Internacional

Silicon Valley Bank (SVB): A irracionalidade de um sistema baseado no lucro

LIT-QI

16 de março de 2023
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Alberto Madoglio

Publicado originalmente no Portal da LIT-QI

No dia 10 de março, a falência do Silicon Valley Bank (SVB) causou pânico nos mercados financeiros internacionais. Isso ocorreu também porque os mercados financeiros estavam sob pressão há meses.

No início de 2023, o fundo especializado em criptomoedas Ftx faliu, com perdas estimadas em 30 bilhões de dólares. A gestora de capital Blackstone declarou o default de um de seus fundos imobiliários em 297 milhões de dólares, mas o que mais preocupa é que bloqueou os resgates de outro investimento imobiliário em 70 bilhões de dólares, ou seja, os poupadores não podem acessar seu dinheiro.

O espectro de um novo caso Lehman Brothers (2008), que causou a recessão global no ano seguinte, apareceu para perturbar o sono dos governantes e banqueiros centrais nos quatro cantos do globo.

Qual foi a causa deste evento surpresa?

Há meses, os principais bancos centrais (em particular o Federal Reserve dos EUA e o BCE) mudaram de direção em relação à política de taxas de juros zero que vinham seguindo até então. Na tentativa de controlar a taxa de inflação, começaram a implementar uma política monetária restritiva, aumentando as taxas de juros. Não vamos entrar em detalhes sobre como essa política não serve ao propósito pretendido, pois isso não é estritamente relevante para os eventos que estamos tratando.

Essa mudança de curso teve o efeito de fazer colapsar o valor dos títulos governamentais nas carteiras dos bancos.

No caso em questão, depois que o conselho do SVB comunicou a necessidade de aumentar seu capital em 2,5 bilhões de dólares para compensar as perdas nos títulos do Estado, os depositantes, temendo ver seus investimentos evaporarem, deram a luz verde a uma corrida bancária furiosa do SVB, retirando dezenas de bilhões de dólares depositados.

Trata-se de um evento impactante pela dimensão e velocidade com que ocorreu.

Em 2008, quando ocorreu a última falência de um banco americano, o Washington Mutual, os depositantes retiraram cerca de 17 bilhões em dez dias. No caso do SVB, os bilhões retirados foram 42, em apenas 10 horas!

O desenvolvimento cada vez mais acelerado dos serviços bancários online para reduzir ao mínimo o pessoal nas agências, a possibilidade de operar 24 horas por dia, a divulgação nas redes sociais que disseminam notícias à velocidade da luz, foram inovações criadas pelo capitalismo na última década para aumentar drasticamente os lucros.

Neste caso, voltaram-se contra eles, tornando impraticável qualquer possibilidade de controle e amplificando exponencialmente as perdas. Lênin dizia que os capitalistas fabricariam a corda com que seriam enforcados, e o que aconteceu confirma essa previsão.

A primeira reação das autoridades foi minimizar o caso, tentando contar uma versão tranquilizadora.

Nas primeiras horas após a crise, foi dito que o SVB era um pequeno banco local, inserido em um nicho de mercado (o das start-ups tecnológicas do Silicon Valley da Califórnia) e que o que aconteceu não teria maiores repercussões a nível geral.

No entanto, a realidade é diferente. Como foi relatado em uma postagem no blog de Michael Roberts, o SVB era o décimo sexto banco comercial dos Estados Unidos, com ativos de 200 bilhões. Não é um gigante do crédito, mas também não é tão insignificante.

O fato de que Biden tenha dito que os poupadores estarão protegidos é uma prova das preocupações de que esta falência possa ser o gatilho de eventos mais catastróficos.

Este, em definitivo, é o resumo dos fatos, agora vejamos o que pode acontecer nas próximas semanas.

Primeiro, apesar das declarações do inquilino da Casa Branca, os clientes do SVB não podem dormir tranquilos. Não será devolvido todo o dinheiro perdido, e pelas quantias que serão devolvidas, a ex-diretora da agência de tutela dos depósitos, a Corporação Federal de Seguros de Depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation), no momento da explosão da bolha subprime, Sheila Bair, disse que os credores terão que ser muito pacientes antes de recuperar seu capital.

Haverá tempo para ser paciente? Trata-se predominantemente de empresas do setor tecnológico, já muito endividadas. Se, enquanto isso, tiverem que recorrer a novos empréstimos, com taxas altas, como poderão continuar com sua atividade, ainda mais em um setor em forte crise, onde já foram registradas centenas de milhares de demissões? Se falharem, é provável que desencadeiem uma série de eventos similares, com um efeito dominó de resultados por enquanto imprevisíveis.

No que diz respeito ao sistema bancário, foi descoberto que os bancos americanos têm perdas potenciais relacionadas aos títulos do Estado de mais de 600 bilhões. Sempre para fazer uma comparação com 2008, na época se estimava que as perdas relacionadas às hipotecas rondavam os 750 bilhões. Estamos, portanto, muito perto da soma que desencadeou a crise da qual ainda não saímos.

E na Europa, as coisas não parecem estar melhores

A fábula habitual conta que o capitalismo europeu não seria tão voraz como o anglo-saxônico, que as regras impostas por Frankfurt são a garantia de estabilidade do sistema.

Mas mesmo daquele lado do Atlântico, os fatos deveriam incitar a uma maior prudência. Há 3 bilhões de títulos públicos nas carteiras dos bancos do continente e, mesmo neste caso, devido ao aumento das taxas de juros, as perdas potenciais são enormes.

Uma simulação que o BCE realiza periodicamente para avaliar a qualidade dos balanços (os chamados testes de estresse) indica que uma das maiores instituições europeias, o italiano Intesa Sanpaolo, está perto do limite que colocaria em risco sua estabilidade. Se o BCE, como é provável, continuar com a política monetária restritiva e as perdas potenciais da Intesa aumentarem, o que acontecerá com a instituição liderada por Carlo Messina e com todo o setor bancário europeu?

Enquanto isso, o enfrentamento começou para o suíço Credit Suisse, que caiu 23% na bolsa neste dia 15 de março, e não conseguiu encontrar acionistas capazes de recapitalizá-lo.

Os argumentos usados pelos otimistas para sustentar suas previsões referem-se à chamada “economia real” (como se as finanças fossem algo separado da realidade).

Depois de meses em que a recessão, pelo menos nas principais economias, parecia certa, os últimos dados parecem evitar essa eventualidade (embora tenham sido publicados antes dos acontecimentos da última semana, que certamente repercutirão sobre o ciclo econômico), então, de acordo com esta visão, os danos podem ser limitados.

No entanto, olhando mais atentamente, as dúvidas a respeito são mais do que legítimas.

Robert sempre apontava recentemente como o emprego nos EUA tinha se mantido estável em 2022 e que o aumento afetava apenas os trabalhadores precários, que os gastos dos consumidores tinham permanecido sem mudanças, o aumento dos investimentos havia crescido fracionalmente, enquanto o aumento do PIB no último trimestre de 2022 foi da metade por causa do aumento de estoques (que, uma vez disponíveis, terão um impacto negativo no crescimento futuro).

No entanto, um dado que os economistas burgueses não falam, não sabemos se por ignorância ou má fé (talvez por ambas), refere-se aos lucros.

Ainda no último trimestre de 2022, os lucros das empresas norte-americanas caíram pela primeira vez depois da fase mais aguda da pandemia, ou seja, na primeira metade de 2020.

Por que esse dado é importante? Porque sabemos que se esse declínio não é casual, mas mantido por tempo suficiente (2/3 trimestres consecutivos), uma recessão será verificada em poucos meses. Em uma economia capitalista, os lucros determinam o “tom” do ciclo econômico. Se eles caem, as empresas param de investir e, em seguida, demitem funcionários.

Ainda não sabemos com certeza se estamos em 14 de setembro de 2008, o dia anterior à queda do Lehman, ou em março do mesmo ano, quando a falência do Bear Sterns sinalizou o início de uma potencial crise, mas não a detonou. Sem dúvida, podemos dizer que a tempestade está chegando e não há sinais de luz no horizonte.

De qualquer forma, os lucros globais são incapazes de dar origem a uma fase massiva de acumulação de capital capaz de sustentar um período de expansão econômica sustentada.

A continuidade da guerra de agressão da Rússia à Ucrânia contribui para a crescente tensão. As crescentes tensões entre a China e os EUA não prenunciam nada de bom. Para algumas nações dependentes do imperialismo, a tempestade já chegou. O Egito e o Paquistão estão à beira do default. O Quênia quase esgotou suas reservas em dólares e em breve não poderá pagar as importações de alimentos. A escassez e a fome para mais de 50 milhões de pessoas são um pesadelo que se aproxima minuto a minuto.

A falência de um banco no condado de Santa Clara, Califórnia, mais uma vez mostra a brutalidade e irracionalidade de um sistema baseado nos lucros. O Silicon Valley Bank nos olha e nos impõe uma escolha: socialismo ou barbárie.