Nacional

Subindo a rampa, descendo à cova

Israel Luz, de São Paulo (SP)

29 de setembro de 2023
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Renato Moura/A Voz das Comunidades

O ano de 2023 já está marcado por chacinas promovidas pelo Estado brasileiro. Certamente não devido ao ineditismo do fenômeno: para onde quer que ser olhe na história do país, a matança de negros, indígenas, trabalhadores em geral é a regra. É o controle social da burguesia na sua forma mais pura.

A marca deste ano vem do fato de que três chacinas simultâneas, em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Bahia, expuseram um ponto em comum entre governos da esquerda capitalista e da extrema direita: em se tratando de segurança pública, a ordem é matar.

Com quantos mortos se faz um genocídio?

A extrema direita defende seu projeto de morte. O bolsonarista Tarcísio de Freitas defende publicamente a Operação Vingança (nome dado pelos movimentos sociais à Operação Escudo) no Guarujá e outras partes do litoral paulista.

Não há dúvidas: as 30 mortes registradas oficialmente pelo seu governo são parte do genocídio racista do nosso povo. Mas, então, por que não dizer o mesmo dos 50 assassinatos da PM baiana, obra do governador Jerônimo Rodrigues do PT? Por acaso, as mães pretas da Bahia sofrem menos a perda dos seus filhos? Ocorre que a adesão incondicional da maioria dos movimentos ao governo cobra ou o silêncio envergonhado e vergonhoso ou, quando muito, se expressa em meras notas de repúdio.

É questão de vida ou morte construir uma oposição de esquerda com independência de classe a todos esses governos, incluindo Lula e Alckmin, para barrar as chacinas e a criminalização de negros e negras. Se há dúvida nisso, vejamos o que dizem algumas de suas figuras centrais.

Em 10 de agosto, Lula afirmou em evento no Rio, junto com o governador bolsonarista Cláudio Castro: “tem que saber diferenciar quem é bandido e quem é pobre que anda na rua”, e que a culpa de eventuais abusos não seria dos governadores. A tentativa indireta de absolver seu correligionário baiano é evidente. Tão absurdo quanto é reforçar a prática de guerra aos pobres.

No dia 14 do mesmo mês, o ministro-chefe da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa, soltou uma pérola negacionista: “Eu não reconheço nenhuma comparação de ONGs que fazem publicações sobre questões de segurança”, disse em entrevista à Globo News, referindo-se ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Fórum é responsável pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Na sua 17ª edição aponta que, em 2022, policiais militares e civis da Bahia mataram 1.464 pessoas, dentro e fora de serviço. O estado tomou a dianteira do Rio de Janeiro neste triste ranking. Mas tem números cada vez piores desde 2015, primeiro ano da gestão de Costa no governo estadual, cargo que ocupou até assumir o ministério neste ano.

Em 28 de setembro, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ronaldo Capelli, defendeu o PT baiano declarando “não se enfrenta o crime organizado com fuzil com rosas”. Apesar de, em seguida, reconhecer a letalidade como um problema, a fala repete a ideia de que segurança pública é fundamentalmente uma questão militar. Além disso, é importante lembrar que uma política chave para combater de verdade os capitalistas do crime, como a descriminalização das drogas, não faz parte do horizonte do governo.

Apesar do número significativo de ministros e ministras negras, não vemos uma oposição efetiva a essa política. É verdade que Silvio Almeida, por exemplo, chegou a dar declarações em sentido contrário as que vimos acima. Em nota de agosto, afirmou que as mortes causadas pela PM baiana “não são compatíveis com um país que se pretende democrático e em consonância com os Direitos Humanos”. Na época ainda se contava 30 mortes. Como se vê, notas de repúdio não afetam a orientação do centro político do governo.

O simbolismo da subida na rampa do Planalto na posse de Lula some diante da descida à cova de um número crescente de pessoas negras, indígenas e periféricas.

Corredor no Presídio Central de Porto Alegre Foto: Juliana Baratojo

Privatização de presídios: uma política racista

Quando se trata de genocídio racista, não se pode considerar somente as mortes propriamente. O encarceramento em massa faz do Brasil atualmente o 3º país com maior população carcerária, atrás apenas dos EUA e da China. Considerando somente as mulheres presas, o país ultrapassou a Rússia em 2022 e está na terceira colocação deste trágico ranking, como aponta nota técnica divulgada por diversos movimentos sociais.

O perfil racial e etário das pessoas presas é bem conhecido, mas vale ser lembrado. De acordo com o documento citado e o Anuário Brasileiro de Segurança Pública: 46,4% têm entre 18 e 29 anos e 67,5% são pessoas negras. Será que Rui Costa questiona isso também?

Diante deste quadro terrível, o Governo Federal passou a estimular a captação de recursos no mercado para construção de presídios, um meio de incentivar parcerias público-privadas no setor. Assinada pelas mãos sujas de sangue periférico de Geraldo Alckmin, a mudança foi comemorada como uma vitória política.

Os contratos preveem lotação mínima e repasse de recursos por pessoa presa. Não precisa de muito esforço para entender que é um ataque racista gravíssimo, com potencial enorme de piorar o quadro atual em que negros e negras já estão sobrerepresentados nas prisões, mesmo sem, por vezes, cometerem crimes.

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Ato dia 06/10 em SP contra a privatização dos presídios

É preciso se opor com todas as forças a isso. No dia próximo dia 6 de outubro, a partir das 12h, haverá uma manifestação em frente à Bovespa contra o leilão do Presídio de Erechim (RS). O protesto está sendo convocado por vários setores como o PSTU, CSP-Conlutas, Frente Estadual pelo Desencarceramento de SP, Unidos para Lutar, Quilombo Raça e Classe, PCB-RR, CST, Revolução Socialista, SOB, MRT, POR e Esquerda Marxista.

Trata-se de uma oportunidade de respondermos também à tentativa de privatização na Fundação Casa, anunciada oficialmente no dia 19 de setembro por Tarcísio que, como se vê, não demorou a se aproveitar das facilidades dadas pelo Governo Lula. Finalmente, é mais um momento para ocuparmos as ruas e denunciar as chacinas que seguem sendo promovidas nos estados.

Divulgue, participe e vamos unir forças contra o aprisionamento e o genocídio da população negra, indígena e periférica!

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