Negros

Uberaba (MG): Nota do PSTU frente à declaração racista do padre Valdiney Ferreira Eduardo

Construir uma alternativa antirracista e socialista

PSTU-MG

27 de maio de 2024
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Padre Valdiney Ferreira Eduardo disse nas redes sociais que celebração do congado é ‘profanação’ Foto: Ruth Gobbo/Divulgação

Adriano Espíndola Cavalheiro, pré-candidato a prefeito de Uberaba pelo PSTU

A formação histórica de Uberaba e todo o Triângulo Mineiro, como de resto de todo o Brasil, está indissociavelmente ligada ao processo de colonização, escravização e genocídio das populações negras e indígenas.

A ocupação dessa região se deu através da expropriação violenta das terras dos povos originários, especialmente os Caiapós, e da repressão brutal aos quilombos que se formaram como resistência à escravidão.

Racismo histórico em Uberaba

Historicamente, as elites políticas e econômicas de Uberaba e região também demonstraram seu viés racista ao se oporem à vinda de imigrantes negros e asiáticos no início do século 20.

Figuras proeminentes como o deputado Fidélis Reis, cujo o nome estampa as placas de denominação de uma das principais avenidas da cidade, defendiam abertamente medidas restritivas à entrada de “colonos da raça preta” e a imposição de cotas para os “amarelos”, sob a justificativa de um suposto risco à formação nacional.

Persistência das desigualdades raciais

Esse passado de opressão deixou marcas profundas na estrutura social, econômica e cultural da região.

Mesmo após a abolição formal da escravidão em 1888, a população negra, como parte considerável continuou sendo tratada como cidadãos de segunda classe, excluída do acesso à terra, à educação, à saúde, à moradia digna e a tantos outros direitos básicos.

Dados nacionais e a realidade local

Segundo o Censo 2022, os pretos e pardos representam 55,5% da população brasileira, sendo que os pardos são o maior grupo racial do país, com 45,3%, e os pretos correspondem a 10,2%. Já em relação a Uberaba, os dados censitários demonstra que mostram que 47,36% da população é composta por pretos e pardos.

Apesar de serem a maioria da população, pretos e pardos continuam sendo os mais impactados pelas desigualdades raciais que marcam a sociedade brasileira. Indicadores de renda, trabalho e educação evidenciam a persistência do abismo racial.

De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (SIS) do IBGE, em 2022, os profissionais brancos ganharam em média 61,4% a mais por hora trabalhada que pretos e pardos, considerando todos os níveis de instrução. Além disso, a proporção de trabalhadores em ocupações informais é maior entre pretos e pardos (46,8% para mulheres e 46,6% para homens) do que entre brancos (34,5% para mulheres e 33,3% para homens). As mulheres pretas ou pardas representam 41,3% dos pobres no país e 8,1% dos extremamente pobres.

Esses dados, entre muitos outros, demonstram como a população negra está mais representada nos estratos mais pobres e explorados da classe trabalhadora, enquanto a população branca é majoritária entre as classes médias e altas. Ele explica o porquê de parte importante da população negra (pretos e pardos) vive nas periferias da nossa cidade, enfrentando condições precárias de moradia, saneamento, educação, saúde, transporte, etc.

Violência e encarceramento

A população negra é a principal vítima da violência e do encarceramento em massa.

No Brasil, 2 em cada 3 presos são negros, evidenciando o caráter seletivo e racista do sistema de justiça criminal. É de se esperar que Uberaba siga esse padrão nacional.

Incidente racista do padre Valdiney Ferreira Eduardo

É neste contexto que deve ser recebida a manifestação racista e intolerância religiosa do padre Eduardo Ferreira, pároco da Paróquia Santa Terezinha, da Igreja Católica, que classificou como profanação a manifestação religiosa-cultural do povo negro de nossa cidade, junto à Catedral Metropolitana, realizada por Ternos de Congada e de Moçambique, em comemoração ao 13 de maio.

Como não bastasse dizer que não convoca e tampouco participa de profanação, se referindo a atividade realizada junto a Catedral Metropolitana de Uberaba, esse preconceituoso senhor, numa atitude de intolerância religiosa e racismo, de demonização da cultura afro, afirmou que “terminado o evento sempre rezam oração de desagravo e jogam água benta em todos os lugares”. O crime de racismo está tipificado na Lei nº 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Apesar da nota da Igreja Católica não coadunando com a atitude do indigitado padre e, ainda, considerando que ele deveria jogar não apenas água benta, mas sabão, desinfetante, água sanitária e tudo mais sobre seu seboso preconceito, sua manifestação, que nos causa repulsa e nosso mais veemente repúdio, nada mais é do que a expressão, sem liturgia e fingimentos, que coloca a nu, o preconceito racial e religioso, não apenas corrente junto a elite de nossa cidade, mas do nosso estado e país.

Racismo como instrumento de dominação capitalista

O racismo não é uma característica inerente ou imutável da sociedade, tampouco algo natural, sistêmico. Ele é um instrumento de dominação que pode e deve ser combatido e superado através da luta organizada do povo negro em aliança com toda a classe trabalhadora. E, justamente por ser um instrumento do capitalismo, a luta antirracista não pode ser dissociada da luta anticapitalista e socialista.

Por isso, é fundamental entender que os discursos e as práticas racistas não são meros resquícios do passado ou desvios individuais. São instrumentos históricos de dominação a serviço da manutenção da estrutura capitalista. Desde o processo de acumulação primitiva de capital, baseado no colonialismo, na escravidão e no genocídio, até os dias atuais, o racismo é um mecanismo de divisão e hierarquização da classe trabalhadora.

Ao atribuir supostas diferenças biológicas ou culturais aos negros, o sistema capitalista se vale do racismo, que é uma das formar de opressão, para naturalizar a sua superexploração do povo preto, majoritariamente pobre e, ainda, para dividir a classe trabalhadora.

A luta combinada contra a opressão racista e a exploração capitalista

Dessa forma, a ideologia racista está a serviço da geração de lucros extraordinários para os capitalistas, através da superexploração da força de trabalho, dividindo a classe trabalhadora, dificultando sua unidade e organização na luta por seus direitos.

Por isso, nós do PSTU, compreendermos o combate ao racismo como parte indissociável da luta de classes.

Não se trata apenas de uma questão de representatividade ou diversidade, mas de entender como o racismo mecanismo próprio da dinâmica da exploração capitalista. A burguesia se utiliza do racismo e de instituições, como no caso da declaração racista do padre uberabense, para extrair mais e mais lucro por meio da superexploração da força de trabalho negra, ao mesmo tempo em que cria divisões e hierarquias dentro da classe trabalhadora, dificultando sua unidade e organização.

O que defendemos

Lutamos e defendemos políticas que visam mitigar os efeitos do racismo, como a política de cotas, mas defendemos mais. Defendemos política de Reparação Histórica, que passa por cotas raciais sim, mas também por medidas profundas e radicais, que alterem a estrutura econômica, política e social, passando, pela garantia de direitos básicos que foram negados à população negra ao longo de séculos.

Defendemos o direito à terra, com a titulação de territórios quilombolas e a reforma agrária. Direito ao trabalho digno, com políticas de emprego e renda voltadas para a superação das desigualdades raciais. Direito à educação, saúde, moradia, cultura, com políticas públicas universais, laica e de qualidade.

Além disso, é fundamental que as políticas de igualdade racial tenham um recorte de gênero, reconhecendo a dupla opressão sofrida pelas mulheres negras.

Propostas do PSTU para enfrentamento do racismo em Uberaba

Nós do PSTU compreendemos o combate ao racismo como parte indissociável da luta de classes. Defendemos políticas que visam mitigar os efeitos do racismo, como a política de cotas, mas também políticas de Reparação Histórica, que incluem:

O direito à educação, saúde, moradia, cultura, com políticas públicas universais, laica e de qualidade;
Campanhas de conscientização e educação sobre a violência de gênero e o racismo, voltadas para a população em geral e para públicos estratégicos, como jovens e homens;
A criação da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial, com o objetivo de formular, coordenar e implementar políticas públicas de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial em todas as áreas da administração municipal, juntamente com Conselhos Populares;
A realização de um diagnóstico participativo sobre a situação da população negra em Uberaba, com o envolvimento de movimentos sociais, organizações culturais e acadêmicas, para subsidiar a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências;
A implementação de programas de formação e capacitação para professores e demais servidores públicos municipais sobre a temática racial, visando à desconstrução de estereótipos e à promoção de uma cultura antirracista na administração pública;
O fortalecimento das políticas de saúde da população negra, com a capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento das especificidades dessa população e a promoção de ações de prevenção e combate às doenças prevalentes;
O desenvolvimento de programas de educação antirracista nas escolas municipais, com a revisão dos currículos e a formação continuada dos educadores, visando à valorização da história e da cultura afro-brasileira e ao combate ao racismo desde a infância;
O apoio e fortalecimento das manifestações culturais negras de Uberaba, como a Feira Negra e os Ternos de Congos e Moçambique, com a criação de editais específicos de fomento e a promoção de ações de valorização e difusão;
O estabelecimento de políticas de cotas nos concursos públicos municipais e nas contratações de empresas prestadoras de serviços à Prefeitura.

Chamado à ação

Para transformar em realidade esse programa, ou, ao menos combater coerentemente o racismo, organizações da classe trabalhadora, como sindicatos, movimentos populares, ativistas de partidos de esquerda, etc., precisam incorporar a pauta antirracista como uma prioridade. Precisamos combater as discriminações raciais nos locais de trabalho e estudo, nas políticas públicas, na repressão policial.

Ao mesmo tempo, é preciso fortalecer a auto-organização e o protagonismo dos trabalhadores e trabalhadoras negras em todas as esferas, o que neste momento, além de defesa de uma politica clara de reparação, significa considerar uma alternativa socialista e revolucionária, para eleições municipais que se avizinham.

Não se pode apoiar a esquerda reformista que conformou-se, adaptou-se e hoje é corresponsável pela exploração e opressão da classe trabalhadora, ao governar com os ricos e para os ricos e tampouco. Tampouco, apoiar a ultradireita, seja a bolsonarista (PL) seja a zemista (Elisa), que representam os beneficiários diretos e responsáveis pelo racismo e são a expressão mais reacionária e obscurantista da burguesia, inimigos declarados dos direitos e conquistas históricas da classe trabalhadora.

Fale conosco

Nós do PSTU não pretendemos falar em nome da população negra e oprimida, mas sim construir junto com ela um projeto de cidade e de sociedade livre de todas as formas de exploração e dominação. Por isso, convidamos todos e todas que sofrem na pele os efeitos do racismo e da desigualdade a se somarem a essa luta, a se organizarem em seus locais de moradia, trabalho e estudo, a ocuparem os espaços políticos e institucionais, a levantarem suas vozes e demandas. Só com a auto-organização e o protagonismo da classe trabalhadora negra e periférica poderemos não apenas vencer o racismo, mas derrotar o sistema que o fomenta, rumo a uma alternativa socialista.

Por fim, repudiamos o ato de racismo e intolerância religiosa do Padre Eduardo Ferreira e exigimos sua severa punição tanto na esfera criminal quanto na cível.

Conheça o PSTU, entre em contato conosco em Uberaba pelo (34) 99634-4735 (WhatsApp).

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