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RS: “Queremos solução e transparência, porque esta tragédia pode acontecer de novo” 

PSTU-RS

11 de julho de 2024
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Dois meses após enchentes e nada está normal. Mais de 6.900 pessoas seguem em abrigos ou nos chamados “centros humanitários”. Nenhuma casa foi entregue às pessoas que perderam tudo e há grande dificuldade para as pessoas terem acesso aos “auxílios” prometidos pelos governos. 

Além disso, inúmeras escolas e postos de saúde ainda não voltaram a funcionar e o transporte público está um caos, com a ausência de funcionamento do Trensurb (ferrovias). Até o fim de junho, foram 737 diagnósticos e 43 mortes por leptospirose. Por isso, a insatisfação e indignação seguem em alta

Confira a entrevista realizada com Arli Vera Antunes, moradora do bairro popular Sarandi e organizadora da Comissão de Moradores Fiscaliza Sarandi.

Houve uma manifestação em uma importante rua do Sarandi, na sexta-feira passada (05/07), da qual você foi uma das organizadoras. O que levou os moradores a se organizarem e levarem esse protesto para as ruas?

Arli – Além da exigência da limpeza das ruas, várias mães reclamaram que as crianças estavam há quase 60 dias sem aulas. Mas, a principal reivindicação é que a Prefeitura se comprometa em fazer um conserto definitivo no dique. Porque, em maio, foi feito um conserto provisório. Ainda há deslizamento de terra, têm alguns pontos frágeis, tem rachadura. Isto gera uma enorme ansiedade e muito medo em todos nós. Cada vez que chove, os moradores não conseguem dormir direito. 

E nós queremos ter uma solução. E já. Não é para deixar uma solução para o próximo mandato na prefeitura. 

Conta pra gente sobre a formação da Comissão de Moradores, da qual você é uma das impulsionadoras. Qual é o motivo da constituição dessa comissão no Sarandi?

 Nós resolvemos fazer uma comissão de moradores porque queremos entrar com uma ação junto ao Ministério Público para que nós, moradores, tenhamos o direito de fiscalizar as obras desse sistema antienchente. Nós queremos ter o direito de chegar nessas casas de bombas com poder de fiscalizar. Nós queremos saber se está funcionando, se tem gerador. E, mesmo hoje, depois de 60 dias das enchentes, só 60% do sistema das casas de bomba estão funcionando. Se acontecer uma chuva de 200 milímetros, como aconteceu na Primavera do ano passado, em outubro, eu não sei se dá conta, hein? Não é possível uma cidade do tamanho de Porto Alegre, uma grande cidade, capital do estado, ter um sistema tão precário como esse. 

Nossa luta é para isso. Que a prefeitura seja obrigada a prestar contas, compartilhar e discutir com a Comissão de Moradores qual é a melhor situação para o nosso bairro. Por exemplo, o prefeito falou que 500 casas precisam ser removidas. Nós não sabemos quais são as casas e nem onde estão. Ele discutiu isso com os moradores? Onde é que vai botar essas pessoas? Nós é que iremos sofrer esse impacto. Queremos solução. Queremos transparência porque esta tragédia pode acontecer de novo. 

A gente sabe que, inclusive, uma série de empresas e empreendimentos imobiliários tem interesse em ocupar esse território. O que você pensa sobre isto?

Hoje mesmo eu falei com uma amiga e ela me disse: “Eu não quero ir morar em uma cabana da ONU. Eu quero ir para uma casa decente. Eu não entendo por que esses prédios públicos que estão vazios, aí no Centro de Porto Alegre. Por que não alojam os desabrigados?” 

A Vila Elizabeth, por exemplo, tem uma ótima localização. Então, existe interesse de pessoas, gente de olho em nossas casas ali. Muitos moradores colocaram suas casas à venda. E se aproveitam disso para desvalorizar o nosso local e comprar nossas casas, baratinho. Na semana passada mesmo, uma casa que, antes da enchente, valia R$ 400 mil; agora, foi comprada por um empresário, à vista, por R$ 300 mil. Então, existe interesse de pessoas de olho nas nossas casas ali. O que nós queremos é continuar morando ali, com segurança. Queremos dormir todas as noites com chuva. Senão, daqui a alguns anos, a especulação imobiliária compra os terrenos, constrói prédios e, aí, sim, vão se importar em arrumar os diques. 

Há comentários de que obras de empreendimentos comerciais e industriais, no entorno do Sarandi, prejudicaram o sistema de drenagem e agravaram a enchente na região.

Sim. Será que esses aterros que aconteceram ali perto da Havan, da Coca-Cola, não influenciaram na inundação do bairro? Será que essa expansão do aeroporto teve um sistema de drenagem correto? Sabemos que irão instalar um condomínio de empresas, ali próximo. Vai ter um aterro. E nós nem fomos consultados ou informados. Fizeram um relatório de impacto ambiental?  Este é mais um motivo para criar essa comissão. 

Queremos ter acesso a toda essa documentação. Queremos ter laudos de engenheiros de confiança. Nós somos os principais envolvidos em mexer toda essa infraestrutura. Vai ter um impacto muito forte nessas vilas. E nós não sabemos de nada.

Se a gente tiver essa Comissão, tiver acesso a essa documentação, nós poderemos ter certeza de que houve negligência de vários órgãos para facilitar o crescimento imobiliário. Por isto, a gente tem que estar sempre fiscalizando o nosso direito. Senão, nós vamos ser varridos também.