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Revolução permanente e guerra na Palestina

Eduardo Almeida

9 de novembro de 2023
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Ritmos e poesias que ecoam décadas de uma heroica luta contra o apartheid sionista, o genocídio e a limpeza étnica

A importância da guerra na Palestina atualiza discussões estratégicas para a esquerda marxista. Uma das mais importantes é a compreensão de todo esse processo convulsivo no marco da teoria-programa da revolução permanente.

De acordo com o critério de Lênin de definição das guerras, a resistência palestina trava uma guerra legítima e progressiva por libertação nacional contra a guerra contrarrevolucionária de Israel, que busca impor uma limpeza étnica de caráter nazifascista.

Mas o conjunto do processo é bem mais complexo que o de uma guerra.

A consigna central de todo esse processo- por uma Palestina laica, democrática e não racista- é em si, uma consigna democrática. Mas não se pode concretizar sem uma destruição do Estado de Israel, o que exige um levante das massas trabalhadoras em um processo revolucionário objetivamente socialista, pois naturalmente se voltará contra a burguesia e suas organizações.

Trata-se de uma consigna democrática que pode ou não adquirir um caráter de transição nesse processo revolucionário. Ou a possibilidade de uma vitória real será muito reduzida, dada a dimensão do peso da contrarrevolução.

As origens do processo

A formação do Estado de Israel é uma excrescência histórica. Um Estado criado por uma manobra direta do imperialismo em 1948, apoiado no movimento sionista, para criar uma fortaleza armada até os dentes na região com as maiores reservas petrolíferas do planeta.

Essa manobra foi apoiada explicitamente (inclusive com armas) pela URSS dirigida por Stalin, em um de seus maiores crimes políticos.

A partir da comoção mundial pelo massacre dos judeus pelo nazismo, o movimento sionista foi a ponta de lança de um projeto imperialista. Um projeto que só pôde se concretizar com a limpeza ética e uma guerra permanente contra o povo palestino.

Essa guerra começou com a expulsão de 800 mil palestinos, na primeira guerra de Israel contra os povos árabes, no que é conhecido como a Naqba (catástrofe), para que Israel tomasse o controle de 77% das terras palestinas. Esse é até hoje conhecido como o “território de 48” ou “Palestina de 48”.

Como o povo palestino não aceita a submissão, o conflito se retoma periodicamente. Israel usa cada um desses conflitos para se expandir. Depois de 48, na Guerra dos Seis Dias em 1967, Israel tomou  a Faixa de Gaza, a península do Sinai, a Cisjordânia e as colinas do Golã.

E agora, Israel usa essa guerra com o objetivo de, ou ocupar uma parte da Faixa de Gaza ou expulsar completamente o povo palestino de suas terras nessa região – cerca de dois milhões de pessoas – para o deserto do Sinai, um passo qualitativo a mais na  Naqba

Não se trata apenas de uma guerra contrarrevolucionária, apoiada pelo imperialismo norte-americano e europeu. Trata-se de uma ação de caráter nazifascista, semelhante a feita pelos nazistas contra os judeus no passado.

E como o povo palestino não se rende, temos uma guerra contrarrevolucionária de Israel contra o povo palestino se arrastando há 75 anos, com momentos de auge (como em 48, na guerra dos seis dias em 1967 e agora) e uma guerra progressiva, de libertação nacional dos palestinos contra Israel.

A fundação de Israel gerou uma das mais pesadas opressões nacionais da história mundial. E, sem dúvida, a guerra de libertação nacional com maior apoio mundial nesse momento.

Uma região conflagrada pela revolução e contrarrevolução

A região conhecida como MENA (Oriente Médio e Norte da África) é historicamente muito polarizada entre revolução e contrarrevolução em processos convulsivos.

Existem razões  objetivas e subjetivas para isso.

O primeiro elemento objetivo é a enorme riqueza gerada pelas maiores reservas de petróleo do mundo, que são estratégicas para o imperialismo. Além disso, trata-se de uma região de trânsito em Europa e Ásia, muito importante para o comércio mundial. Essas são as razões de fundo para a criação de Israel, como fortaleza do imperialismo.

Essa mesma riqueza produz uma gigantesca polarização social, com burguesias riquíssimas apoiadas em ditaduras (em vários países com monarquias brutais), e um povo em estado de miséria crescente.

O segundo elemento é a própria existência do Estado israelense. Não há dúvidas que assegura a dominação militar do imperialismo e uma base ideológica particularmente racista e orientalista (“a democracia contra os bárbaros muçulmanos”).

Mas, como se tratou de uma imposição brutal sobre os palestinos, gera-se uma dinâmica de radicalização política permanente, de conflitos e guerras.

Em terceiro lugar, temos a mesma dinâmica de pauperização das massas de todo o mundo, em função da onda decrescente da economia mundial desde a recessão mundial de 2007-09, com sucessivos planos neoliberais, cada um mais pesado que o outro.

Em quarto lugar, a região é quase toda marcada por ditaduras odiadas, com dezenas de anos de existência. A polarização social e de opressão nacional não são equacionadas no marco de democracias burguesas.

Na América Latina, uma série de revoluções democráticas derrotaram as ditaduras na Argentina (1982), Brasil (1984), Uruguay (1985) e outras gerando o estabelecimento de democracias burguesas na maioria do continente. No Oriente Médio e Norte da África isso não aconteceu. Nem a Primavera Árabe conseguiu acabar com essas ditaduras.

A situação interna de Israel

Existe uma tendência ao bonapartismo em todo o mundo, acompanhando a decadência das economias e a necessidade de repressão ao movimento de massas, que também se expressa na região.

Não é por acaso, a ampliação das medidas bonapartistas das democracias burguesas (como Macron impondo por cima do parlamento a reforma previdenciária) e a transformação de regimes democrático burgueses em bonapartistas (como na Turquia e Hungria).

Uma das demonstrações disso na região, além da permanência das ditaduras, é a evolução dentro do próprio Estado de Israel.

Esse Estado nunca teve um regime de democracia burguesa. Sempre foi um regime de apartheid apoiado na repressão e opressão aos palestinos, cuja maioria não tem sequer direito de voto.

No entanto, para os judeus israelenses, existia uma democracia, semelhante ao status dos brancos no regime do apartheid da África do Sul. Mas nas últimas décadas, os governos israelenses são cada vez mais de ultradireita. O governo Netanyahu é uma mostra disso, com ministros diretamente fascistas em pastas chaves: Itamar Ben-Gvir  (Segurança Pública) e Bezalel Smotrich (Finanças).

Junto com isso, Netahyahu aposta em ataques ainda mais duros contra os palestinos, incentivando a ocupação dos colonos judeus armados na Cisjordânia.

Netanyahu estava, antes da guerra, enfrentando uma grande crise política por querer impor uma reforma no judiciário que reduzia os poderes da Suprema Corte do país, numa medida bonapartista inédita. Isso provocou uma divisão no establishment israelense e dezenas de milhares foram às ruas contra esse projeto do governo. Isso ampliou a deslegitimação de Israel.

Isso ajudou a criar as condições de explosividade que explicam as bases para o 7 de outubro.

O ataque palestino foi um golpe para todo o Estado israelense e, em particular para Netanyahu que apregoava que seu governo de ultradireita era necessário para garantir a segurança de Israel. O desprestígio do governo se acelerou muito. Foi obrigado a compor um governo de unidade nacional para garantir uma base interna para o ataque militar sobre Gaza.

A demora de Israel na invasão terrestre não tem a ver somente com a preparação militar, mas com crises políticas dentro de Israel, tanto sobre a estratégia, como sobre os passos militares concretos. Além disso, existe uma crise com os familiares dos 240 reféns que cobram uma resposta do governo.

Agora Netanyahu joga suas fichas no genocídio e na vitória militar para garantir também seu futuro político.

O projeto de Israel é dar um novo salto na limpeza étnica do povo palestino e aí se abrem várias possibilidades.

Uma delas é expulsar os palestinos de Gaza (dois milhões de pessoas) para o deserto do Sinai. O outro, mais mediado é ocupar definitivamente uma parte de Gaza, e deixar outra parte com os palestinos submetidos a uma administração de Israel.

A construção desse plano “pós-guerra” já está em discussão pelo imperialismo dos EUA e Israel, podendo envolver a ANP (Autoridade Nacioanl Palestina, no momento, ultradesgastada), países árabes (como Egito, Jordânia, Arábia), e uma força militar da ONU. Não está excluído que esse plano inclua o apoio também da China e Rússia.

Os limites dos processos revolucionários

Existiram vários processos revolucionários na região, que tem essas bases objetivas: a brutal exploração dos trabalhadores, o ódio contra as ditaduras locais, a existência e a opressão de Israel.

No entanto, esses processos são limitados pela fragilidade social do proletariado na região e a praticamente inexistência de direções revolucionárias.

Só para ficar nos processos mais recentes, podemos citar a “Primavera Árabe”, grande levante das massas que abalou as ditaduras da região entre 2010 e 2013. Essas mobilizações revolucionárias derrubaram governos que se perpetuavam há décadas no Egito, Libia, Sudão, Tunísia, Iêmen, Iraque e outros.

As outras duas grandes expressões foram as intifadas palestinas: a primeira (de 1987 a 1993) e a segunda (de 2000 a 2005).

No entanto, esses processos foram derrotados. A Primavera Árabe, depois de quase quatro anos de mobilizações heroicas das massas, conseguiu derrubar os governos na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen, mas não conseguiu acabar com as ditaduras nesses países, com exceção da Tunísia (que agora está retrocedendo).

A primeira intifada foi canalizada pela OLP para os acordos de Oslo, de 1994. Por esses acordos, a principal direção palestina (Al Fatah) se transformou no capataz do domínio israelense nos territórios ocupados através da Autoridade Nacional Palestina. A segunda intifada foi também canalizada para os acordos Abbas- Sharon que possibilitaram eleições na Cisjordânia e Gaza em 2006.

Existem muitas desigualdades entre os países, mas em geral o proletariado é socialmente frágil na região, só tendo mais peso histórico no Irã e Egito. Na Síria, antes da revolução, existiam 600 mil operários industriais em uma população de 22 milhões de habitantes. Na Palestina, o proletariado é pequeno e ultracontrolado, com a maior parte dos sindicatos dirigidos pela Al-Fatah.

Não é por acaso que o sujeito social dos processos revolucionários, tanto da Primavera Árabe como das intifadas não foi o proletariado, mas as massas populares, em particular a juventude pauperizada.

Além disso, o proletariado judeu apoia o Estado de Israel e o sionismo. Em sua origem, esse proletariado foi formado no processo de colonização da Palestina, com a vinda de milhões de judeus europeus para ocupar as terras e expulsar os palestinos.

Depois, nas palavras de Joseph Daher (ativista sírio, professor universidade Lausanne): “Isto não é apenas o resultado da devoção ideológica, mas também do interesse material no Estado israelita, que proporciona aos trabalhadores israelitas casas roubadas aos palestinianos, bem como padrões de vida inflacionados. A classe dominante e o Estado israelitas integram assim a classe trabalhadora israelita como colaboradora num projeto comum de colonialismo de colonos.

As instituições da sua classe trabalhadora, como o seu sindicato, o Histadrut, desempenharam um papel central na limpeza étnica da Palestina. Os líderes trabalhistas sionistas estabeleceram a Histadrut em 1920 como um sindicato exclusivamente judaico e usaram-na para liderar o deslocamento de trabalhadores palestinos.”

Em termos subjetivos, o problema se agrava. Não existem organizações marxistas revolucionárias de peso na região. O papel do estalinismo com o apoio da URSS no nascimento de Israel e depois a capitulação dos partidos estalinistas ao nacionalismo burguês, são explicações importantes para isso.

O nacionalismo burguês árabe, que teve grande peso no passado, entrou em pesada decadência desde os anos 70 do século passado, passando-se para os acordos com o imperialismo. O nasserismo se transformou em Sadat e Mubarak no Egito. O Partido Baath evoluiu para Assad na Síria.Isso levou a crise de ditaduras pró imperialistas que se tornaram alvo da fúria das massas na Primavera Árabe no Egipto, Síria, Libia, Iraque e outros países.

O peso das correntes que se apresentam como islâmicas é parte dessa realidade de crise da direção revolucionária. Vários movimentos e partidos religiosos chegaram aos governos de distintos países em muito diferentes processos.

Isso inclui o Irã, em que os aiatolás xiitas capitalizaram a revolução iraniana de 1979, e desde então impuseram uma ditadura teocrática no país, que se choca cada vez mais com a luta das massas.

No Egito, a Irmandade Muçulmana chegou ao poder pela via eleitoral, depois da queda de Mubarak em 2012. Com seus planos neoliberais e repressivos gerou uma nova rebelião contra seu governo, que foi capitalizada por um golpe militar do general Sissi em 2013, até hoje no governo.

Na Turquia, Erdogan fez uma reforma reacionária, girando o regime da democracia burguesa para o bonapartismo, sempre apoiado no discurso islâmico.

As duas mais importantes direções palestinas no momento, tem orientações muito diferentes.  A Autoridade Palestina, dirigida por Mahmoud Abbas, é na verdade, um produto dos acordos de Oslo, sendo um capataz de um simulacro de estado, completamente subordinado a Israel e repudiado pelas massas palestinas.

O Hamas, a mais importante direção de massas palestina hoje, se opõe a Israel e ocupa um local central nesse enfrentamento. O Hamas ganhou as eleições no território palestino em 2006, o que não foi aceito por Israel, dirige Gaza até esse momento e está enfrentando militarmente o genocídio israelense. Mas o programa do Hamas, como veremos, tampouco aponta no sentido do processo revolucionário.

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A crise da ordem mundial e seus reflexos na região

É um fato conhecido o peso e a responsabilidade do imperialismo norte-americano e europeu no apoio ao genocídio israelense.

Nesse momento, isso tem importância decisiva na ofensiva de Israel, que não teria condições nem militares nem políticas para isso sem o apoio imperialista.

A grande mídia burguesa faz eco ao imperialismo dos EUA falando do “direito de defesa” de Israel, em um cinismo cada vez mais questionado.

Estava em curso, antes da guerra, uma manobra do imperialismo norte-americano de aproximação da Arábia Saudita com Israel, o que estabilizaria mais a dominação imperialista dos EUA na região.

No entanto, é necessário precisar o papel do outro bloco imperialista, que também tem peso na região.

A guerra da Ucrânia colocou em crise importante o imperialismo russo. Nesse momento, são os imperialismos norte-americano e europeu que vão ter de assumir o desgaste por seu papel contrarrevolucionário aberto.

A Rússia e a China representam processos históricos particulares e únicos. Eram Estados operários burocratizados, dirigidos por partidos estalinistas. Viveram a restauração capitalista e, por caminhos distintos, evoluíram para novos países imperialistas. São muito diferentes em suas localizações na divisão mundial de trabalho, mas são imperialistas. A China é a segunda potência econômica do mundo, e a Rússia é a segunda potência militar.  Tanto a China como a Rússia têm interesses econômicos e políticos imperialistas no Oriente Médio e Norte da África.

Antes, quando ainda eram Estados operários, tinham peso fundamental no movimento de massas, através dos partidos comunistas. Hoje, já como países imperialistas, seguem tendo peso, ainda que menor que antes. O EIPCO (Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários) que agrupam a maioria dos partidos comunistas de todo o mundo (incluindo PCdoB, PC e PCR do Brasil), conta com a presença do PC chinês e do PC da Federação Russa (que apoiam a invasão da Rússia na Ucrânia).

O imperialismo russo tem interesses econômicos e políticos em toda a região, inclusive com Israel. Antes da situação atual, Netanyahu visitou Putin logo após se encontrar com Trump. A China é a maior importadora de petróleo do Irã e da Arábia Saudita, com negócios também com Israel. Antes da guerra, a China pressionava pela aproximação entre Arábia e Irã, em uma postura contrária a dos EUA.

Interessa tanto a Rússia como a China a estabilidade da região, e não uma guerra. Menos ainda, nenhuma delas deseja a destruição de Israel.

Agora, com a guerra, a China e a Rússia se distanciaram de Israel para defender, uma vez mais, a estratégia falida dos Acordos de Oslo, os “dois Estados”. Capitalizam assim o desgaste do imperialismo norte-americano na região. E se candidatam a serem parte de um “plano de paz para a região” pós-guerra.

A Rússia está diretamente apoiada em um bloco chamado “eixo da resistência” com Síria, Irã e Hezbollah (no Líbano), Jihad Islâmica e os rebeldes Houthis do Iêmen. Esse bloco, apesar das ameaças e declarações contra o genocídio, até esse momento não entrou na luta contra Israel (aparentemente com a exceção dos Houthis), deixando Gaza sozinha contra o genocídio israelense. Toda a esquerda reformista mundial que apoia o Hezbollah e o Irã deveria exigir sua entrada na guerra.

Uma crise política crescente

A guerra na Palestina está polarizando ainda mais a crise da ordem mundial, com reflexos na economia, na instabilidade política dos países e no meio ambiente. Para falar de forma ultraresumida, se limitam as possibilidades de uma retomada da economia mundial, e se agudizam os conflitos interburgueses nos países. Por outro lado, se retoma a ênfase na produção de combustíveis fósseis, ampliando a crise ambiental.

Tudo isso está sendo potencializado por mobilizações importantes em apoio aos palestinos. Aqui ganha peso o que dizíamos: a causa palestina é a luta de libertação nacional de maior importância no mundo. Isso está sendo assumido pelas massas de imigrantes e pela juventude dos países imperialistas. Não é por acaso que existem mobilizações gigantescas na Inglaterra e nos EUA. Está sendo incorporado como causa própria pelas massas árabes e muçulmanas nos países do Oriente Médio e Norte da África. Existem manifestações de massas na Turquia, Jordânia, Egito e muitos países da área.

Além disso, em boa parte dos países do mundo, existem mobilizações amplas de vanguarda, com apoio de massas.

Começam a existir ações de solidariedade ativa de trabalhadores a luta palestina. Três sindicatos de trabalhadores de transporte belgas chamaram seus membros a não permitir o embarque de armas para Israel. Em Oakland (EUA) uma ação de vanguarda retardou a saída de um navio com armas para Israel.

Não se trata de um processo unidirecional. Existe uma polarização política, com peso crescente também da ultradireita. Os governos imperialistas impõem medidas bonapartistas contra as mobilizações e as organizações que apoiam os palestinos.

Mas existe um sentido político geral no processo político mundial. Mesmo com todo apoio da grande mídia burguesa, o sionismo está perdendo a batalha pela consciência das massas do mundo.

Nesse momento, Israel invadiu faixa de Gaza, cercou a cidade e se prepara para ocupá-la. Vai enfrentar a resistência heroica dos palestinos, que usarão táticas de guerrilha, apoiados em seus túneis como os vietcongs usaram a selva contra os soldados norte-americanos.

Enquanto Israel avança na batalha terrestre em Gaza, retrocede politicamente no mundo.

É isso o que explica as pesquisas recentes que indicam 66% de apoio ao cessar fogo entre os norte-americanos.  Os judeus norte-americanos contra a invasão israelense ocuparam o Capitólio e estações de trem em manifestações de peso.

As mobilizações na Turquia pressionaram Erdogan, que teve de se pronunciar contra Israel e, ele próprio, convocar uma manifestação para frear o processo. Na América Latina, a Bolívia rompeu relações diplomáticas com Israel enquanto Colômbia e Chile convocaram seus embaixadores.

A evolução do conflito em Gaza tende a agudizar ainda mais a polarização política que já existe no mundo.

Existe uma nova e explosiva conjuntura mundial que recém se inicia e pode tomar múltiplas direções.

Perante essa realidade, queremos retomar o que dizíamos no início desse texto. A única possibilidade de derrotar Israel é transformando essa guerra de libertação nacional em um processo revolucionário internacional.

O processo de revolução permanente

Os programas reformistas, em suas mais variadas versões, foram testados na região e fracassaram. O tratado de Oslo, com a propostas dos “dois Estados”, acabou se concretizando na Autoridade Palestina controlando partes da Cisjordânia como capataz de Israel. Esse “semi-Estado” não tem forças armadas, nenhuma autonomia econômica nem política. Seu território é sistematicamente recortado e diminuído por colonos judeus fortemente armados que seguem ocupando terras e expulsando palestinos.

Não existe possibilidade de que os dois Estados convivam porque Israel é um estado com características nazifascistas, e tem como objetivo expulsar os palestinos a mão armada. Seria como propor “dois Estados” na década de 40 do século passado, um nazista e outro judeu desarmado.

A proposta original da OLP “Palestina laica, livre e não racista” é a bandeira histórica dos palestinos. Mas a única possibilidade de viabilizar essa proposta é com a destruição do Estado de Israel, para voltar a situação de antes de sua criação, quando conviviam democraticamente muçulmanos, judeus e cristãos na mesma região.

No entanto, trata-se de uma guerra muito difícil pela desigualdade militar. Israel é a quarta potência militar do planeta. E é apoiada diretamente pelo imperialismo norte-americano, assim como pelos imperialismos europeus. Se pensarmos somente desde o ângulo militar, a derrota é quase segura, como tem ocorrido até agora.

No entanto, a história ensina que é possível derrotar mesmo a potência imperialista hegemônica, quando se alia a mobilização das massas e a luta armada.

Na revolução haitiana, os escravos insurretos derrotaram o imperialismo espanhol e impuseram uma das primeiras derrotas militares ao imperialismo francês com Napoleão Bonaparte. Durante a revolução russa, o Exército Vermelho recém-criado derrotou a invasão militar contrarrevolucionária de 16 países imperialistas.

Para usar um exemplo mais recente, os EUA foram derrotados no Vietnã em 1975. Isso foi produto da heroica resistência do vietcong combinada com as mobilizações em todo o mundo e, em particular, nos EUA.

Para ser precisos, é necessário entender a guerra de libertação nacional palestina como parte do processo de revolução permanente. Nas palavras de Trotsky, no Programa de Transição:

“Isto é o que determina a política do proletariado dos países atrasados: é obrigado a combinar a luta pelas tarefas mais básicas da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial.”

“As exigências democráticas, as exigências transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em diferentes épocas históricas, mas emergem imediatamente umas das outras”

É possível derrotar Israel, mas para isso será necessário, além de manter e aprofundar a resistência militar em Gaza, algo semelhante à combinação entre uma nova intifada palestina, a retomada da Primavera Árabe nos países da região, e mobilizações de massas em todos os países do mundo, em particular nos países imperialistas.

Uma nova intifada vai abrir enfrentamentos de massas na Cisjordânia e nos territórios de 48 tirando o foco único de Gaza.

Uma nova Primavera Árabe vai se enfrentar com os governos árabes da região, tanto os que apoiam diretamente Israel, como os que se lavam as mãos do “Eixo de resistência”, para apoiar ativamente a luta palestina.

As mobilizações nos países imperialistas podem cumprir o papel essencial das manifestações contra a guerra do Vietnã, que fraturaram a burguesia norte-americana e ajudaram muitíssimo a luta vietnamita para a vitória.

Mas, para isso, será necessário superar as direções burguesas desse processo.

Algumas conclusões

Essa compreensão da estratégia da revolução permanente inclui quatro elementos essenciais.

O primeiro é a necessária unidade de ação com todos aqueles que estão contra o genocídio israelense e apoiam a luta palestina. Isso inclui o Hamas e todos os setores envolvidos nesse luta.

O segundo é a compreensão dessa luta democrática como parte de um processo revolucionário socialista, o que necessariamente acaba levando a um enfrentamento com as burguesias árabes, que levaram todos os processos anteriores a derrotas e podem repetir isso nesse momento. Essas direções não se dispõem a mobilizar e armar os trabalhadores e os jovens da região porque temem que isso se volte contra elas.

O terceiro é que o projeto da revolução permanente é necessariamente internacional, uma das necessidades fundamentais desse processo. Essa luta não pode ser ganha só no território palestino e sim combinado com uma luta revolucionária nos países árabes e imperialistas.

O quarto é que é necessário construir uma nova direção para todo esse processo. Defendemos a mais ampla unidade de ação com o Hamas, a direção palestina mais respeitada nesse momento. Mas a estratégia do Hamas inclui suas alianças com as burguesias regionais dos governos que se opõem à extensão da revolução, como o “Eixo de Resistência”, e não a mobilização independente das massas inclusive, contra os governos do Irã, Síria e Líbano.

Uma das sedes mais importantes do Hamas é na Turquia, sob proteção de Erdogan. O Hamas apoiou a invasão da Turquia a Afrin, na Síria, que levou a expulsão de 200 mil curdos.

A estratégia do Hamas segue sendo um Estado teocrático, com seu peso repressivo em relação aà mulheres e LGBTQ , e sua postura divisionista religiosa. Trata-se de um programa distinto do nosso, que defendemos uma“Palestina laica, democrática e não racista”.

Por último, o Hamas não tem um programa revolucionário socialista, mas desenvolvimentista burguês.  Isso reproduz a dinâmica desse tipo de movimentos que, ao chegar aos governos, levam ao desenvolvimento de uma nova burguesia, como já se deu no Irã, no Egito, Síria, etc. Tampouco leva à ruptura com os imperialismos. Não se pode escapar ao imperialismo dos EUA e apoiar o imperialismo russo.

Nada disso nos impede de lutar junto ao Hamas e das massas palestinas contra o Estado de Israel e os imperialismos. Mas mantemos a tradição leninista de golpear juntos, mas marchar separados, não só do Hamas, mas de todas as correntes estalinistas, reformistas em geral, e burguesas que apoiam essas correntes no mundo, mantendo nossa independência política e programa socialista e revolucionário.