Cultura

Trotsky e a paixão revolucionária pela Arte e a Cultura

Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

5 de setembro de 2024
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Em 21 de agosto, celebramos a trajetória e o legado de León Trotsky, 84 anos após seu assassinato. Vida e obra que têm como síntese a luta sem tréguas contra a sociedade capitalista, pelo resgate da verdadeira tradição marxista, a defesa do caráter global e permanente da Revolução e, consequentemente, o combate ao stalinismo.

Foi sob esta mesma ótica, e em base à compreensão de que o marxismo pode e deve dar resposta a todos os aspectos da experiência humana, que Trotsky também discutiu temas dos mais variados, como atestam, por exemplo, os escritos “Questões do modo de vida” (de 1923, debatendo a “reconstrução” da Cultura na sociedade socialista), além de vários textos sobre o racismo, decorrentes de debates com ativistas e grupos negros sul-africanos, norte-americanos e caribenhos.

Em 1938, exilado no México e hospedado na casa de Frida Kahlo e Diego Rivera, Trotsky dedicou parte de seu tempo para sintetizar suas concepções e preocupações sobre uma de suas maiores paixões: a Arte.

E, como sempre, não se limitou à análise teórica, tendo como objetivo uma intervenção concreta na realidade, através do lançamento de um manifesto, assinado juntamente com o surrealista francês André Breton, que serviu como base para a construçã da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que, na época, aqui no Brasil, ganhou o apoio de genote como Patrícia Galvão (a Pagu), Oswald de Andrade e Mário Pedrosa.

Trotsky retratado em mural de Diego Rivera

Nenhuma coação

‘A independência da arte, para a revolução. A revolução, para a liberação definitiva da arte’

Essa frase, que fecha o Manifesto, sintetiza seu profundo significado, já que ele é tanto uma resposta às medíocres e repressivas concepções artísticas impostas pelo stalinismo a partir dos anos 1930 – apresentadas sob o rótulo de “realismo socialista” e definidas por Trotsky como a “expressão mais crua da profunda decadência da revolução proletária” – como um ponto de reflexão e instrumento de luta contra as constantes tentativas, por parte do capitalismo, de manipular, cercear, mercantilizar ou colocar a Arte e a Cultura a serviço das ideologias que, a serviço da superexploração, propagam preconceitos e distintas formas de opressão.

Por isso, também, uma de suas frases mais conhecidas é “toda licença à Arte”, síntese da ideia de que “em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino (…) nenhuma autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando!”, diz o Manifesto.

E, para que não reste dúvidas, o texto ainda ressalta qual deve ser a postura dos marxistas revolucionários numa sociedade socialista: “Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual”.

Isso obviamente não significa que Trotsky defenda o “indiferentismo político” por parte dos artistas; ou, pior, a transformação do fazer artístico (ou a reflexão sobre ele) no exercício de egoísmo individualista, mesquinho e autocentrado que tem caracterizado a produção pós-moderna que, em muito sentidos, ecoa a visão de mundo neoliberal, principalmente naquilo em que ela tem de mercadológica e de oposição do “eu” às necessidades e desejos coletivos.

Pelo contrário, o texto defende a mais plena liberdade artística para que o “eu” do artista se encontre com os anseios de seu povo, lembrando que “o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado de forma subjetiva de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior”.

‘Não só o direito ao pão, mas também à poesia’

Na trajetória de Trotsky, o “Manifesto da FIARI” é o ponto alto de uma produção que também inclui a coletânea de artigos “Literatura e Revolução” (1924), na qual ele discute temas como arte e cultura proletárias, o Futurismo e outras vanguardas artísticas da década de 1920, além do papel do partido revolucionário diante do tema.

Posteriormente, o livro ganhou dois anexos. O primeiro tem a ver com o intertítulo acima, cuja íntegra – “Ela virá, a revolução, e trará ao povo não só o direito ao pão, mas também à poesia” – foi escrito, em janeiro de 1926, num texto em homenagem ao poeta Sergei Essenin, que se suicidou em 27 de dezembro do anterior. O outro é uma homenagem a Maiakóvski, também vítima de suicídio, em 1930, depois de ser tachado de “inconcebível, incompreensível”, por um congresso de escritores já sob os desmandos censores e criminosos do stalinismo.

Em comum, todos estes textos carregam ensinamentos de Marx, Engels e Lênin que, apesar de não terem dedicado uma obra especificamente ao tema, deixaram importantes contribuições sobre Estética (ou seja, a “ciência da percepção” ou “filosofia da Arte”) e dedicaram escritos a artistas tão distintos quanto os da Antiga Grécia, do Renascimento, Shakespeare, Maximo Gorki e Fiódor Dostoiévski.

Escritos que, assim como os de Trotsky, partem do princípio de que tudo aquilo que tem a ver com a subjetividade humana, seu potencial intelectual e criativo e sua sensibilidade é parte fundamental daquilo que Marx chamou de “homem total”; ou seja, o ser humano dotado de todas suas capacidades e potencialidades, algo que só pode ser concretizado quando este mesmo ser humano tem o controle sobre os aspectos objetivos da realidade.

Por isso, inclusive, essa “totalidade” só poderá ser experenciada através da revolução, quando “a arte se fundirá com a vida, quando a vida enriquecerá em proporções tais que se modelará, inteiramente, na arte”, como defendeu em “Literatura e Revolução”.

Saiba mais

Literatura e Revolução (Leon Trotsky, 1926)
León Trotsky: Paixão Segundo a Revolução (Paulo Leminski, 1986)
Breton e Trotsky: Por uma arte revolucionária e Independente (Valentim Facioli, 1985).