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Quem deve pagar pelo fim da escala 6×1?

Julio Anselmo

19 de novembro de 2024
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Bilionários, donos das maiores empresas do país, representantes da direita, bolsonaristas, jornalistas liberais, associações patronais, todos esses vem dizendo que reduzir a jornada de trabalho, acabando com a escala 6×1, seria uma medida populista que, no final das contas, se voltaria contra os próprios trabalhadores.

Tentam argumentar que, ao reduzir a jornada sem reduzir o salário, seria o mesmo que um aumento salarial. O presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Galassi, afirma que representaria um aumento de quase 30% dos salários. A Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) estimou que o custo da medida seria de R$115,9 bilhões ao ano para a indústria nacional, por conta das novas contratações que precisariam ser realizadas para manter o patamar de produção atual. Já Campos Neto, presidente do Banco Central, afirma que a produtividade iria diminuir, a informalidade iria aumentar, pois o custo do trabalho seria maior.

No geral, os defensores do capitalismo afirmam que haveriam 3 efeitos negativos para a economia  de imediato com a medida: 1) o custo seria repassado aos produtos e serviços tornando-os mais caros; 2) os salários teriam que ser diminuídos; 3) diminuiria a produção. Por isso, os liberais de plantão vivem perguntando quem pagará a conta disso, e alguns setores dos grandes capitalistas pedem contrapartidas fiscais, embora já ganhem muitas.

O que não dizem, porém, é que esses supostos 3 efeitos não são inevitáveis. Ou seja, é possível que todos trabalhem menos, não haja aumento nos preços e não haja redução dos salários e nem da produção. Para isso basta lembrarmos que há uma variável que eles não apresentam na equação: o lucro. As medidas que se apresentam como inexoráveis só teriam que acontecer pois se recusam a reduzir a sua taxa de lucro.

Estamos falando das grandes e maiores empresas no país que dominam a economia nacional. Por exemplo, o que representam R$ 119 bilhões de custo para um setor industrial que, em apenas uma empresa como a Petrobrás, distribui aproximadamente esta mesma quantia em dividendos a cada ano para os seus acionistas?

E o pequeno negócio?

Aqui, não estamos nos referindo a pequenos empresários ou pequenos negócios, comércios, etc. Estes são sufocados, em primeiro lugar, pelo próprio sistema financeiro através de juros abusivos e taxas exorbitantes. Mas também são massacrados pelas grandes empresas bilionárias que se utilizam do seu poder monopólico para destruir as menores, impor uma competição desleal e outras medidas que aumentam a sua lucratividade em detrimento dos pequenos. 

As pequenas empresas, de fato, necessitam de incentivo, benefícios e apoio para manter seus negócios com a redução da jornada. Mas quem recebe toda sorte de benefícios são as grandes empresas bilionárias. Seria preciso combinar a luta pelo fim da escala 6×1 com a sobretaxação das grandes empresas bilionárias capitalistas para prover financiamento barato e redução de impostos para os pequenos empresários.

E a economia?

Não seria negativo, contudo, para a economia arrancar os lucros dos capitalistas, já que é através destes lucros que este setor conseguiria reinvestir, aumentar a produção e gerar mais emprego e benefícios para o país? Primeiro que os lucros são exorbitantes. Não necessariamente porque a taxa de lucro seja grande no Brasil. Não é esta a questão. Mas porque o lucro dos capitalistas vai para os donos do capital, que são um punhado de gente. Então o que seria melhor: manter intocado os lucros dos 62 bilionários da lista da Forbes com os trabalhadores dos seus negócios morrendo de tanto trabalhar, ou que seu lucro seja diminuído para que milhões de trabalhadores possam trabalhar menos?

Sem contar que, na verdade, se vermos o patamar de investimento no Brasil, percebemos como a burguesia brasileira não está interessada em “investir” em nada. Ela aloca seu capital onde rende mais, em menos tempo e com menos risco. Por isso, investem no mercado financeiro lá de fora, e se ancoram nos títulos da dívida pública para seguir valorizando seu capital, mesmo quando não é possível investir mais em nenhuma empresa ou setor da economia.

Isto é assim pois o tamanho dos investimentos necessários, e sua lucratividade que é o motor do capitalista, não pode crescer indefinidamente a seu bel prazer. Ela depende da demanda, depende se há um mercado consumidor, que, majoritariamente, é composto por trabalhadores, com poder econômico suficiente para comprar os produtos. E aí também entra a importância da redução da jornada sem redução do salário. 

O fim da escala 6×1 é também para gerar mais empregos. Pois, para manter a produção atual com a redução da jornada será preciso contratar mais trabalhadores. Se num primeiro momento há um impacto no lucro do capitalista, no longo prazo há um crescimento do poder de compra dos trabalhadores com novos empregos, o que geraria mais demanda, e possibilitaria uma ampliação da produção e do consumo e, logo, um “crescimento econômico”. Por isso, inclusive, não faz sentido o terrorismo sobre inflação, dado também que nunca se viu um surto inflacionário por conta de redução da jornada ao longo da história.

Um sistema irracional e incontrolável

Aqui fica escancarada a irracionalidade do sistema capitalista. Pois, mesmo diminuindo a taxa de lucro imediato, com o crescimento econômico, o próprio capitalista poderia ganhar mais em termos absolutos. Porque, no capitalismo, o capitalista vai sempre ganhar. Mesmo com a implementação de uma medida favorável aos trabalhadores como a redução da jornada. Outra coisa é que, de fato, não adiantaria só ir reduzindo a jornada indefinidamente para ir gerando um crescimento infinito. Mas tampouco é do interesse dos capitalistas diminuí-la na medida em que  pudesse repartir o trabalho disponível para que todos pudessem trabalhar, e acabar com o desemprego.

De tal modo que, mesmo em um cenário onde todos os capitalistas forem obrigados a contratar mais, o que não geraria nenhuma distorção na competição, possibilitando assim um aumento da demanda (pois geraria mais emprego), possibilitando ali na frente o aumento da produção, um setor dos próprios capitalistas é contra, pois deseja apenas acumular o mais rápido possível o maior volume de capital em detrimento do conjunto da sociedade e dos trabalhadores em especial. Porque o que move o capitalista não é a geração de empregos, mas a busca por uma taxa de lucro, imediata, rápida, no maior patamar possível, com nenhuma preocupação sobre o que produz, para quem produz ou que necessidade supre a sociedade.

Luta por emprego, redução da jornada e uma vida digna é uma luta contra o capitalismo

É preciso jogar peso total na luta pelo fim da escala 6×1, para que haja uma redução da jornada de trabalho. Esta conquista seria imensa para os trabalhadores. Tem que incorporar mecanismos para que os bilionários capitalistas e as grandes empresas paguem com seus lucros exorbitantes esta conta. Esta luta é parte da longa luta histórica do proletariado contra os efeitos da exploração capitalista. Deve ser encarada também como ponto de partida para fortalecermos um programa de transformação radical desta sociedade capitalista, não só para remediarmos os problemas da exploração, mas acabar com ela.

É preciso exigir que o governo Lula deixe de corpo mole e não meça esforços para implementar esta medida. Mas, dado o arcabouço fiscal, o pacotaço contra os trabalhadores que será anunciado em breve, fica difícil acreditar que o governo fará algo de concreto em defesa do fim da escala 6×1. Afinal, fazem um governo para agradar o mercado e os capitalistas.

Por fim, cabe uma reflexão. Os apologistas do capital gostam de brandir no peito que o capitalismo triunfou e se provou na história como o sistema social e econômico perfeito. Que sistema é esse no qual a produção, a economia e a tecnologia crescem enormemente ao longo de décadas, mas que, para ser revertido em uma pequena redução da jornada, os trabalhadores devem se empenhar numa luta gigantesca?

Que sistema é esse que mantém a mesma jornada de trabalho desde 1988, mesmo com todas as mudanças que ocorreram na economia? Ou que todas as conquistas dos trabalhadores estejam sofrendo a contraposição daqueles setores capitalistas e reacionários que, se hoje se colocam contra o fim da jornada 6×1, lá atrás se colocaram contra a jornada de 12h, 10h, 8h, contra as férias, décimo-terceiro e, no nosso país, até contra o fim da escravidão? 

A produtividade no Brasil cresceu nas últimas décadas. Este ganho de produtividade nunca foi repassado aos trabalhadores, mas serviu para que as grandes empresas acumulem superlucros. A redução da jornada é a única forma de os trabalhadores se beneficiarem com o avanço da produtividade. Sem essa redução, eles só se ferram, sobretudo agora com a revolução tecnológica 4.0.


Comparação do crescimento da produtividade da indústria automobilística com o número de empregos no setor

Campos Neto, ao debater o tema, afirmou que o país não pode ter uma cultura anti empresário e anti empreendedor. Para ele os trabalhadores lutarem para trabalhar menos, ou receber mais, significa ser anti empresário ou anti empreendedor. Campos Neto nos explica a lógica do sistema capitalista. De fato, para que os trabalhadores ganhem, os grandes grupos capitalistas devem perder. E se o sistema capitalista coloca tantos empecilhos para que os trabalhadores trabalhem menos, ganhem mais e vivam bem, sendo incapaz de atender esta e outras reivindicações, então de fato é preciso uma cultura não só anti empresário, mas anticapitalista.

Ao abordarmos os argumentos dos defensores do capitalismo, vimos que, por trás do que consideram “efeito maléfico da redução da jornada”, está o próprio modo de funcionamento do capitalismo, que é um sistema que precisa ser destruído para que os trabalhadores tenham direito a trabalhar menos, receber mais e viver dignamente. Pois, ao contrário do que dizem os liberais, não são os empresários que geram empregos. Mas sim os trabalhadores que produzem o lucro do empresário. Se os trabalhadores produzem tudo desta sociedade, eles podem prescindir dos bilionários capitalistas que apenas parasitam o conjunto da sociedade.

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