Quem não tem teto, tem pressa! Todo apoio às ocupações! Desapropriar os 100 mil imóveis vazios em Porto Alegre!
Nas últimas semanas aconteceram duas ocupações de prédios abandonados em Porto Alegre. Ambas no centro da cidade – o antigo hotel Arvoredo, por desabrigados da enchente de maio, e o prédio desativado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pelo MTST, em defesa das famílias desabrigadas.
Passados 40 dias do início das enchentes sem uma solução concreta para quem não tem teto, as ocupações são uma iniciativa correta, não apenas porque mostram que só obteremos nossos direitos básicos através da luta, como também porque dão visibilidade a um tema que temos denunciado há anos – a quantidade de imóveis desocupados, particularmente na cidade de Porto Alegre. Imóveis que poderiam ser adaptados para moradias, como os prédios comerciais abandonados nas áreas centrais e imóveis em situação irregular.
O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que a capital tinha 686.414 domicílios particulares permanentes em 2022, dos quais 558.151 estavam ocupados, 101.013 vagos e 27.250 eram de uso ocasional (são utilizados, mas não como moradia permanente).
Além disso, há prédios públicos desocupados na cidade. O Laboratório Cidade, um Projeto da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, desenvolveu um mapeamento identificando 154 imóveis alienados pela prefeitura e 20 desocupados pela União. A região com mais propriedades vazias é a do bairro Restinga, com 64 imóveis, seguida do Centro Histórico, com 26 e da Azenha, com 14.
Se um imóvel está vazio há 10 anos juntando baratas e ratos, como muitos destes, de acordo inclusive com as leis, com a Constituição e Planos Diretores dos municípios, esses imóveis não cumprem uma função social
Os pesquisadores da área, como a professora da UFRGS, Clarice Misoczky, por exemplo, afirmam que é preciso utilizar os imóveis já existentes antes de pensar na construção de novos. As unidades podem ser reformadas e adaptadas para resolver o problema de moradia causado pela catástrofe.
Porém, todas as três esferas de governo se negam a seguir a orientação dos estudiosos. Ou seja, na prática são negacionistas daquilo que é obviamente racional, porque não querem enfrentar o “direito” de propriedade dos ricos, que para eles parece ser “divino” .
O governo Leite afirma que o número de pessoas em abrigos está reduzindo diariamente. Que só há 5000 pessoas em abrigos na região metropolitana neste momento, embora a Defesa Civil não informe dados atualizados desde o dia 4 de junho. O que Leite não considera é que há milhares de pessoas que também perderam suas casas e estão na casa de amigos ou parentes. Até o momento não informam quantas casas foram destruídas, ou estão localizadas em regiões de risco e não poderão mais ser habitadas. E mais, os atuais desabrigados se somam a um anterior déficit de habitações, que no estado girava em torno de 221 mil unidades – famílias moradoras de áreas insalubres, coabitações e aluguéis, além das que residem de favor.
Em Porto Alegre, os estudos apontam que 13,68% da população já vivia em residências precárias – não possuíam acesso a pelo menos um serviço (energia elétrica, água encanada, coleta de lixo ou coleta de esgoto) .Em Santa Teresa (Zona Sul), 7813 habitações sofriam com inadequação de um ou mais serviços, como esgoto a céu aberto. Em segundo lugar estava o Bairro Mário Quintana, região Nordeste, com 4795 residências na mesma situação.
Leite diz que comprou 500 casas provisórias (que depois serão desmontadas) de 27 m2 para distribuir entre Vale do Taquari e Eldorado do Sul (que também é região metropolitana) mas diz que as prefeituras não disponibilizaram os terrenos. Prefeitura encaminha demanda para o Governo Federal. Governo estadual diz que tem casa, mas não tem terreno da prefeitura. Ou seja, fica um jogo de empurra e nada se resolve.
O ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta, afirma que vai comprar 2000 casas pela Caixa Econômica Federal, mas não dá nenhuma previsão de quando estas casas estarão disponíveis.
Em síntese: Melo, Leite e Lula/Pimenta apresentam a mesma solução – instalar todos desabrigados em 5 estruturas chamadas “Centros Humanitários”, sendo 3 em Porto Alegre e 2 em Canoas.
Não são mais cidades de lona, mas a lógica é a mesma. As estruturas “humanizadas” são pavilhões com dormitórios separados por divisórias, sendo que cada uma deverá receber 1000 pessoas. Imaginem a situação destas famílias que terão que viver por meses e, provavelmente, anos nesta situação?
Por exemplo, os moradores das Vilas Tio Zeca e Areia, foram removidos de suas casas por conta da construção da nova Ponte do Guaíba, em 2007, e foram abrigados na “casa de Passagem”, com a promessa de que, após um ano e meio, suas casas seriam construídas pela prefeitura. Mas, há 15 anos eles estão esperando estas casas. 80 famílias vivem hoje num espaço que lembra celas penitenciárias com ligações elétricas irregulares, lixo, infestação de ratos e incêndios constantes
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Especulação imobiliária de olho no Centro e no 4º distrito
Um levantamento realizado pelo pesquisador André Augustin, do Observatório das Metrópoles de Porto Alegre, aponta que 30,5% dos domicílios no Centro de Porto Alegre e 22,5% no 4º Distrito — bairros Humaitá, Farrapos, Navegantes, São Geraldo e Floresta — não estavam ocupados no momento da coleta de dados para o Censo 2022. Ou seja, nestes bairros, o percentual de desocupação está acima da média da cidade, que é de 18,7% .
O que está por trás e por que os governos não desapropriam estes imóveis ?
A Prefeitura Melo tem concedido incentivos fiscais à construção civil que quer investir nestas regiões, seja na construção de novos prédios, seja no retrofit (modernização de um prédio já existente). Então, cada vez terá mais asfalto, transporte etc. Ou seja, os imóveis lá localizados se beneficiam, vai subindo de valor. Por isto, para estes proprietários é mais vantajoso deixar os imóveis lá vazios esperando a melhor oportunidade para lucrar.
E a tendência é que estes bairros, ao invés de alojar mais pessoas, ao contrário, cada vez mais os pobres serão expulsos dessas regiões. Bairros periféricos que não eram capitalizados pelo mercado imobiliário passaram a ser, e esta valorização implicou a exclusão. Quando a “revitalização acontece”, trabalhadores mais pobres são expulsos. E o problema não é a revitalização. Mas a total ausência da regulação do valor da terra. Famílias que não conseguem pagar aluguel na região onde sempre moraram por causa do aumento do preço. Essa é a lógica que joga o pobre para mais longe, transformando as cidades em máquinas de criar novos sem teto.
No início deste ano, em uma entrevista, quando o Prefeito Melo foi perguntado sobre esta contradição entre déficit habitacional e imóveis vazios, ele respondeu que não poderia fazer nada, pois assim era o capitalismo.
Nisso concordamos com Melo, que por trás de tudo isto está a lógica capitalista. Mas mesmo no capitalismo brasileiro há brechas que poderiam ser utilizadas, caso houvesse disposição dos governos em enfrentar os capitalistas da especulação imobiliária e em atender um direito básico da população, que é a moradia. A Constituição estabelece que a propriedade privada tem de cumprir a função social. E, inclusive, há uma lei aprovada na Câmara que destina os imóveis vazios municipais às famílias e comunidades atingidas pela catástrofe das enchentes. Porém os governos criam uma série de obstáculos para desapropriar esses imóveis, justamente porque governam em favor dos capitalistas.
Minha Casa Minha Vida não é a solução
Boulos, quando ainda era um militante do movimento sem-teto em 2015, antes de aderir incondicionalmente ao PT, dizia que “ foi a própria política econômica dos governos Lula e Dilma que provocou a especulação imobiliária. Isso porque apostaram no crédito para a moradia sem nenhuma regulação em relação, por exemplo, aos preços dos aluguéis. A crise urbana antecedeu a crise econômica no Brasil”.
Os programas de habitação popular, seja o Minha Casa Minha Vida ou Casa Verde Amarela, não reverteram o quadro de déficit. Muitos trabalhadores, por conta do desemprego, não conseguiram arcar com as prestações e acabaram sendo despejados. Muitas famílias que antes, mesmo sob condições precárias, conseguiam manter uma casa, hoje já não conseguem mais. “Emprego e renda são fundamentais para o acesso à moradia digna. Não basta ter emprego, tem que ter emprego com uma renda mínima que permita àquela pessoa ou àquela família acessar a moradia”.
No caso dos desabrigados da enchente, o governo Lula promete que parte das casas serão dadas. Só que isso gera outro problema: como manter esses condomínios, essas novas casas próprias, se seus moradores ganham zero, meio, um salário mínimo? Isso não se sustenta ainda mais com a inflação que já estamos vivendo dos alimentos, sendo que em Porto Alegre a inflação é o dobro das outras capitais.
Além disso, a construção da maioria dos empreendimentos é nas regiões mais distantes menos supridas de transporte. No Rio de Janeiro, por exemplo, morar na Zona Oeste significa passar 4 horas por dia nos transportes. Ninguém mora apenas na casa, mora na cidade também.
O programa representou na realidade um excelente negócio para as empreiteiras, que têm certeza de retorno, porque o governo dá dinheiro para as pessoas comprarem seu produto. O programa tem um problema central: ele não foi criado para resolver a questão da moradia no país, mas para injetar recursos no setor da construção civil, que estava ameaçado pela crise a partir de 2008. Neste sentido, a lógica do programa é comprometida por interesses econômicos muito mais do que com perspectivas sociais.
Só a organização e luta dos desabrigados e trabalhadores garantirá moradia já e digna.
- Toda solidariedade às atuais ocupações
- Não aos despejos
- Reparação integral às vítimas da enchente
- Exigir dos governos a utilização de todos os prédios desocupados da União e Prefeitura para serem convertidos em moradias aos desabrigados
- Exigir dos governos e legislativos medidas urgentes de desapropriação sem indenização dos imóveis desocupados na mãos de especuladores
- Por reforma urbana, cobrando imposto progressivo sobre imóveis destinados à especulação imobiliária, regularização fundiária seguida de obras de benfeitorias como saneamento e calçamento e construção de novas moradias
- Acolhimento em moradias dignas para a população de rua, imigrantes, jovens dependentes de drogas