Seringueiros realizam homenagem a Carlos Walter, o geógrafo das reservas extrativistas
Foi debaixo de uma mangueira, no coração da Amazônia, que se realizou, no último dia 10 de dezembro, uma homenagem ao geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), morto no dia 7 de setembro de 2023. A pedido de Porto-Gonçalves, suas cinzas foram espalhadas na Reserva Extrativista Chico Mendes, localizada no Acre, que o geógrafo ajudou a criar ao apoiar a luta do líder seringueiro Chico Mendes.
A homenagem foi realizada na Colocação Pega-Fogo, Seringal Humaitá, onde vive Osmarino Amâncio, liderança histórica do movimento seringueiro, que coordenou a homenagem. Estiverem presentes dezenas de seringueiros, representações sindicais da CSP-Conlutas e da CUT, bem como lideranças históricas do movimento como Raimundo de Barros, Gumercindo Rodrigues e Cícero Galdino que liderou o primeiro empate no Seringal Carmem, em 1975.
Muito emocionado, Osmarino saudou seus velhos companheiros de luta e destacou o papel de Carlos Walter na criação da Resex. “É nosso dever defender a reserva com unhas e dentes porque a pecuária está avançando, os madeireiros tão avançando. O Carlos Walter vai estar presente em cada uma das ações que a gente fazer em defesa da floresta, dos povos da floresta, dos quilombolas, em defesa dos de baixo e dos oprimidos”, explicou.
“Os trabalhadores e trabalhadores, não só desta região da Amazônia, tem dado provas que mesmo que eles matando nossos companheiros, nós continuamos a resistir. Os jovens de hoje saberão honrar o sangue e o cadáver de nossos companheiros. A homenagem ao nosso companheiro Carlos Walter é muito merecida, mas ela também é uma homenagem a nós, os caboclos da floresta”, discursos Raimundão de Barros.
Para Gumercindo, Carlos Walter ajudou a desconstruir a idéia tradicional de reforma agrária. “Andando com Raimundão e com Osmarino pela floresta, o Carlos Walter aprendeu com eles e transformou essa sabedoria em conceito científico. [Entendeu que] a Reserva Extrativista era muito mais que uma reforma agrária colocada por políticas públicas e, inclusive, por movimentos sociais, que entendem a reforma agrária como a divisão de terra, como propriedade. E isso que tem de diferente nas Reservas Extrativistas: não há a reivindicação da propriedade. É muito mais do que é a terra e a propriedade, é territóri.”, explicou.
“Quando ele pede que parte de suas cinzas sejam depositadas aqui na reserva extrativista, não é pra que nós fizéssemos uma homenagem a ele. É ele que está prestando homenagem a todos vocês que moram nessa floresta”, finalizou.
Poesias foram recitadas e muitas canções dos tempos do empate foram cantadas durante a homenagem. Também foi lembrado que hoje a Resex Chico Mendes está sofrendo ameaças com a invasão de fazendeiros, pecuaristas e madeireiros. E também da ação de grileiros que querem se apropriar de seringais que ficaram de fora da demarcação original da reserva.
Ao final da homenagem, os participantes fizeram uma caminhada e percorreram um varadouro até um ancestral Cumaru Ferro, cuja idade foi estimada em 1.600 anos através da análise do caborno 14. Sob suas raízes foram depositadas uma parte das cinzas do professor. Outra parte foi depositada sob as raízes de seringueiras.
Assim, a memória do geógrafo Carlos Walter será para sempre eternizada no território que ele ajudou a criar quando percorria “os varadouros do mundo”, defendendo a Amazônia e seus povos.