Trump ou Kamala Harris? Na eleição dos EUA, não existe opção para os trabalhadores
Michael Schreiber, do Worker’s Voice (partido-irmão do PSTU nos EUA)
Em um discurso realizado na Filadélfia na noite de segunda-feira, Kamala Harris descreveu a disputa presidencial como “as eleições mais importantes de nossas vidas”. Para não ficar atrás, Donald Trump disse a uma multidão em Reading, Pensilvânia: “5 de novembro será o dia mais importante da história do nosso país”. Claro, os leitores se lembrarão que políticos e a mídia disseram o mesmo em 2020, em 2016 e até antes.
Contudo, não há dúvida de que a classe dominante dos Estados Unidos vê as eleições presidenciais como um grande presságio para uma economia que enfrenta pressões consideráveis. Rana Foroohar, escrevendo no The Financial Times em 3 de novembro, resumiu algumas das principais preocupações do capitalismo americano: “Na terça-feira, os americanos votarão no que provavelmente serão as eleições presidenciais mais importantes de nossas vidas” [diz-se isso mais uma vez!]. Os candidatos não poderiam ser mais diferentes, mas o desafio que enfrentam é o mesmo: renovar o sentido de propósito e dinamismo nacionais em um país que pode ter atingido o auge de seu poder competitivo. Os Estados Unidos ainda desfrutam de uma sequência de crescimento pós-pandemia. Mas fortes ventos contrários econômicos, políticos e sociais se aproximam.
“A política partidária não terminará com estas eleições; na verdade, pode piorar. A produtividade está desacelerando, a população está envelhecendo, as bolhas das redes sociais criam divisões e o país enfrenta ameaças competitivas da China e de outros mercados emergentes, que se unem cada vez mais em suas próprias alianças de consenso pós-Washington.”
É assim que a maioria dos capitalistas entende a situação: esperam grandes crises no futuro, que exigirão medidas drásticas e até rigorosas para serem superadas. E querem uma administração da Casa Branca (e um Congresso) que possa implementá-las. Para muitos capitalistas, a “política partidária” é uma questão secundária; eles doam dinheiro para ambos os partidos com a expectativa de que ambos sirvam aos seus interesses. Estudos mostram que as doações de empresas e associações empresariais são quase igualmente generosas tanto para republicanos quanto para democratas.
Mas, como estão os trabalhadores nestas eleições? Para a classe trabalhadora, como sempre, o resultado será sombrio, independentemente de qual dos dois grandes partidos capitalistas vencer. Ambos os candidatos presidenciais, e seus partidos, representam e atendem aos interesses restritos da elite rica, apesar da máscara que seus candidatos usam em tempos de eleição para fingir que de alguma forma falam em nome dos interesses dos que trabalham para sobreviver.
Como os trabalhadores e oprimidos carecem de um partido independente próprio, são obrigados a assistir ao “combate de boxe” que os dois partidos organizam a cada temporada eleitoral. Ao final da luta, pede-se aos trabalhadores que escolham entre os candidatos. Após julgarem se os candidatos tentam cumprir pelo menos algumas de suas promessas enganosas, a escolha geralmente se reduz à identificação de qual candidato é o “mal menor”.
Então, será Trump ou Harris quem assumirá o papel de dirigir a administração política do capitalismo americano? A maioria das pesquisas indica que o resultado será muito acirrado. Vamos dar uma olhada no que os dois candidatos do Grande Capital prometem ao eleitorado.
A plataforma de Trump
Desta vez, como nas duas últimas eleições presidenciais, a candidatura do Partido Republicano é encabeçada por um bufão desonesto: racista, mentiroso, agressor de mulheres, reacionário, aliado incondicional de supremacistas brancos e da extrema direita, e um aspirante a caudilho autoritário.
No entanto, Trump, como um vendedor de feira, atraiu eleitores com a visão de um futuro brilhante, uma vez que seja reinstalado na Casa Branca. De acordo com pesquisas pré-eleitorais, ele conquistou um forte contingente de eleitores da classe trabalhadora com suas promessas econômicas.
Trump reforçou sua campanha com base no fato de que, segundo uma pesquisa do New York Times/Siena College em outubro, 75% dos eleitores afirmam que a economia está em mau estado. Na semana passada, após um relatório do Departamento de Trabalho mostrar crescimento anêmico do emprego – em parte devido aos furacões e à greve da Boeing – Trump alardeou: “Esse relatório de emprego mostra de forma decisiva que Kamala Harris e Joe Capenga levaram nossa economia ao precipício.”
O plano principal de Trump para criar mais empregos é impulsionar a indústria americana impondo as tarifas mais altas da história sobre produtos fabricados no exterior. “Não vamos permitir que países venham, levem nossos empregos e saquem nossa nação”, disse Trump. “A maneira de venderem seu produto na América é fabricando-o na América, muito simples.” Não se mencionou até que ponto o plano de tarifas de Trump contribuiria para a inflação.
Ao mesmo tempo, ele afirma que a Casa Branca de Trump fomentará a produção industrial americana, reduzindo drasticamente impostos, revertendo os incentivos para veículos elétricos de Biden e expandindo a produção de combustíveis fósseis com uma política de “perfurar, perfurar” que ignora totalmente o meio ambiente. Ele também garantiu aos trabalhadores que eliminaria impostos sobre gorjetas, horas extras e seguridade social.
A imigração também esteve no centro da retórica de Trump. Para combater a suposta “invasão” dos Estados Unidos por imigrantes, “fechará a fronteira” enquanto empreende a maior deportação em massa de imigrantes da história do país.
Trump declara que encerrará a guerra na Ucrânia “nas primeiras 24 horas” de sua presidência. Ele tomará medidas rápidas e severas para eliminar “burocratas desonestos”, bem como “inimigos” do Estado Profundo que corromperam o governo federal. Trump também promete cortar o financiamento federal para escolas que ensinam sobre direitos de pessoas trans e “teoria crítica da raça”, e diz que até “protegeria as mulheres” de alguma forma não especificada.
A plataforma de Harris
O Partido Democrata se opõe a Trump com uma candidata de discurso muito menos rude, mas que em geral oferece uma continuação das políticas capitalistas e imperialistas predatórias de seu antecessor, incluindo o apoio ativo às atrocidades genocidas do Estado israelense. Ao mesmo tempo, oferece muito pouco para expandir programas sociais, nem faz qualquer esforço sério para enfrentar a emergência climática que ameaça o planeta.
As promessas de Harris ao eleitorado foram muito mais modestas que as de seu oponente. Em geral, ela se apresentou como a candidata “anti-Trump”, que protegerá “nossos valores democráticos” contra “a divisão, o caos e a desconfiança”, e até desafiará o “fascismo” de Trump. “Lute pela liberdade!”, proclama em seus comícios.
Seu principal compromisso foi assinar uma lei que restabeleça o direito ao aborto, caso o Congresso aprove tal medida (o que é duvidoso). Mas, em geral, apesar do apelo característico de sua campanha por um “novo começo, um novo caminho”, Harris indicou que, sob seu governo, poucos seriam os ajustes nas políticas de Biden.
Assim como Biden, Harris tentou assegurar aos eleitores que os problemas econômicos dos Estados Unidos não são tão graves como alguns dizem. Contudo, é difícil negar que a inflação disparou devido à pandemia de COVID e aos problemas de abastecimento que se seguiram, atingindo o pior nível em 40 anos. O aumento dos preços de alimentos, gasolina e outras necessidades básicas foi rapidamente agravado pelos gastos médicos. Além disso, o governo de Biden permitiu que os subsídios fiscais de seu Plano de Resgate Americano expirassem no final de 2021, provocando um novo aumento da pobreza infantil.
Em pesquisa após pesquisa, as pessoas afirmam estar sofrendo com a alta dos preços, e uma grande porcentagem diz que “estava melhor com Trump”. Em resposta, Harris afirma ter “ouvido” as queixas dos trabalhadores e da “classe média”, e que “nosso maior desafio é reduzir os custos”. Para cumprir isso, ela promete pressionar as grandes farmacêuticas a baixarem os preços e – de maneira pouco clara – proibir preços abusivos nos supermercados. Mas, ao mesmo tempo, garante repetidamente às grandes empresas que nada do que propõe seria muito abrangente ou radical. “Sou capitalista”, disse com orgulho aos líderes empresariais de Pittsburgh.
Diferente de alguns candidatos das campanhas democratas anteriores, Harris agora ignora qualquer menção à ampliação da Lei de Assistência Acessível, e se opõe veementemente aos planos de seguro médico de pagador único (ou seja, o lema do passado de Bernie Sanders “Medicare para todos”). Ela prometeu que, sob seu governo, seriam construídas 10 milhões de novas moradias, mas aparentemente a tarefa ficaria a cargo da indústria privada; o governo federal não está mais empenhado na construção de moradias acessíveis. O Novo Acordo Verde (Green New Deal), que Harris apoiou há quatro anos embora fosse uma resposta inadequada às mudanças climáticas, caiu no esquecimento (só vive nas críticas de Trump). E pouco se ouve falar da chamada “esquerda” do Partido Democrata – Sanders e o Squad -, que foi arrastada para a correnteza principal sob Harris.
À medida que a campanha avançava e Harris se tornava um pouco mais explícita sobre suas propostas, ela foi se deslocando cada vez mais para a direita. Sua guinada para a direita pode ser percebida em relação a vários temas. Em 2020, em um aceno à preocupação com as mudanças climáticas, disse ser contra o fracking; agora limita-se a dizer que acredita que os Estados Unidos devem recorrer a diversas fontes de energia e que o uso de combustíveis fósseis não deve ser excluído. Durante o auge dos protestos por George Floyd, declarou-se a favor de reduzir o financiamento da polícia; agora destaca suas credenciais pró-polícia como promotora na Califórnia.
Harris chegou a tentar superar Trump em sua promessa de tomar medidas drásticas contra a imigração. Agora apoia a construção de mais muros na fronteira sul, uma medida que os democratas se opuseram quando Trump a propôs. Em seus discursos, elogia repetidamente o projeto de lei fronteiriça “bipartidário” extremamente restritivo que os partidários de Trump rejeitaram no início do ano. E os democratas já não falam mais em forjar um “caminho para a cidadania” para imigrantes, refugiados e DREAMers.
Afora algumas palavras de simpatia pelos 42.000 palestinos massacrados pela incursão de Israel em Gaza, Harris pouco difere de Biden (ou de Trump) em seu apoio ao apartheid israelense. Ela intensificou sua promessa de continuar fornecendo armas a Israel em sua guerra mortal contra os palestinos, sua invasão ao Líbano e seu ataque com mísseis contra o Irã.
Embora as declarações de Harris sobre política externa não sejam tão estridentemente nacionalistas quanto as de Donald Trump, as perspectivas de ambos os candidatos não diferem muito no essencial. Tanto Harris quanto Trump (assim como Biden) pretendem continuar, se não intensificar, o “Grande Jogo” cada vez mais militarista de rivalidades interimperialistas e guerras comerciais. Enquanto Trump aparentemente acredita que poderia manipular os competidores imperialistas dos Estados Unidos através da intimidação – e talvez sair impune com Putin e Xi usando uma combinação de elogios e ameaças -, Biden e Harris parecem defender o antigo lema colonialista de Teddy Roosevelt de “falar suavemente e carregar um grande porrete”. Em seu discurso na Convenção Nacional Democrata, Harris prometeu: “Como comandante em chefe, garantirei que os Estados Unidos tenham sempre a força de combate mais forte e letal do mundo”.
Enquanto isso, na campanha, os slogans de Harris passaram a ser “cooperação” e “consenso”. E com esse espírito, ela ofereceu aos republicanos um “assento à mesa” (inclusive um cargo no gabinete). Dezenas de políticos neoconservadores e ex-militares aceitaram o ramo de oliveira e se uniram à campanha de Harris. Pode-se especular que esse movimento em direção aos democratas ocorreu não apenas porque temem que as tolices de Trump, como se alinhar a governantes como Putin e Xi, possam arruinar seus próprios projetos, mas também porque veem certa convergência com as políticas do Partido Democrata, especialmente no que diz respeito a reforçar a hegemonia política, econômica e militar dos EUA no mundo.
Como consequência do movimento neoconservador em direção aos democratas, a ex-senadora republicana Liz Cheney – que ainda diverge de Harris na questão dos direitos reprodutivos – é uma palestrante frequente em seus comícios de campanha. E o ex-vice-presidente Dick Cheney, um dos arquitetos da invasão americana ao Iraque e considerado por muitos como criminoso de guerra, tornou-se igualmente um firme defensor de Harris.
Qual é o caminho para os trabalhadores?
Já há muitos meses, os eleitores da classe trabalhadora têm sido bombardeados com propaganda distribuída pelos partidários de Harris e Trump. Ambos os candidatos e seus partidos professam que proporcionarão um “novo futuro” glorioso ao país, que dará aos trabalhadores tudo o que eles precisam, e que tudo o que os trabalhadores precisam fazer é seguir o rebanho e votar neles.
Infelizmente, as promessas dos candidatos são vazias. A história mostra que, na hora da verdade, tanto os republicanos quanto os democratas sempre sacrificam os interesses dos trabalhadores para permitir que as grandes empresas continuem operando sem problemas e com lucros.
Apesar dos milhões de dólares que a maioria dos sindicatos investe nas campanhas do Partido Democrata, e apesar de todos os membros dos sindicatos que vão de porta em porta angariando apoio para os candidatos democratas, os democratas eleitos dão pouca importância às demandas dos membros dos sindicatos na hora de renegociar os contratos. Quando convocados, tanto as administrações democratas quanto as republicanas enviam a polícia ou a Guarda Nacional para romper os piquetes de greve. Ou nomeiam complicados conselhos de arbitragem para forçar os trabalhadores a aceitar um contrato que realmente não atende às suas necessidades.
É uma questão de lealdade de classe; ambos os partidos servem aos interesses dos ricos, não aos dos trabalhadores, e nem Trump nem Harris são diferentes do patrão.
Independentemente de quem vencer as eleições de hoje, nossa melhor opção para alcançar uma mudança significativa é permanecer nas ruas. Precisamos construir grandes movimentos de protesto que deixem claro aos governantes deste país, ricos com seus lucros, que, se não atenderem às nossas demandas, serão derrubados pela rebelião.
E, por fim, a opressão e exploração sistemática do povo trabalhador americano só mudará quando as vítimas, aos milhões, romperem com os dois grandes partidos capitalistas e construírem seu próprio partido independente. Precisamos de um partido operário combativo que lute todos os dias pelos oprimidos e explorados e que atue na defesa de um governo operário.
Publicado originalmente no Workers Voice