Mulheres

Sobre a demissão de Silvio Almeida por assédio sexual

Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

7 de setembro de 2024
star4.74 (57 avaliações)
Ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida Reprodução

Vera, da Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

Denunciar assédio, importunação ou violência sexual é um ato extremamente difícil e corajoso. Nem sempre conseguimos. Pois, na maioria das vezes, as vítimas são criticadas e culpabilizadas, especialmente as mulheres negras.

O caso Silvio Almeida chocou o país e precisa ser rigorosamente investigado, ainda mais considerando a posição que ocupava, garantindo-se todo o direito de defesa. E as vítimas precisam de toda solidariedade. Nossa luta para dar um basta a todo assédio e violência precisa ser redobrada!

Todos, contudo, ficaram perplexos quando vieram à tona as primeiras acusações de assédio e importunação sexual supostamente praticados pelo então ministro dos Direitos Humanos. Professor, advogado, escritor e fundador do Instituto Luiz Gama, Silvio Almeida acabou sendo demitido do governo Lula pela acusação de um crime machista.

Silvio Almeida se notabilizou nacional e internacionalmente na luta acadêmica contra o racismo, principalmente a partir da publicação do livro de sua autoria “Racismo Estrutural”. Termo que se tornou um conceito que não compartilhamos por não ir a fundo nas raízes do racismo (e também do machismo), brotadas do sistema capitalista, mas que se tornou popular e vastamente utilizado por movimentos sociais e intelectuais.

Em vídeo publicado em suas redes sociais, se diz inocente, vítima de perseguição pelo posto que ocupava no comando de primeira linha do governo Lula/Alckimin, e se coloca como um homem casado que ama a esposa e a filha.

Certamente, o fato de ser um negro ocupando um cargo de ministro cria incômodo nos racistas, assim como gerou compreensivelmente muitas expectativas, especialmente no movimento negro, e também em outros setores oprimidos da classe trabalhadora, como as mulheres, as LGBTI’s ou os Povos Indígenas. E, sendo um ministro negro num país racista como é o Brasil, o caso toma ainda maior repercussão, com anúncio de sua demissão em plantão do Jornal Nacional, e divulgado em tempo recorde por todos os meios de comunicação. Possivelmente, se o caso de importunação sexual não fosse de um ministro negro, não tomasse a dimensão que tomou.

Homens negros podem sim ser machistas

O fato de ser um homem negro, vítima do racismo, não impede que seja machista. Homens negros vivem nessa sociedade machista e podem ser machistas. Basta ver que os crimes de machismo são praticados por homens brancos e negros contra mulheres brancas e negras.

O assédio, a importunação e a violência sexual ocorrem em todos os ambientes, inclusive, e principalmente, em casa. Mas também nos locais de trabalho, nas escolas, nas ruas e nas instituições públicas, ou mesmo nos templos religiosos. Ou seja, em todos os espaços da vida social.

Os crimes de assédios, abusos e estupros são praticados por homens muitas vezes tidos como incapazes de cometerem crimes: pais, padrastos, irmãos, tios, primos, avôs, namorados, maridos, amigos, padres, pastores, patrões, chefes, policiais, delegados, desconhecidos… E por que não, e ainda mais, por ministros, governos, prefeitos, parlamentares, magistrados e outros cargos do Estado, que gozam de mais poder e sentimento de impunidade?

O fato de ser negro não é garantia de não ser machista, como tenta argumentar Silvio Almeida e os que saíram em sua defesa pela mesma razão. Porque negros, infelizmente, também cometem crimes de machismo todos os dias contra as mulheres, inclusive, mulheres negras, que são a maioria entre as vítimas de assédio sexual, violência física, e assassinatos.

Demissão não exime governo

No caso de Silvio Almeida, é preciso reafirmar, a questão se agrava pelo cargo de ministro da pasta que ocupava. E a demissão tem muito mais a ver com o grau de repercussão do fato (e foi ainda atrasada) do que por coerência na defesa das mulheres e demais setores oprimidos. Isso porque, infelizmente, as bandeiras contra a opressão às mulheres, aos povos indígenas, às LGBTI’s e do movimento negro, são frequentemente moedas de troca nos governos de frente ampla do PT. Não hesitam em deixar de lado nossas bandeiras para se aliarem a todo tipo de capitalista e reacionário, incluindo os da extrema direita.

A concepção de combate ao racismo nos limites do capitalismo e do liberalismo defendido por Silvio Almeida e pelo governo Lula de conjunto, inevitavelmente, já levaria à decepção e até a desmoralização de setores do movimento, se estes setores não se oporem e enfrentarem, pela esquerda, o governo, como estão fazendo agora os povos originários ao combaterem o Marco Temporal e os ruralistas.

Para além disso, o programa de Silvio Almeida e do governo Lula não acaba com o encarceramento em massa da juventude negra, com o desemprego e a precarização do trabalho, e todo racismo profundo embutido na tremenda desigualdade social promovida pelo capitalismo brasileiro. Para isso seria preciso ir muito mais longe do que lutar pela igualdade meramente jurídica e política, sendo que sequer com esta luta são coerentes. Se, junto com isso, há importunação, assédio e violência sexual contra as mulheres por parte do ministro, de quem menos se esperaria, é ainda mais gravíssimo e merece completo repúdio. E, repetimos, deve ser rigorosamente investigado e punido.

Isso para que, inclusive, a hipocrisia com que são acobertados ou tratados sem rigor algum casos de machismo, ou até de racismo possivelmente iguais ou pior a este por ministros e autoridades brancas e capitalistas, seja desmascarada e combatida, e não justificativa para a opressão generalizada. Da mesma forma que não devemos tolerar que essa extrema direita bolsonarista reacionária se aproveite dessa agressão machista para redobrar a sua misoginia e desumanização dos setores oprimidos, para ampliar a exploração sobre a classe trabalhadora e manter o sistema capitalista.

Não pode ser livre quem oprime outro, já dizia Marx.

Que as mulheres, especialmente as trabalhadoras, não calem diante da violência machista praticadas por qualquer que seja o homem: branco ou negro, e principalmente, os que ocupam cargos no alto escalão do governo, governantes, parlamentares, magistrados, os patrões, todos. Nenhuma tolerância com o machismo, racismo e qualquer forma de opressão, para unir a classe e acabar com esse sistema capitalista de opressão e exploração. Que os homens negros, envergonhem-se do seu machismo, centralmente os da classe trabalhadora.

Nenhuma concessão ao machismo.