Tarcísio quer fazer dentro das escolas o que já faz nas periferias de São Paulo
Professora Flavia Bischain e Cristiane Banhol, de São Paulo (SP)
Sem debate democrático e com um projeto declarado inconstitucional pela Advocacia Geral da União (AGU), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), segue tentando impor o programa de escolas cívico-militares no estado. A truculência começou já na aprovação do projeto na Assembleia Legislativa (Alesp), realizada sob forte repressão.
Às vésperas das férias de julho, o governo paulista publicou uma lista com 2 mil escolas elegíveis, que poderiam ser indicadas exclusivamente por seus diretores, sem nenhuma consulta à comunidade. A medida gerou protestos e foi rechaçada por 1700 dessas escolas. Para as 302 restantes, a Secretaria da Educação começou uma consulta (completamente “fake”) à comunidade, com votação virtual e um processo totalmente controlado pelas direções das escolas.
Igualzinho aos tempos da ditadura!
Para o projeto, serão contratados policiais da reserva, que receberão entre R$ 6 a R$ 9 mil, acrescidos aos seus salários, e serão responsáveis por desenvolver atividades “extracurriculares”, com aulas de “valores cidadãos”, ética, democracia e política. Os estudantes terão que bater continência e cantar o Hino Nacional diariamente. Um projeto arcaico, dos tempos da ditadura, ressuscitado pela limitada democracia dos ricos.
Para impedir que o debate desmascare as mentiras do governo, as direções (e até mesmo a polícia) estão tentando dificultar a discussão.
Foi o que aconteceu, por exemplo, quando militantes do “Rebeldia” foram surpreendidos por policiais armados, que saíram de uma viatura para tentar constranger uma panfletagem na Escola Estadual Raquel Assis Barreiros, na Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte. Em outra escola, também da capital, houve um comunicado proibindo professores e funcionários de expressarem suas opiniões aos estudantes e pais sobre o tema.
Questão de classe
Aos filhos dos ricos, Educação. Para os pobres, militarização
O candidato à reeleição na prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), quer implantar escolas cívico-militares no município e, sintomaticamente, indicou o coronel Ricardo Mello Araújo, das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), como vice em sua chapa. É o mesmo militar que já defendeu que a abordagem dos policiais nos bairros “nobres” dos Jardins tem que ser diferente das intervenções nas periferias.
Essa “abordagem diferenciada” também é aplicada nas escolas periféricas. No início deste ano, estudantes da Escola Estadual João Solimeo, na Brasilândia, foram atropelados por uma viatura e conduzidos ilegalmente para a delegacia, por protestarem contra o fechamento de salas de aula. E este não foi um caso isolado.
Em 2016, na periferia da Zona Oeste da cidade, policiais já haviam reprimido violentamente um protesto pacífico dos estudantes da Escola Estadual Marilena Chaparro. Em junho de 2023, um estudante negro da Escola Estadual Manoel Bandeira, em Perus, foi abordado violentamente por um policial dentro de sua escola.
Campo fértil para racismo, machismo, LGBTIfobia e capacitismo
O projeto especifica que seu objetivo é atender as escolas de “regiões vulneráveis” (ou seja, periféricas), evidenciando seu caráter classista e racista. Além disto, sobram evidências de que a medida irá piorar o machismo, a LGBTIfobia e o capacitismo.
Os estados que já implantaram o projeto estão repletos de casos assim. Há relatos de proibição de usar penteados que revelem qualquer identidade racial; restrições à maquiagem, piercings e unhas coloridas. A padronização imposta pelas fardas e cortes de cabelo também é mais uma violência. E não para por aí.
Em uma escola cívico-militar de Goiás, um estudante autista teve seu cabelo cortado contra a sua vontade. No Paraná, uma mãe ouviu que seu filho deficiente não tinha o “perfil” para estar ali. No Distrito Federal, um painel do Dia da Consciência Negra foi censurado e uma aluna foi presa e fichada por desacato ao questionar a arbitrariedade. No Amazonas, somente em 2019, mais de 120 denúncias de assédio sexual, moral e violência estavam sendo investigadas pelo Ministério Público.
Enquanto fechávamos esta edição a Justiça havia suspendido, através de liminar, o projeto, fruto da pressão do movimento e da opinião pública. Mas o Estado deve recorrer, o que reforça a necessidade de lutarmos para enterrar de vez esse projeto autoritário.
Militarização não é exclusividade da extrema direita
Quando descontinuou o programa, em 2023, o governo Lula não acabou com as escolas cívico-militares. Na verdade, o decreto de Lula apenas exime a responsabilidade do governo federal, deixando a cargo dos estados e municípios a criação de seus próprios programas. Desde então, país afora o número de escolas cívico-militares subiu de 213, em 2020, para mais de 800, em 2023.
Governos petistas como os do Piauí (Wellington Dias) e da Bahia (então governada por Rui Costa) tiveram seus próprios programas de militarização. Em 2019, a Bahia chegou a ser o estado que implantou maior número de escolas desse tipo.
Abaixo à militarização
Polícia nas escolas não é a solução!
É preciso unificar estudantes, professores e a comunidade para derrotar esse projeto! Escola não precisa de polícia, precisa de mais investimento, funcionários e professores valorizados, respeito à autonomia, à liberdade e à diversidade, e um ensino voltado para a formação científica, crítica e completa para todos.
O projeto capitalista de Educação vai cada vez mais na contramão de tudo isso. Por isso, defender a Educação é, também, defender a construção de uma alternativa socialista para o Brasil e o mundo.