WILSON SILVA | Negar a importância de Glória Maria para História deste país seria tão absurdo quanto impossível
Negar a importância de Glória Maria para História deste país, do Jornalismo, da TV e, muito especialmente, do povo negro e nossas mulheres, seria tão absurdo quanto impossível.
Independentemente do nefasto caráter da empresa na qual desenvolveu sua carreira, Glória não esteve aqui “de passagem” nem se deixou prender a amarras.
Pra lá da excelente profissional, que sabia transformar cada reportagem em um “evento”, foi pioneira, ousada, obstinada, destemida, iluminada, irreverente, libertária e, do seu jeito único, uma referência na luta contra o racismo.
Num país onde, para milhões, principalmente negros e negras, a TV é a única janela para o mundo, a simples presença de Glória Maria cumpriu um papel de relevância literalmente histórica.
Por isso, escolhi a foto que acompanha este texto. Sinceramente, lembro “como se fosse hoje”. É do final dos 1970, quando, certamente embalada pelo ascenso negro, ela fez e virou notícia, ao aparecer com seu “black”, denunciando que tinha sido barrada na portaria de um hotel, por ser negra, e fazendo valer, pela primeira vez, a capenga Lei Afonso Arinos.
Eu ainda era um “moleque”, nos meus primeiros passos na militância, e, acreditem, a história acabou se entrelaçando com a minha própria de um jeito que, só muito depois, eu tive consciência. E tenho certeza que algo semelhante aconteceu, em um momento ou outro, com muitos negros e negras por aí.
Como muita gente lembrou hoje, coincidentemente, ela faleceu no dia dedicado a Iemanjá. E, mesmo eu, distante das religiosidades, não consigo deixar de ver beleza na analogia. Glória Maria foi uma força da natureza, no corpo de uma mulher negra, que soube impregnar de “axé” a TV, o noticiário e, por tabela, um país inteiro.
Então, só posso homenageá-la desejando que esta vitalidade que emana dos ancestrais, como ela própria insistia em lembrar ao falar de sua avó escravizada, continue por aí, inspirando as novas gerações.