Subemprego, desemprego e precarização da educação: o drama da juventude trabalhadora
Direção Nacional do Rebeldia
Foi divulgada a lista da Forbes de jovens bilionários do mundo, com 25 nomes, todos de até 33 anos. Pela primeira vez na história, a fortuna de todos veio de herança. A bilionária mais jovem de todas é brasileira, herdeira da empresa de máquinas e equipamentos Weg. Ligia Voigt, com 19 anos, acumula uma fortuna de 5,56 bilhões de reais, o que significa que ela “ganhou” 763 mil reais por dia desde que nasceu. Se a meritocracia fosse verdade, e a boa vida das pessoas fosse resultado exclusivo do quanto se esforçaram, como explicar que uma pessoa acumule esse tanto de riquezas sem nunca ter trabalhado?
Isso demonstra que no Brasil há jovens que nasceram em berço de ouro, que vivem com muita riqueza. O problema é que, por outro lado, a realidade da maioria dos jovens no país é o oposto: 32 milhões de crianças vivem na linha de pobreza, totalizando 63% de todas as crianças do país nessa situação. E um terço desses estão na pobreza extrema, vivendo com cerca de 10 reais por dia.
Essa é a marca de um país profundamente desigual, onde bilionários vivem na luxúria e os trabalhadores enfrentam uma vida de penúria. Porém, apenas dizer que vivemos em um país desigual não é o suficiente. O objetivo deste texto é lançar um olhar para esse tema, para pensarmos com o conjunto dos ativistas jovens quais as tarefas concretas que precisamos levar adiante para mudar isso.
A realidade da juventude trabalhadora: desemprego e subemprego
Enquanto Lígia ganha 763 mil reais por dia, e 10 milhões de crianças vivem com 10 reais por dia, o cenário que temos no país para os jovens é catastrófico. Todo ano, surge um debate sobre a quantidade de jovens “nem-nem” altíssima que existe no Brasil. Estes são aqueles jovens, entre 15 e 29 anos, que nem estudam, e nem trabalham. O Brasil é um dos países que mais acumula jovens nem-nem do mundo: 20% dos jovens estão nessa situação. Mas isso não é algo novo, pois há mais de dez anos o país se mantém no topo dos países com a maior quantidade de jovens “nem-nem”.
Essas estatísticas significam que há mais de 5 milhões de jovens desempregados, em sua maioria mulheres (52%) e pretos e pardos (66%). Isso não quer dizer, no entanto, que a vida daqueles jovens que conseguem emprego está garantida. Na realidade, dentre os que estão empregados, 65% estão na informalidade, principalmente nos postos que exigem menos qualificação e pagam salários menores. E, novamente, aqui os que mais sofrem são também jovens oprimidos, em especial os negros, LGBTQIA+, indígenas, do campo e jovens PCDs (pessoas com deficiência).
É importante entendermos que a realidade do mundo do trabalho hoje é muito diferente do que foi para nossos pais. Décadas de ataques, de destruição de direitos trabalhistas e de uma recolonização avançada do país que tira daqui indústrias de pontas e empregos, produziram um mercado de trabalho extremamente precarizado, informal, onde o emprego está muito longe de ser garantido e as condições de trabalho são insustentáveis. Os jovens são a marca desse novo mercado de trabalho. A CLT, por exemplo, parece um mito. É piada, meme, algo tão longínquo que parece nem ser tão importante assim.
O telemarketing é um canteiro de jovens. Um trabalho extremamente precário, conhecido por causar o adoecimento mental e, também por isso, a altíssima rotatividade. Empresas de terceirização de serviços também são aglomerados de jovens. Porém, de longe a principal marca dessa situação toda é a uberização. Diante da situação de miséria que vivemos, de uma escola que não garante nada, de um futuro sem perspectivas, trabalhar com entregas por aplicativo parece uma das principais possibilidades que se colocam. O recente movimento VAT (Vida Além do Trabalho), é uma expressão política do descontentamento generalizado com esses empregos precários. De jovens que não aceitam uma expressão tão contundente da exploração capitalista, que é a jornada de trabalho 6×1.
O mito da ascensão social através da educação
Esse cenário de desemprego e subemprego generalizado é a base da qual precisamos partir para discutir a educação. Vivemos um desmonte geral da educação pública no país, com tentativas de privatização da educação básica, cortes de orçamento, e assim por diante. Porém, o mais preocupante são, de longe, as altíssimas taxas de evasão escolar dos últimos anos. Isso é, jovens que abandonaram os estudos, e que fazem isso, principalmente, porque precisam buscar emprego, para se sustentar ou ajudar sua família.
Como uma resposta a esse problema, surge com força a ideologia do empreendedorismo. De desistir dos estudos para ir fazer uma grana própria, seja com uber, em bicos, vendendo comida etc. Ela se baseia num fato real, que é que a educação não garante vida boa e nem trabalho bem remunerado. Mas o empreendedorismo é uma tática do capitalismo para jogar nas costas das pessoas a responsabilidade por “fazer acontecer” que ele próprio não é capaz de garantir. É um jeito de suscitar ilusões com saídas individuais, para dar a entender que o problema da falta de oportunidades e de bons empregos e renda é de quem não teve uma ideia brilhante, não inovou o suficiente, não se esforçou etc.
Esse discurso de subir na vida através do esforço individual não é novo. Por décadas os governos, em especial do PT, venderam para a juventude a ideia de que o acesso à educação mudaria nossas vidas. Garantiria uma mobilidade social, uma ascensão, uma melhora em nossa qualidade de vida. Quantos jovens não se lançaram para o endividamento do FIES, ou lutaram para conquistar uma bolsa do PROUNI, ou tentaram furar o bloqueio absurdo do vestibular para entrar numa universidade, mirando em mudar de vida dessa maneira?
Não é que a educação não fez diferença na vida das pessoas. Mas é que ela não fez a diferença que nos venderam que ela faria. E o problema é que a ascensão através da educação não era apenas um sonho de toda uma geração de jovens, mas um projeto político dos governos. E qual o resultado? Somos hoje uma geração mais escolarizada que nossos pais, porém temos uma vida pior. É o que demonstra o estudo da FGV Social, de 2021, que mostra que a parcela mais pobre da população brasileira, nos últimos 10 anos, teve mais acesso à educação, mas que, ao mesmo tempo, ficou mais pobre e com uma renda menor.
Isso escancara que quando o jovem abandona a educação para buscar emprego, não é só que a “ideologia do empreendedorismo” venceu, etc. É que o projeto dos sucessivos governos para a educação fracassou, ruiu. E os jovens estão sendo obrigados a abandonar uma educação cada vez mais precária, porque precisam lutar por sua sobrevivência e porque essa educação não está ajudando em nada.
Como a burguesia diz que vai resolver a situação do emprego e da educação?
Diante disso tudo, uma grande parcela da burguesia do mundo diz estar muito preocupada com a situação do emprego e da educação entre os jovens, e diz que vai resolver isso com iniciativas chamadas “school-to-work transition” (transição escola-trabalho). O objetivo é incentivar, junto com as empresas, qualificação para os jovens, estágios e táticas de formação profissional nas escolas. Essa abordagem surgiu nos países imperialistas depois da crise de 2007/2008, justamente porque o nível de jovens nem-nem no mundo bombou depois da crise. E foi implementada em vários lugares, como Irlanda, Grécia, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos.
Na prática significa criar escolas que sirvam para os jovens entrarem no mercado de trabalho. Se as escolas hoje não estão nos ajudando a conseguir empregos, precisamos de escolas diferentes, que facilitem a transição para o mundo do trabalho. Em outras palavras, que nos ajudem a conseguir empregos, e empregos melhores.
Esse projeto chega no Brasil sob diversas formas. O que mais se tem falado é de investir no ensino técnico e profissionalizante, e também não é à toa que em todos os cantos do país há um discurso sobre inovação, empreendedorismo, novas tecnologias etc. Mas a política que é o carro-chefe da burguesia hoje por aqui, o principal projeto “school-to-work”, é o Novo Ensino Médio, que é um ataque brutal aos jovens.
Em primeiro lugar, porque no cenário de emprego e subemprego, diz que a solução disso é uma “educação diferente”. Como se o problema para não estarmos conseguindo empregos, e empregos decentes, fosse principalmente da falta de formação técnica, e não o fato de o Brasil estar perdendo suas indústrias de ponta, estar se tornando um país mais colonizado, com menos capacidade produtiva, com menos empregos de qualidade, enquanto os capitalistas continuam lucrando. O problema do desemprego é um problema do capitalismo, e não da falta de formação.
Além disso, o que esse projeto faz é criar dois ensinos diferentes: o regular e o técnico, mas é no técnico que se concentram todos os ataques. Ou seja, os jovens ricos continuarão tendo sua educação de ponta nas escolas particulares, que são verdadeiros centros tecnológicos de ensino. E o que vai acontecer é que os jovens trabalhadores, que fazem os cursos técnicos visando o trabalho, terão uma educação piorada, porque ela não dará acesso a um nível de instrução básica. Na prática, rebaixa o acesso ao conhecimento para esses jovens. É um ataque à educação e à escola dos trabalhadores.
O significado de fundo do “school-to-work” no Brasil é adaptar a educação à precarização do trabalho
Diante de todo esse debate, fica mais fácil entender o real caráter do Novo Ensino Médio, enquanto um carro-chefe do “school-to-work transition”. Diante de uma educação que não serve direito para os jovens, diante do fracasso do projeto da educação como emancipação social, os governos e setores da burguesia afirmam que precisamos de uma educação mais “em sintonia” com o mercado, que nos ajude mais a transitar para o mercado de trabalho. Em suma, uma educação mais adaptada ao mercado de trabalho.
Porém, que mercado de trabalho é esse? Não dissemos que a realidade da juventude trabalhadora tinha nome e sobrenome: subemprego e desemprego? É a essa realidade que se pretende adaptar a educação. Significa, portanto, adaptar a educação à precarização. É simbólico que parte do NEM seja possibilitar a realização de estágios não-remunerados ainda dentro da escola. Ou seja, possibilitar que as empresas lucrem com o trabalho dos jovens desde cedo. Significa transformar o jovem em trabalhador precarizado o quanto antes, mesmo que ele ainda esteja na escola. De fato, é uma “transição escola-trabalho” efetiva para o capitalismo: o jovem mal termina a escola e já se transforma num trabalhador superexplorado.
Nesse sentido, é importante vermos os resultados que esse tipo de política teve quando implantados na Europa, que é, como dissemos, o lugar onde esses projetos surgiram. Mais de 10 anos depois de ter tido planos school-to-work transition implementados, os países da Europa que tinham níveis altos de nem-nem diminuíram o desemprego entre os jovens, mas aumentaram os números do subemprego. Ou seja, o school-to-work foi um plano para adaptar toda uma parcela da sociedade a empregos ruins, tentando eximir a burguesia de sua própria responsabilidade, porque eles “resolveram o problema” gerando emprego.
Lula e seu governo: os principais articuladores dessa catástrofe
O governo criou, junto com órgãos mundiais do imperialismo, como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), o Pacto Nacional pela Inclusão Produtiva das Juventudes. O plano é desenvolver, junto com as empresas e fundações empresariais, o ensino técnico-profissionalizante. Camilo Santana, ministro da educação, inclusive disse que a meta é chegar a 100% de matrículas no ensino técnico-profissionalizante, como acontece nos países ricos.
Mas se há prioridade no governo em relação a esse tipo de ensino, e acabaram de aprovar o Novo Ensino Médio, com um ataque brutal ao ensino técnico, e o governo comemorou a aprovação, que tipo de educação Lula defende? E mais: se o NEM significa adaptar a educação à precarização, ao subemprego e ao desemprego, que tipo de emprego e relação de trabalho o governo está implementando?
Para responder essa pergunta basta ver o recente projeto de lei dos trabalhadores de aplicativo proposto pelo governo, aprovado, e comemorado pela própria Ifood. Foi criada uma nova categoria de trabalho, que é o “entregador autônomo de aplicativo”. Isso vai na contramão de tudo que os entregadores de app que estiveram à frente das lutas de sua categoria sempre defenderam: o direito de serem reconhecidos como trabalhadores das empresas, e não como autônomos, porque senão as empresas podem se desresponsabilizar das condições de trabalho.
Como vemos, não apenas Lula não se opõem aos ataques à educação e ao emprego dos trabalhadores, mas é um dos principais articuladores e garantidores disso no país. E essas coisas todas fazem parte de um projeto de recolonização do país. Deixar as empresas virem aqui, entrar nas escolas e regular o trabalho dos jovens, nos submeter a graus absurdos de exploração, com a uberização e os novos contornos do trabalho por peça (receber pelo quanto de “peças” se produz, ou seja, pela quantidade que se trabalha), enquanto a burguesia segue ganhando rios de dinheiro.
E mais: dizer que vai resolver o problema da educação e do emprego, enquanto tira dinheiro dessas áreas para mandar aos imperialistas e capitalistas, como faz com o Arcabouço Fiscal. O school-to-work num país semi-colonial, em que o governo é conivente com a recolonização, tem essa dimensão fake, mentirosa. Por isso que, ao mesmo tempo em que é anunciada a abertura de 100 novos Institutos Federais, os trabalhadores e professores dos IFs estão construindo uma greve nacional da educação, porque não recebem o salário que deviam. Lula, ao sequer pagar o salário justo aos atuais trabalhadores dos IFs, e ao não ter como construir os 100 IFs que anunciou, ainda mais cortando verbas da educação, está na prática não apenas priorizando os capitalistas imperialistas, mas entregando tudo isso nas mãos deles.
Podemos continuar com exemplos, porém, de fundo, o que vemos é uma coisa só: em troca de garantir a “governabilidade”, o governo Lula toca os principais projetos do imperialismo para o país, que são de precarização, opressão, violência e ataque aos trabalhadores. É preciso escolher lados, e o governo Lula mostra, sempre e sem equívoco, que está do lado dos bilionários capitalistas. Isso nos diz que devemos ser oposição de esquerda a Lula. Mas também há algo além: uma das missões históricas das gerações jovens hoje é derrotar a extrema-direita. Para ser consequente com isso, é preciso enfrentar Lula e sua “governabilidade”, que é o que, permanentemente, permite que todos os setores capitalistas se proliferem, e dá espaço para os setores conservadores, de direita e de extrema-direita continuarem se reproduzindo.
A saída para a juventude
Nós, do Rebeldia, vamos lutar desde já por mais educação e mais emprego para os trabalhadores. Queremos, hoje, poder ter acesso a uma escola com mais qualidade, que nos ajude sim a conseguir emprego, e queremos empregos de qualidade e com salários dignos. É por isso que lutamos pelo fim da escala 6×1, por mais verba pública pra educação, mais escolas, IFs, universidades, com bolsas para os alunos e salários bons para os trabalhadores. É por isso que lutamos pela revogação do Novo Ensino Médio, pelo fim dos pactos com o imperialismo, como o Pacto de Inclusão Produtiva das Juventudes etc.
Queremos que os jovens trabalhadores tenham acesso à educação tão tecnológica e moderna como na escola dos ricos. Por isso defendemos uma escola única, para que todos tenham acesso ao mesmo ensino. E, para ter emprego para todos, propomos a criação de um plano de obras públicas, que seja voltado a resolver problemas da vida dos trabalhadores, como construir mais escolas. Ao fazer isso de maneira generalizada na sociedade, muitas vagas de emprego poderão ser criadas, exigindo os mais variados saberes e criando muitas oportunidades. Junto desse plano, queremos o aumento do salário e a redução da jornada de trabalho, para que mais gente possa ser empregada.
O problema é que, hoje, o dinheiro e o poder dos capitalistas é o que dita como a sociedade vai funcionar. Não vale a pena reduzir a jornada para empregar a todos, porque é melhor deixar geral com medo de perder o emprego, para superexplorar alguns, que aceitarão de tudo. Não vale a pena deixar de lucrar tudo que se lucra para aumentar os salários, porque um salário que dê o mínimo para a reprodução da vida já garante que o trabalhador poderá continuar trabalhando. E assim a lista segue. Por este motivo que todas nossas lutas de hoje se conectam com a demanda de tirar dinheiro e poder dos bilionários capitalistas através de uma revolução socialista. Expropriá-los, para que essa riqueza seja nossa, e para que a sociedade funcione de acordo com nossas demandas.
Quem deve mandar na educação, por exemplo, são os milhares de jovens do país que sabem opinar como deve ou não funcionar uma escola, e não empresas como Ifood, que estão muito interessadas em nos transformar em mão-de-obra barata. Quem deve dizer como serão os empregos para as novas gerações são os próprios jovens trabalhadores, junto com os trabalhadores mais velhos, que já tem experiência, e não bilionários como Ligia Voigt e sua família, que pagam 5 reais por hora para um jovem aprendiz em sua empresa.
A saída para os jovens trabalhadores é enfrentar os capitalistas que se beneficiam da nossa exploração e miséria. Isso coloca, para nós, uma disjuntiva: ou se aliar aos capitalistas, à direita e a extrema-direita, para garantir uma “governabilidade” de um sistema que nos ataca cotidianamente, ou romper com todos eles, e lutar, junto a todos os trabalhadores, para fortalecer uma alternativa que seja pautada na construção de uma sociedade socialista.