Meio ambiente

Rios voadores da Amazônia viraram rios de fumaça

Fumaça de incêndios toma parte do país

Jeferson Choma

21 de agosto de 2024
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No dia 18 de agosto, uma imagem de satélite mostrou uma imensa coluna de fumaça saindo da região amazônica e seguindo em direção ao Sul do Brasil. Ela era levada pelos mesmos ventos que formam os chamados “rios voadores” (massas de ar carregadas de vapor de água, transportadas pelo vento). Mas, ao invés de umidade, eles arrastavam a fuligem e o dióxido de carbono produzidos pelos grandes incêndios que assolam a Amazônia.

Na imagem de satélite, é praticamente impossível ver o Rio Grande do Sul, totalmente coberto pelo manto de fumaça. Na capital Porto Alegre, uma densa camada cinza reduziu a visibilidade nos últimos dias ensolarados.

Em maio, o estado sofreu a maior tragédia climática de sua história, com grandes inundações, que devastaram tudo o que estava pela frente. Uma catástrofe que se combinou com as políticas neoliberais aplicadas pelos governos que cortaram investimentos na prevenção de desastres naturais e flexibilizaram a legislação ambiental do estado.

Agora, a população sofre com a fumaça de incêndios que ocorrem há mais de 4 mil quilômetros de distância. Mas, as duas catástrofes estão conectadas por um mesmo fenômeno: as mudanças climáticas, provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa da indústria e agricultura capitalista, que tornam os eventos climáticos extremos, tal como secas e chuvas torrenciais, mais frequentes e mais intensos.

Amazônia em chamas

A Amazônia passa por sua maior seca. Muitos rios quase desapareceram, inviabilizando totalmente a navegação e isolando comunidades inteiras. No mês de julho, o número de queimadas na Amazônia foi o maior registrado em 20 anos.

Entre os dias 1º e 31, foram localizados 11.145 focos de queimadas no bioma, o maior número para o mês desde 2005, de acordo com dados do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O registro é 93% maior que os 5.772 focos registrados em julho do ano passado e 111% maior que a média para o mês nos últimos 10 anos (5.272).

Na verdade, o entre janeiro a julho, segundo o Inpe, houve 4.696 focos de incêndio, número 11% superior aos 4.218 até julho de 2020, na gestão Jair Bolsonaro. Não por acaso, Manaus (AM) passou uma semana sob fumaça, chegando ao topo do ranking de pior qualidade do ar do mundo.

Arco da destruição

Onde tem fumaça, tem grilagem de terras e o agronegócio

O corredor de fumaça que vem do Norte e traz fumaça das queimadas da Amazônia tem como origem focos de incêndio que estão, principalmente, nas margens das rodovias BR-230 (a Transamazônica), particularmente no município de Apuí (AM) e na BR-163, entre Itaituba (PA) e Novo Progresso (PA), e na região de Porto Velho (RO).

São duas regiões de expansão do agronegócio, da grilagem de terras públicas e do cultivo de soja. Compõem o chamado “arco do desmatamento” na região. Em Apuí, por exemplo, o programa “Fantástico”, da Rede Globo, em 19/08/2024, revelou um esquema de roubos de terras públicas chefiado por um latifundiário que se tornou “dono” de mais de 500 mil hectares de áreas da Amazônia. O esquema de grilagem contava com a participação de funcionários de cartórios e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Abrindo a “estrada do fim do mundo”

A região onde se encontra Apuí é conhecida por “Amacro”, por abranger alguns municípios dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia, e tem se destacado como uma das principais fronteiras e focos de expansão do agronegócio. As intensas queimadas são um sinal de que a região vem sendo preparada para receber o boi e a soja, por meio do desmatamento e da invasão de terras públicas – incluindo unidades de conservação e Terras Indígenas.

Essa situação pode piorar ainda mais com a pavimentação da BR-119 (que liga Porto Velho a Manaus), que, sem exagero algum, pode ser chamada como a “estrada do fim do mundo”. A pavimentação é uma antiga reivindicação dos latifundiários do agro e vem ganhando apoio até mesmo por setores do governo Lula. Algumas obras foram realizadas nos últimos meses, animaram os latifundiários e, literalmente, colocaram mais fogo na floresta.

Já a BR-163 é o principal vetor da expansão da soja do Mato Grosso para o Sudoeste do Pará. É de lá que partiu o famigerado “Dia do fogo”, em 10 e 11 de agosto de 2020, quando fazendeiros se organizaram para realizar incêndios simultâneos na floresta. Tudo animado pelo discurso de Bolsonaro. A soja sobe em direção a Santarém e pressiona Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Por trás do agro

Governos são cúmplices da devastação

As queimadas e o desmatamento de biomas, como a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado, têm relação direta com o avanço do agronegócio. Desde o começo dos anos 2000, o setor tem sido incentivado por todos os governos de plantão, de FHC, passando pelos governos de Lula, Dilma e Temer, até Bolsonaro, que passou a boiada na legislação ambiental do país e fez com que o desmatamento explodisse.

O agronegócio cresce por meio de bilionários créditos oferecidos pelo Estado, como o Plano Safra, cujo valor em 2023 foi de mais de R$ 360 bilhões. O setor também recebe, constantemente, o perdão das suas dívidas. Esse tipo de agricultura se expande destruindo a natureza, também pela frouxidão da política fundiária federal, que deixa terras públicas à mercê dos grileiros e provoca a valorização e especulação das terras.

O resultado é que esse modelo de agricultura capitalista deixa para trás uma enorme destruição ambiental, pouquíssima geração de empregos e renda; ameaça o suprimento de alimentos e deixa, ainda, uma economia reprimarizada, baseada no uso intensivo de recursos naturais e profundamente dependente do financiamento público. O agro não “sustenta o país”, como dizem seus defensores. O agro parasita a sociedade.