Reconstrução do Rio Grande do Sul: a disputa está aberta
Não é possível um projeto comum, nem com governos, muito menos com o megaempresariado
Na região metropolitana, a água do Guaíba começou, finalmente, a baixar e, por todo lado, vemos lama e destruição. A grande maioria da população afetada não tem a mínima condição de voltar para as suas casas. Hoje ainda temos 77.202 pessoas desabrigadas e 540.188 desalojadas no estado. Já se fala na possibilidade de colapso na logística de atendimento nos abrigos, pois muitos voluntários estão sendo convocados por suas empresas a retornar ao trabalho.
Enquanto isto, os governos, seja Mello, Leite ou Lula, visitam abrigos, fazem coletivas de imprensa com anúncio de medidas, tentando nos fazer crer que podemos deixar nas mãos deles, que tudo se resolverá, que ninguém vai ficar para trás.
Leite e Lula disputam protagonismo de visibilidade na reconstrução. Leite indicando como “Secretário de Reconstrução“ Pedro Capeluppi, um privatista de primeira ordem, que trabalhou, inclusive, na Secretaria de Desestatização no governo Bolsonaro. E Lula indicando como “Ministro da Reconstrução” Paulo Pimenta, porque é seu nome ao governo do estado em 2026. Ou seja, com intenções claramente eleitorais.
Mello e Leite contratam empresas de consultoria internacional, entre elas a Alvarez & Marsal para que sejam estas empresas a desenhar um projeto de reconstrução do estado. Um verdadeiro escândalo que os governos justificam sob o argumento de que o serviço de consultoria será “sem custo” nos primeiros seis meses. Eles sabem muito bem que um projeto de reconstrução é um projeto que mexe com muitos interesses – pode direcionar investimentos que privilegiem setores empresariais específicos, como construtoras, incorporadoras etc. Ou seja, os desabrigados sequer são ouvidos, nem no momento da destinação dos recursos do Fundo Pix (cujo Comitê Gestor é formado por várias entidades empresariais), nem no momento da elaboração do plano de reconstrução. O que é ainda mais chocante é que a Alvarez & Marsal tem um longo histórico de limpar a barra de empresas envolvidas em desastres ambientais. Aqui no Brasil, por exemplo, atuou após os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, e com empresas investigadas pela operação Lava Jato, como o Grupo Odebrecht e as construtoras OAS e Queiroz Galvão.
O governo Lula, por sua vez, apesar de não ter anunciado como se dará o processo de reconstrução da infraestrutura do estado, tem se utilizado das PPP’s (Parceria Público-Privadas) em todas as obras do PAC 3 (Programa de Aceleração do Crescimento da atual gestão). A reconstrução de pontes e rodovias financiadas pelo Governo Federal, após a última enchente de setembro, no vale do Taquari, também estava formatada como PPP. Rui Costa, ministro da Casa Civil, declarou – “o estado é facilitador das empresas para alavancar investimentos”. Ocorre que Rui Costa sabe muito bem que o capital privado, quando realiza investimentos em tais setores, está preocupado apenas, e tão somente, com a taxa de retorno do capital aplicado, e não com a qualidade da obra ou do serviço prestado à população. Ou seja, serão obras que se reverterão em pontes precárias, e em estradas que não poderão ser utilizadas pela ampla maioria da população porque os pedágios serão caríssimos, a exemplo do que acontece hoje com os parques na região dos “Aparados da Serra”.
Pauta da Fiergs X Pauta da classe trabalhadora
Na última sexta-feira, Alckmin recebeu uma comitiva de representantes da Fiergs (Federação que representa as grandes indústrias do estado), que apresentaram 47 reivindicações que totalizam o valor “modesto” de R$100 bilhões. Só para se ter uma proporção – o auxílio-reconstrução de R$5.100, que sairá dos cofres da União, se for pago a 240 mil famílias, vai totalizar R$1,22 bilhão. E as grandes indústrias, que estão nas mãos de algumas dezenas de bilionários, donos da Gerdau, Taurus, Weco, Grendene e outras gigantes, que têm lucros e dividendos bilionários, querem receber R$100 bilhões de recursos públicos.
A realidade da grande indústria é completamente diferente dos pequenos comerciantes e agricultores familiares, estes sim que precisam e devem ser reparados. A grande indústria perdeu, de fato, máquinas e unidades produtivas em cidades alagadas. Mas a maior parte deste maquinário é segurado, ou seja, serão indenizados. Além disto, possuem inúmeras fábricas espalhadas por outros estados e até países, que continuam produzindo e acumulando lucros.
E não para por aí, a Fiergs exige redução salarial e flexibilização de direitos trabalhistas . Ou seja, o trabalhador que perdeu sua casa na enchente e que só possui o seu salário como fonte de renda, será forçado a abrir mão de parte do seu salário. Além disso, a Fiergs, pasmem, solicita descumprir a já precária legislação ambiental – propõe a prorrogação da vigência das licenças ambientais e dos prazos processuais referentes ao licenciamento ambiental, e também a prorrogação dos prazos de condicionantes e vigências de outorgas de uso de recursos hídricos. Ou seja, como indenização de uma tragédia ambiental, querem atacar ainda mais o meio ambiente.
Depois de uma pauta absurda como esta, qual foi a declaração pública de Alckmin? “Que a indústria gaúcha foi mais de 90% afetada, porque atingiu as suas regiões mais industrializadas. Não faltarão recursos, o fundo garantidor e as linhas de crédito devem ser para tudo, desde capital de giro, recomposição de máquinas, equipamentos e prédios”, garantiu.
Ou seja, todos os governos, de Mello, Leite a Lula, todos reproduzem o discurso dos grandes empresários – que é necessário salvar as empresas para, a partir daí, salvar os empregos. Uma falácia tão antiga como aquela – “é necessário deixar o bolo crescer para depois dividir” de Delfim Netto.
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No momento que escrevemos esta matéria, começam a acontecer manifestações de rua, da população de bairros da periferia, exigindo particularmente dos governos Mello e Leite, o escoamento da água, e a volta do fornecimento de água e luz. Direitos básicos que poderiam e não estão sendo garantidos.
É preciso fazer crescer estas iniciativas. Botar nosso bloco na rua e exigir nossa pauta, a pauta dos trabalhadores, de todos os governos. Transformar cada abrigo num núcleo de organização, se juntar com a população que já voltou às suas casas na periferia , além de se conectar com os trabalhadores que estão voltando para as lojas ou indústrias, e que irão se deparar com ameaça de demissão ou redução de salário.
– Confiscar 50% das grandes fortunas dos bilionários capitalistas para ter recursos para reparação integral a todos os trabalhadores e pequenos empresários que perderam suas moradias, automóveis ou qualquer outro bem. Nenhum centavo as grandes indústrias que poluem e são corresponsáveis pela catástrofe ambiental
– Proibição de demissões, não permitindo a suspensão de contratos ou descontos de salários sobre os atingidos. As grandes empresas que demitirem devem ser expropriadas e colocadas sob o controle dos trabalhadores.
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