que está conseguindo paralisar as forças russas, o segundo exército mais poderoso do mundo. Com nosso apoio, podemos levar essa luta à vitória, não só da classe trabalhadora ucraniana, mas da de todo o mundo.

Quem estiver em São Paulo, estaremos organizando uma pequena concentração na próxima quinta-feira junto à comunidade ucraniana. Será no dia 24 de agosto, em frente ao MASP, às 19h, para passarmos ao povo ucraniano a nossa mensagem de solidariedade, que nesse momento resiste contra a ocupação russa.

Glória à Ucrânia, e Glória à classe trabalhadora de todos os países!

[1]https://www.nytimes.com/2023/08/18/us/politics/ukraine-russia-war-casualties.html

[2]https://brasil.un.org/pt-br/186693-guerra-na-ucr%C3%A2nia-fez-350-mil-moradores-de-mariupol-sa%C3%ADrem-da-cidade

[3]https://apnews.com/article/russia-ukraine-war-erasing-mariupol-499dceae43ed77f2ebfe750ea99b9ad9

[4]https://apnews.com/article/russia-ukraine-war-border-raid-4f63ade7fb3899b6fa903b562ada0e2c

[5]https://www.reuters.com/world/fall-bakhmut-would-not-mean-russia-has-turned-tide-war-pentagon-chief-2023-03-06/

[6]https://www.theguardian.com/world/2023/aug/16/nato-official-suggests-ukraine-could-give-up-territory-in-exchange-for-membership