Mulheres

“PEC da Anistia” é ataque às mulheres e aos negros

Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

20 de julho de 2023
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Plenária da Câmara dos Deputados Foto Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Imagine uma lei que obrigue os partidos políticos a destinarem parte do dinheiro público que recebem à promoção da participação de mulheres na política e ao financiamento de candidaturas femininas e negras. Imagine, ainda, que o percentual destinado deve ser proporcional ao número de candidatas mulheres (respeitando o patamar mínimo de 30%) e de pessoas negras. Sem dúvida uma conquista e um avanço na luta pela igualdade de representação desses estratos sociais, certo? 

Nem tanto assim! A obrigatoriedade está prevista na Constituição, a mais importante legislação brasileira; contudo, ocorre que não só é sistematicamente desrespeitada, como seu mais recente descumprimento está prestes a ser perdoado pelo Congresso, não sem a ajuda do líder do governo Lula na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE); e o da oposição bolsonarista e de direita, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ). 

Ataque aos direitos das mulheres e negros

Nas eleições de 2022, cerca de R$ 880 milhões deixaram de ser repassados pelos partidos às candidaturas negras e femininas. O PSTU foi um dos dois únicos partidos que repassou corretamente os valores, juntamente com a União Popular. 

Contudo, a Proposta de Emenda Constitucional 9/2023, conhecida como “PEC da Anistia”, quer perdoar os partidos políticos responsáveis. A medida já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e deve ser uma das prioridades na volta do recesso parlamentar. 

Não é a primeira vez que isso acontece. Em 2022, o Congresso já havia perdoado os partidos pelo descumprimento da cota de gênero em eleições anteriores. Se aprovada, agora, a medida representará a maior anistia da história dos partidos e mais um ataque aos direitos das mulheres e negros.

Silêncio e confiança no judiciário

Mesmo que o Ministério das Mulheres tenha publicado uma nota afirmando “acompanhar com preocupação” a PEC, e que o da Igualdade Racial a tenha chamado de “retrocesso inadmissível”, nenhuma de suas respectivas ministras, Cida Gonçalves (filiada ao PT) e Anielle Franco, se pronunciaram sobre o assunto. 

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se limitou a dizer que o projeto passa um recado ruim, de que mulheres e negros “são irrelevantes na organização das formas de representação institucional”, e que isso “é danoso para a democracia”Uma postura pra lá de “acanhada”, principalmente para alguém que, na defesa da chamada tese do “racismo estrutural”, afirma que o principal instrumento no combate às opressões é a conquista de espaços nos locais de poder e prestígio.

A Presidenta Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, por sua vez, defendeu o partido das críticas por apoiar a PEC. Já o PSOL recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar o projeto. A ação judicial, assinada pela deputada Sâmia Bonfim (SP), argumenta que a PEC é inconstitucional. Enquanto isto, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), apresentou sua “anticandidatura” à presidência da Comissão Especial que deve ser criada para analisar a PEC na Câmara. 

Ou seja, ao invés de convocar os movimentos para enfrentar o ataque, nas ruas, o PSOL, mais uma vez, opta pela via institucional, alimentando a confiança no judiciário e apelando para ações midiáticas, evitando criticar Lula e o PT, enquanto segue sendo base de apoio do governo no Congresso. 

O ministro sorteado para relatar a ação no Supremo é Luís Roberto Barroso, o mesmo que, em setembro passado, suspendeu de forma monocrática (por decisão individual) a implementação do Piso Nacional da Enfermagem e cuja decisão sobre o caso estabelece prazo para as empresas privadas da Saúde negociarem o pagamento do piso; o que, na prática, possibilita fixar, por acordo coletivo, valores diferentes do aprovado. Vale lembrar que a Enfermagem é uma categoria majoritariamente feminina e negra.

Desigualdade

No capitalismo, igualdade formal não assegura a igualdade real

Esse é mais um exemplo de que, no capitalismo, igualdade formal não é sinônimo de igualdade real. 

Por um lado, porque as leis são importantes, mas viram letra morta se não são colocadas em prática. Basta observar o percentual de mulheres e negros nas instâncias do regime e veremos o quanto a lei, sozinha, não garante uma verdadeira representação nos espaços de poder e decisão. 

Por outro, porque nesse sistema nossas conquistas são sistematicamente burladas sem consequências e/ou estão sob constantes ameaças, pois, em última instância, a exploração capitalista só pode se concretizar em base à desigualdade de classes existente em uma sociedade onde as opressões, em geral, cumprem um papel funcional, ao permitir, dentre outras coisas, manter a classe dividia e nos superexplorar. 

Isso não significa que devemos renunciar às leis ou nos calarmos diante de ataques. Exatamente por isso, repudiamos veementemente a PEC da Anistia, pois ela significa um enorme retrocesso em nossos direitos e leis como esta são essenciais para fortalecer nossa organização e lutas.