Centro-Oeste

PPCUB: Um Desastre Urbanístico e Ambiental em Brasília

PSTU-DF

4 de julho de 2024
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Panorâmica do conjunto urbanístico de Brasília | Foto: Iphan/Nelson Kon

Eduardo Zanata e Almir Cesar Filho, de Brasília (DF)

Brasília, conhecida como a cidade utópica dos modernistas, está sob ameaça. O recente Projeto de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), aprovado de maneira obscura e antidemocrática pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), representa não apenas um retrocesso, mas uma catástrofe para o legado arquitetônico e para a necessidade da preservação das áreas da cidade.

O PPCUB foi concebido com o objetivo de proteger e perpetuar os ideais urbanísticos e arquitetônicos da concepção de Lucio Costa, mas o projeto aprovado pela CLDF caminha na contramão desses objetivos. O projeto original apresentado pelo governo do Distrito Federal já era bastante limitado e não atuava com uma lógica voltada a tornar o Plano Piloto acessível e inclusivo com a população de baixa renda, que historicamente foi “expulsa” do Plano Piloto para as cidades satélites e para os municípios de Goiás e Minas Gerais do entorno do Distrito Federal. Contudo, sob forte influência do setor imobiliário e hoteleiro na CLDF o projeto foi desfigurado e se tornou uma verdadeira aberração.

Modernidade e respeito ao meio ambiente

Lucio Costa idealizou Brasília como uma cidade que combinava modernidade com respeito ao meio ambiente, se tornando um importante marco da arquitetura e urbanismo a nível mundial. Diante disso, em 1987 Brasília foi tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

O tombamento abrange áreas como o Plano Piloto, Setores Sudoeste e Noroeste, Cruzeiro, Octogonal, Setor Militar Urbano e Candangolândia, preservando não apenas os edifícios, mas a lógica de organização urbana. Isso inclui a definição de usos e atividades permitidos em cada setor, as alturas e distâncias entre os prédios, a ocupação rarefeita na orla do Lago Paranoá e a preservação das áreas verdes como parte integrante do conceito de Cidade-Parque.

O PPCUB aprovado pela CLDF:

Muda a ocupação de áreas verdes, permitindo a construção de novos prédios;
Altera as permissões de uso de algumas áreas para instalar motéis, hotéis, novos conjuntos residenciais, e outros empreendimentos imobiliários em áreas que estavam destinadas a instalação de escolas, unidades de saúde e prédios destinados a ofertas de serviços públicos;
Permite a construção de resorts e conjuntos residenciais na orla do Lago Paranoá, inclusive em áreas que hoje são destinadas a preservação ambiental;
Altera o gabarito dos edifícios para aumentar a quantidades de andares permitidos no setor hoteleiro e em outras áreas do Plano Piloto;
Entrega todas as terras públicas do Plano Piloto para a gestão da TERRACAP (Companhia Imobiliária de Brasília), um empresa pública, que pela sua natureza jurídica consegue muito mais facilmente vender, ceder ou licitar terras e instalações públicas, se comparado ao GDF.

PPCUB voltados aos interesses dos grupos imobiliários 

Não é preciso muito esforço para perceber que o PPCUB aprovado está completamente voltado aos interesses dos grandes grupos imobiliários. Se implementado, o PPCUB pode levar o Plano Piloto a ter mais 130 mil habitantes, aumentando o adensamento populacional em 65%, e, consequentemente, aumentando os problemas de infraestrutura urbana na região.

Hoje o Plano Piloto tem cerca de 200 mil habitantes. No entanto, o PPCUB não prevê a criação de nenhum projeto habitacional destinado a pessoas de baixa renda ou vinculados ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, que já um programa bastante limitado e muito mais voltado aos interesses das grandes construtoras.

Ou seja, esse adensamento populacional não vai significar a democratização do Plano Piloto, como defendem alguns deputados distritais, sem nenhum pudor de mentir descaradamente.

Um ataque ao meio ambiente e a integridade do Lago Paranoá

A autorização para construções em áreas antes destinadas a espaços verdes e preservação ambiental, como às margens do Lago Paranoá, representa um grave retrocesso. Essas áreas não apenas oferecem um respiro ecológico crucial em um ambiente urbano, mas também são essenciais para a biodiversidade local e para o equilíbrio ambiental da região.

Hoje o Lago Paranoá já é uma reserva hídrica importante para o abastecimento de água do Distrito Federal, ainda que atualmente atenda menos de 5% da população. Há alguns anos o Distrito Federal sofreu com uma crise hídrica e o racionamento de água e, esse quadro, infelizmente deve se repetir em função das mudanças climáticas. Estudo publicado na semana passada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) preveem que, se não houver mudança no uso das reservas da Barragem do Descoberto, que atende quase 70% da população, essa reserva hídrica pode secar em 2040. Segundo o relatório, baseado em alguns modelos de mudanças climáticas, até 2070 o Distrito Federal deve ter um regime de chuvas 30% menor do que em 2024.

Uma intervenção urbana agressiva, como propõe o PPCUB, na orla do Lago Paranoá pode comprometer essa reserva hídrica para o abastecimento da população.

Além dos danos ambientais, a ocupação da orla por empreendimentos particulares vai privatizar parte do Lago Paranoá e limitar o acesso da população, que usufrui do lago para lazer, esportes e inclusive para pesca artesanal de subsistência.

Veto total ao PPCUB

É preciso exigir do governador Ibaneis Rocha (MDB) o veto total ao PPCUB e a elaboração de um novo Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, construído de maneira democrática com efetiva participação dos trabalhadores e movimentos sociais.

Ibaneis já anunciou que deve vetar alguns dos pontos do PPCUB que foram modificados pela CLDF, mas isso não vai alterar de conjunto o caráter desse projeto e o risco que ele representa para o patrimônio arquitetônico e a preservação ambiental. É preciso refazer o PPCUB, garantido efetivamente a participação dos trabalhadores e dos movimentos sociais.

Esse novo plano, além de se dedicar a preserva o patrimônio histórico, arquitetônico, ambiental e cultural de Brasília deve estar voltado a democratizar o Plano Piloto e a orla do Lago Paranoá e romper o ciclo de exclusão social e higienização social que se efetivou no Distrito Federal desde a sua fundação.

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