Internacional

Um ano de genocídio e resistência

Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

11 de outubro de 2024
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No dia 7 de outubro de 2023, a resistência palestina liderada pelo Hamas atacou bases militares israelenses e tomou prisioneiros, para troca por presos políticos palestinos.

Este ataque recolocou a causa palestina na agenda mundial, além de paralisar as negociações de normalização de relações entre os regimes árabes e o Estado de Israel e, ainda, colocar o governo de Benjamin Netanyahu e o Estado de Israel em crise.

O governo israelense, liderado por Netanyahu, rejeita qualquer tipo de investigação sobre o 7 de outubro, seja pela Organização das Nações Unidas (ONU), por ONGs especializadas ou pelo próprio parlamento israelense. Ele quer evitar que mentiras (como o assassinato de bebês ou o estupro de mulheres) venham à tona, muito menos que se mencione o alto número de israelenses que foram mortos pelo próprio exército israelense, no afã de evitar reféns.

Crimes contra a humanidade

No dia seguinte, as forças israelenses promoveram crimes de guerra e crimes contra a humanidade em série: bombardeios indiscriminados contra a população civil; destruição de residências, escolas, hospitais e infraestrutura sanitária; bloqueio de ajuda humanitária de alimentos e remédios e aprisionamento de civis, sem acusação formal, que também foram submetidos a torturas.

Esses crimes foram e continuam sendo cometidos contra a população palestina de Gaza (42 mil mortos, 10 mil desaparecidos e 100 mil feridos) e da Cisjordânia (700 mortos, 10 mil presos), e, há duas semanas, voltaram-se, também, contra a população libanesa, onde já há mais de 2 mil mortos.

Os líderes israelenses não escondem o objetivo de expulsar a população palestina, tornando Gaza inabitável, para roubar suas terras. Na Cisjordânia, 9 mil novas moradias para colonos sionistas foram autorizadas em terras palestinas e mais de 240 hectares já foram anexados pelo Estado de Israel.

Esta combinação entre crimes de guerra e crimes contra a humanidade, com a intenção de expulsar ou eliminar uma etnia é denominada de GENOCÍDIO pela Convenção de Genebra, que, há décadas, estabelece normas internacionais para limitar a violência das guerras.

Imperialismo

A cumplicidade dos donos do mundo

Os países imperialistas se dividem em dois blocos. Os Estados Unidos e os países imperialistas europeus falam em cessar-fogo, mas continuam entregando armas para que o Estado de Israel siga dando continuidade ao genocídio.

A China e a Rússia também falam em cessar-fogo, mas trabalham contra qualquer apoio militar à resistência palestina. Exemplo disso foi a pressão chinesa pelo fim das ações militares feitas pelos iemenitas Houthis, no Mar Vermelho, que paralisam a navegação comercial na região. Outro exemplo foi a pressão de Moscou para que o Irã não retaliasse Israel para valer.

Os regimes árabes criticam o genocídio, mas seguem os acordos com o Estado de Israel, inclusive na área de defesa. A Autoridade Palestina, presidida por Mahmoud Abbas, também critica o genocídio, mas mantém os acordos de cooperação de segurança com Israel.

A resposta do Irã

O regime iraniano, que lidera o chamado “Eixo da Resistência”, afirmou, através do Ayatollah Khamenei, que não atacaria Israel para defender os palestinos, mas somente atacaria Israel se o Irã fosse atacado.

Para piorar, recentemente, o regime iraniano anunciou que deseja retomar as negociações sobre o programa nuclear iraniano, para suspender as pesadas sanções imperialistas, que é um gesto de normalização com o imperialismo em meio ao genocídio em curso na Palestina e no Líbano.

No entanto, sob pressão para responder aos covardes ataques sionistas ao Hezbollah, o regime iraniano lançou cerca de 200 mísseis balísticos contra bases aéreas e um edifício do Mossad (serviço secreto de Israel), em Tel Aviv, a maioria dos quais foi abatida antes de atingir o alvo.

Essa reação iraniana surpreendeu o Estado sionista e mostrou o potencial que teria uma ação conjunta da resistência palestina com o “Eixo da Resistência”, que poderia ter paralisado o genocídio logo no início.

Crise e instabilidade

Israel é uma base militar dos EUA

Desde 7 de outubro, o Estado de Israel vem perdendo a estratégica batalha por corações e mentes em todo o mundo. Isto aumenta qualitativamente o custo político de sua sustentação pelos países imperialistas, em um cenário internacional de acirramento das disputas interimperialistas.

Ao mesmo tempo, o genocídio aprofundou qualitativamente a crise econômica que já se arrastava desde o início de 2023, durante a disputa dos setores liberais contra a reforma do judiciário. A incerteza quanto ao fim da guerra empurra as empresas (grandes e pequenas) do setor de novas tecnologias para os Estados Unidos e a Europa.

Ao mesmo tempo, a força de trabalho (de todas as escalas) escasseiam, fruto do alistamento militar, das baixas militares, do êxodo para o exterior e do impedimento de 180 mil trabalhadores palestinos atravessarem os “checkpoints” (barreiras militarizadas, para controle de circulação) para trabalhar na construção civil, que está paralisada. Isso tudo aponta para um longo período de estagnação, pior que o que sucedeu a guerra de outubro de 1973.

Além disso, a questão do alistamento militar da população “haredim” (chamados de “ultra-ortodoxos”, exatamente por se considerarem o grupo de judeus mais religiosamente autêntico) é outro elemento de crise e instabilidade.

Netanyahu e o Estado de Israel conseguiram uma recuperação relativa, fruto da extensão do genocídio ao território libanês, inicialmente bem sucedida, mas que pode se transformar, como nas ofensivas anteriores (em 1982 e 2006), em novos fracassos.

De toda a forma, este primeiro ano de genocídio fortaleceu e expôs as características de enclave militar imperialista, em detrimento da aparência de Estado liberal e democrático, como Israel se apresenta ao mundo.

A dependência militar, econômica e política de Israel frente aos países imperialistas; a crise econômica e a fuga de capitais; o fortalecimento político dos “colonos”, representado pelos extremistas Ben Gvir e Smotrich (respectivamente, ministros da Segurança Nacional e das Finanças), em detrimento da extrema direita liberal; a ampliação dos gastos militares e a militarização da sociedade apontam para o fim das ilusões na falsa “democracia” israelense.

Solidariedade ativa

Generalizar a resistência para derrotar o genocídio

Este primeiro ano de genocídio demonstrou a falência das potências imperialistas e das instituições da ordem mundial em garantir o cessar-fogo, o ingresso irrestrito de ajuda humanitária e outras medidas básicas de sobrevivência para os palestinos, situação que, agora, se estende ao Líbano.

Está demonstrado que é a resistência palestina, armada ou desarmada, apoiada pela solidariedade internacional, que pode paralisar o genocídio, abrindo o caminho para a libertação da Palestina.

Do ponto de vista militar, o desafio nos países imperialistas ocidentais é ampliar o envolvimento da classe trabalhadora, para paralisar o envio de armas e fundos para o Estado sionista.

A China e a Rússia têm que ser cobradas a prover todo o armamento necessário para todas as forças dispostas a lutar contra o genocídio praticado pelo Estado de Israel no Oriente Médio. A mesma exigência tem que ser estendida aos países da Liga Árabe e ao chamado “Eixo da Resistência”.

Nos demais países, segue a batalha pela ampliação das mobilizações para obrigar os governos nacionais a romperem relações econômicas, militares, diplomáticas, acadêmicas e culturais com o Estado de Israel.

Dentro da Palestina, o desafio é ampliar a auto-organização e a autodefesa palestina, bem como obrigar a Autoridade Palestina a romper os acordos de cooperação de segurança com o inimigo sionista e a ceder as armas da polícia palestina para que a juventude organize a autodefesa das cidades, vilas e campos de refugiados.

Palestina livre, do rio ao mar

A ONU e quase a totalidade dos governos em todo o mundo defendem a chamada solução de dois Estados, que, além de injusta, é uma cortina de fumaça para debilitar a resistência palestina, empurrando-a para o beco sem saída das negociações de paz.

O Estado de Israel já afirmou e reafirmou que é contra o estabelecimento de um Estado Palestino, mesmo que seja um “mini-Estado”, em apenas 22% do território palestino. Infelizmente, contudo, a maioria das forças de esquerda continua defendendo essa ilusão de dois Estados ou alguma variante.

Reafirmamos a necessidade de pôr fim ao Estado de Israel, como única forma de garantir justiça e paz no Oriente Médio. E, por isso, defendemos uma Palestina laica, democrática e não racista, do rio ao mar.

A aliança entre a classe trabalhadora palestina e a classe trabalhadora dos países árabes se constitui na força motriz para varrer os regimes árabes colaboracionistas, expulsar as forças imperialistas e libertar a Palestina e todo o mundo árabe, rumo a uma Federação Socialista de Países Árabes.

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