Opinião

Por que rompo com a CST-UIT para entrar no PSTU-LIT?

Leia na íntegra, e sem edição, carta enviada à redação

Manoel Sousa, de Campinas (SP)

5 de dezembro de 2024
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“Mas não estamos perdidos e podemos vencer, se não esquecemos como se aprende. E se a atual direção do proletariado, a social-democracia, não souber aprender, desaparecerá “para dar lugar aos que estão à altura do novo mundo” 

(Rosa Luxemburgo, Panfleto de Junius ou A crise da social-democracia).

Seguem os motivos que me levaram a romper com a CST-UIT após 9 anos de militância comum, entre idas e vindas de afastamentos. Militei em secundaristas durante 2015/2016, na Unicamp a partir de 2017, estando como Diretor de Universidades Públicas da UNE em 2018 pela antiga Oposição de Esquerda, e na oposição sindical dos municipários de Campinas (CTL) de 2023 até o primeiro semestre de 2024. Acredito que as reflexões e conclusões que seguem podem interessar quem esteja buscando os melhores meios para que a classe trabalhadora tome o poder e construa o socialismo, e também a melhor forma para desenvolver a ferramenta para que uma revolução socialista triunfante seja possível: o partido revolucionário. 

O mundo em que vivemos é totalmente diferente dos anos 80, quando da morte de Moreno, ou dos 90, quando da explosão da LIT e da fundação da UIT e outras tendências trotskistas como a FT. A minha geração não viu a queda do muro nem a restauração capitalista na URSS. Também não tivemos expectativa no PT. Vivemos Junho, o declínio do PT, a ascensão da extrema-direita e do bolsonarismo, a maior greve geral da história do Brasil, marchas massivas dos povos indígenas e da classe trabalhadora contra o Congresso Nacional e também uma tentativa de golpe orquestrada pela extrema-direita. Hoje, no Brasil, a “esquerda” quase de conjunto capitulou a Frente Popular – desde uma localização de frente popular de combate, que “critica as medidas reacionárias e apoia as medidas progressistas”, ou via adesão direta.

Quando comecei a refletir sobre as questões políticas, programáticas, teóricas e históricas da minha crise na CST-UIT, pensei tratar-se de um desvio empirista, de despolitização, passível de correção. No entanto, conforme se notará pela leitura, as diferenças são de concepção teórica e práxis em relação à: concepção de construção do partido, intervenção na luta de classes, superestrutura e estrutura, agitação e propaganda, vanguarda e consciência, programa de transição, PSOL e Frente de Esquerda – e demonstraram-se qualitativas.  

Luta econômica, política e teórica/ideológica

Os marxistas devem travar uma luta que “(…) se conduz em suas três direções: teórica, política e econômico-prática (resistência contra os capitalistas) (…)” (Engels, As guerras camponesas na Alemanha). Nesse sentido, Moreno foi, após a morte de Trotsky, o dirigente mais consequente em aplicar essa batalha, dando grande atenção às lutas teóricas ou ideológicas. Em primeiro lugar, porque travou uma disputa histórica no interior da Quarta Internacional contra o revisionismo mandelista, pablista, a capitulação do lambertismo e do SWP. Em segundo lugar, porque se preocupou em acompanhar e estudar a sempre nova realidade histórica, e responder desde uma posição marxista e revolucionária às principais tendências teóricas – que provinham ou não do interior do movimento operário e militante – desde as elaborações das ciências positivas à intelectualidade acadêmica.

Nenhuma tendência que se reivindica como continuidade do morenismo conseguiu sustentar, após a morte de Moreno, o peso e relevância da disputa ideológica que ele dava contra as principais correntes de pensamento. Na verdade, o que vimos desde a intervenção das correntes morenistas foi um giro economicista e movimentista. Assim, com Lenin, se faz necessário retomar nossa tradição onde: “Engels reconhece na grande luta da social-democracia não duas formas (a política e a econômica) – como se faz entre nós – mas três, colocando a seu lado a luta teórica.” (Lenin, que fazer.) No entanto, me parece que para a CST apenas a luta política e econômica são tomadas como processos de luta de classes porque são as únicas que se dão: a) Desde a ação da classe, nos locais de trabalho, por pautas econômicas ou corporativas; b) Desde às ruas, contra a patronal ou os governos e em torno de alguma pauta econômica e/ou política. Essa concepção tem consequências graves, isola a luta ideológica como um processo à parte da luta de classes, considerando como luta de classes apenas o que coloca a classe em movimento político/econômico ou ação imediata.

Só que a realidade é uma totalidade que compreende em si a “superestrutura” e “estrutura”, um recurso conceitual que permite separar idealmente aspectos da realidade para investigá-la mas que, na verdade, são uma só unidade. Em cada local de trabalho, estudo ou moradia há consciências que podem ser disputadas para um programa revolucionário. Mas a consciência está em sujeitos concretos, nada fora da realidade, que tem sua concepção de mundo. Ainda que possam existir processos de luta sindical ou política, a consciência dos indivíduos não é homogênea, incorpora aspectos parciais da realidade e tira conclusões. É, portanto, mediada pela formação social capitalista, as condições materiais de existência dos indivíduos perpassadas pela alienação do trabalho, e pelo conjunto das concepções de mundo que circulam. Daí a necessidade de um partido para intervir, nas lutas e fora delas, fazendo a disputa de consciência para seu programa, que é baseado nas necessidades objetivas da classe, e para que as lutas não parem nas pautas imediatas que as fizeram surgir. 

Pensar uma consciência em disputa fora da objetividade é idealismo. Pensar a disputa de consciência a partir apenas dos processos de luta econômica ou política, ou colocar em um lugar privilegiado estas em detrimento da combinação com a luta ideológica, é abandonar a disputa séria da vanguarda e a possibilidade de construção de direção para a classe que passa por ganhar a vanguarda para o partido. Não se trata, como a CST entende a partir da sua leitura do livro o Partido e a Revolução de Moreno, de tratar a vanguarda como um fenômeno da ação na luta econômica política. Quem está na vanguarda dos processos de luta não está, necessariamente, mais próximo do nosso programa, enquanto que um indivíduo que não esteja fazendo greve pode estar muito próximo dele, ainda que na luta muitas vezes a consciência avance, porém não necessariamente ou mecanicamente. As combinações da consciência em relação ao programa do partido são inúmeras, dado que ela não é apenas “falsa consciência”, mas contraditória e viva, um fenômeno concreto em movimento que se modifica. Assim, não há um esquema pré-estabelecido para o desenvolvimento da consciência em relação ao programa do partido. Essa concepção da CST leva a não considerar a vanguarda da forma como Lenin tratou em O que fazer, partindo da ideia de “operários avançados” ou seja, aqueles que estão mais avançados do ponto de vista da consciência em relação ao nosso programa.

Moreno, no Partido e a Revolução, dá uma batalha contra a capitulação cometida pelo SU de ontem e de hoje, onde se faz necessário ganhar a vanguarda justamente para um programa revolucionário e não aderir aos limites programáticos dela. E também para que o programa responda a necessidade das massas levando em conta a consciência, diferente dos reformistas que levam em conta apenas a consciência e terminam sempre por capitular a consciência atrasada, burguesa e reformista da massa. Ao contrário do mandelismo, que sempre trabalhou com uma concepção de “consciência científica” em que o desafio supostamente seria ensinar a vanguarda e operários o método marxista e estudar o Capital. Não à toa seus quadros vão todos à academia e se alojam em grupos de pesquisa como um fim, e seus dirigentes, quando não parlamentares, são… professores universitários ou projetos de. 

A CST define que as reelaborações programáticas que a LIT tem feito seriam um revisionismo de Moreno e que, pela fresta dessa negação conceitual sobre vanguarda, abrem-se as alas para o Mandelismo preenchê-la. Creio que a CST tira uma conclusão mecânica, já que não é preciso Mandel para tampar nenhum buraco. Trata-se, na verdade, ancorados na sólida elaboração de Lenin acerca da vanguarda, da correção de uma visão unilateral do que seria a elaboração de Moreno, sustentada até hoje pelos “morenistas” da UIT. Se Mandel isola a superestrutura ideológica da estrutura e das relações de trabalho, buscando uma consciência científica por meio de uma luta ideológica puramente; a CST, por outro lado, isola a superestrutura ao não considerar a disputa de consciência, desde a propaganda e a disputa ideológica da vanguarda, como inerente à estrutura, e se restringe a ação e ao desenvolvimento das lutas sindicais e políticas, para concretizar a disputa de consciência desde a ação e palavras de ordem que incidam no interior das lutas.

Evidência desse esquema é a forma como a CST trata o tema das opressões. Após ter encaminhado em seu congresso nacional, há anos, comissões para elaborarem um programa para negros e LGBTQIA+, o resultado foi o esvaziamento de cada uma das comissões e suas posteriores dissoluções. O único documento que foi de negros, praticamente um dossiê sobre os ataques do PT ao povo negro, escrito por uma militante que hoje também não esta mais na corrente e que acabava por ocupar o único lugar de elaboradora a sobre a questão no partido quando ainda militava. Esse desprezo se dá justamente porque para a CST o que importa é dar respostas imediatas à conjuntura e, ao desvincular estrutura e superestrutura, a pauta de opressões se expressa fundamentalmente em: mais verbas para políticas públicas e atendimento de pautas imediatas que estejam em curso dos setores oprimidos e afirmações genéricas contra o machismo, feminicídio, racismo, chacinas, LGBTfobia etc. Não me parece nada sério ou dialético e só expressa um desprezo pela teoria, uma incapacidade de realizar elaborações que respondam a realidade e fujam dos esquemas de palavras de ordem.  

Não à toa a UIT define que hoje há uma grande vanguarda das massas em luta e que a principal tarefa é disputá-la. Infelizmente, essa armação não responde ao problema da disputa ideológica da vanguarda enquanto fenômeno concreto, que se expressa para além das lutas econômicas-políticas. Ficam desarmados para disputar a vanguarda desde a propaganda, ainda que lancem livros e revistas, já que não tratam a disputa da consciência da vanguarda como o central desde uma concepção que combine as três lutas. A disputa ideológica, que tem como centro a disputa de consciência contra a visão de mundo determinada da vanguarda e da nossa classe, fica em segundo plano, sendo a ação o fundamental. 

Como se constrói o partido revolucionário? Agitação e propaganda

A CST elabora que o eixo dos partidos revolucionários deve ser a agitação de palavras de ordem que respondam a luta de classes. Então traça um esquema onde: a) ao intervir nos processos de luta econômica e política, tendo palavras de ordem corretas e uma política de construção correta, batalha-se para ganhar a vanguarda de lutadores (da luta econômica e política); b) Conquistando espaço para dirigir os processos (econômicos e políticos), e passando a dirigi-los efetivamente, é possível que o partido se desenvolva como referência para superar a crise de direção; 3) Que pelo acúmulo entre dirigir lutas econômicas e políticas, sendo reconhecido pela vanguarda dessas lutas e a ganhando para a agitação do partido, o partido se tornaria a direção da maioria da classe trabalhadora. Assim, de luta em luta, superaria a crise de direção revolucionária. Resulta numa máxima onde “O partido só pode se construir por meio das lutas”, uma concepção sindicalista e economicista. Por isso que a maioria das matérias do jornal da CST são dedicadas às “lutas”, e os textos que abordam outros temas recaem num monolitismo político em que afirmam as mesmas consignas imediatas gerais, sem explicar os porquês, privilegiando apenas apontar “o que”. 

Como consequência, sem levar em conta o desenvolvimento do partido, a CST coloca a intervenção nos processos como centro absoluto, mesmo que ela seja um pequeno grupo de propaganda. O tamanho importa porque diz respeito às possibilidades concretas de intervenção. Ao dar toda essa bola para a agitação de tarefas conjunturais, esquece-se que o que possibilita que mais trabalhadores cheguem à conclusão de construir um partido para a revolução socialista é justamente a propaganda. Ganhar a vanguarda, que dirige não apenas os processos de luta mas que é referência concreta para a classe, a partir da sua localização enquanto vanguarda – esse é o sentido de vanguarda que não isola a “superestrutura” da “estrutura” – o que só pode se dar por meio de uma encarniçada luta ideológica com a consciência concreta da vanguarda, sem recuar um milímetro no programa do partido. 

O que possibilita que uma consciência esteja ganha para um projeto de tomada do poder é a disputa ideológica. Estar ganho para uma consigna ou tarefa não é estar ganho para um projeto revolucionário, e sim para uma medida imediata, uma ação que expressa uma política conjuntural. Enquanto não tivermos ganho a vanguarda não podemos avançar para dirigir o movimento de massas, é o primeiro passo para pensar a ação revolucionária da tomada do poder. O que, evidentemente, não quer dizer que o programa e a política dos revolucionários deva responder aos anseios da vanguarda; a política deve sempre responder às necessidades objetivas das massas e dialogar com a sua consciência, tal qual Moreno elaborou. 

Os bolcheviques são o melhor exemplo de que a batalha pela consciência da vanguarda foi o centro (mesmo com um duplo poder instituído): até Outubro a grande batalha foi para ganhar a maioria nos sovietes, na vanguarda, para então postular a tomada revolucionária do poder. As Teses de Abril só se concretizam com a maioria nos sovietes, a ação só se efetivou pela mediação de uma incansável propaganda que “explicava pacientemente”. Com Moreno: só vamos ao poder se a classe trabalhadora vai ao poder. E isso só é possível se ganharmos a vanguarda que dirige as massas e nos tornemos no partido de vanguarda da classe operária. A conquista da vanguarda antecede a tomada do poder, única forma de mantê-lo. 

Como essa concepção se expressa na política da CST

A CST, no entanto, ao ter um programa que é calcado fundamentalmente em dar respostas imediatas aos problemas da classe trabalhadora – o que é correto apenas como ponto de partida – e ao se localizar como oposição de esquerda ao governo Lula-Alckmin e governadores e chamar a lutar contra as suas medidas, sempre teve como fim máximo do seu programa a auditoria e não pagamento da dívida pública. Recentemente, a CST passou por uma armação programática  e política em que se incorporou como consignas: “Por um governo da classe trabalhadora!” e “Por um Brasil socialista!”. Isso é uma resposta parcial para a identificação de um problema real, já que ainda que coloque essas consignas nada é explicado. Essa é uma concepção errada do programa de transição, já que não se propõe a explicar a realidade e como seria possível conquistar um governo da classe trabalhadora e um Brasil socialista. 

Dois exemplo ilustrativos: 

  • A tática dos revolucionários frente às eleições burguesas

A CST lançou um programa eleitoral que se enfrentava com o PT e a extrema-direita. No entanto, conforme as teses sobre a tática parlamentar da IC nos seus primeiros anos, que estudamos e discutimos em escola de quadros da CST-UIT, inclusive, é preciso: a) Afirmar que apenas a luta pode trazer mudanças de fundo, nao nutrindo expectativas nas eleições e na democracia burguesa não vão resolver nossos problemas;  b) Denunciar o regime e suas instituições, no qual está ancorado o processo eleitoral; c) Divulgar a necessidade de uma revolução socialista.

Assim, ao se realizar uma campanha eleitoral, ela têm de contar com esse conteúdo, já que trata-se de denunciar não apenas os governos ou patrões, mas o regime de conjunto, a democracia burguesa. É fundamental, e deve constar no programa de qualquer organização que se propõe a uma revolução, a crítica e denúncia sistemática às mazelas do regime com o qual se defronta. No entanto, no texto “Por que a CST participa das eleições”, no Combate Socialista 1/Abril 2024, a CST apenas denuncia os limites da institucionalidade e do pacifismo, assim como criticam o PT e o PSOL. Mas nada falam contra o regime ou a formação social. No caso particular do Brasil, seria necessário: explicar o processo eleitoral como um mecanismo da burguesia para a manutenção do regime democrático burguês; que o processo eleitoral se dá via exclusão dos partidos que não tem representação parlamentar suficiente para ultrapassar a cláusula de barreira; que, na medida em que o dinheiro joga papel em relação às eleições, deve-se demonstrar que tal distorção demonstra a falsa democracia que vivemos, o que também tem a ver com denunciar as desigualdades sociais do ponto de vista da divisão da sociedade em classes e a necessidade de pôr fim a ela por meio de uma revolução socialista.

Portanto, explicar a necessidade da revolução socialista passa por explicar que se trata de acabar com essa forma de organização da sociedade e substituí-la por uma democracia direta dos trabalhadores desde sua auto-organização. Denunciar o regime, suas instituições, as eleições, passa por apresentar e explicar a realidade e o porque é necessário uma revolução que rompa com essa falsa democracia. No entanto, a CST se limita a agitar suas “novas consignas” em falas ou usar como ponto final dos textos, sem explicar o porquê ou o como. Uma práxis marxista durante o processo eleitoral deve, portanto, ser calcada em aplicar as tarefas colocadas pela IC o que, no atual momento do desenvolvimento dos partidos revolucionários ao menos, significa ter uma práxis centradas na explicação da realidade – o que se dá por meio da propaganda, da disputa de consciência, ou seja, uma luta fundamentalmente ideológica. 

  • Por um governo dos trabalhadores e um Brasil socialista?

No artigo do Combate Socialista n° 189, “Como conquistar um Brasil Socialista?” a CST se dedica a descrever como será a mobilização necessária, e futura, para conquistar um Brasil socialista. Assim, deixam de lado a revolução necessária a ser preparada desde a dualidade dos poderes e o assalto ao poder, não explicando a estratégia e concepção da revolução socialista. Não se fala em classes sociais e seus principais projetos em campo, abordando apenas os ataques imediatos dos governos. Não trata da crítica ao regime democrático burguês nem defende uma revolução que rompe com ele e instaura um novo, soviético, socialista, apenas delimitam em que “campo político” estão do ponto de vista eleitoral. 

Passam a uma série de medidas de um “programa operário e popular” que só seriam conquistadas com um governo da classe trabalhadora e um Brasil socialista. Em geral, todas as medidas que propõe a CST não estão erradas e na verdade se aproximam em muitos aspectos do programa para a crise no RS que o PSTU lançou. O problema é que ao passar para um problema que não está se dando no agora, no imediato, a CST apenas trata de descrever o futuro e não de explicar a necessidade do projeto socialista. Ao passar para o plano ideológico a CST só consegue dizer respostas imediatas, econômicas e políticas que, se levadas a cabo pelo movimento de massas, de fato se defrontariam com o capitalismo. O problema é que é preciso explicar a realidade e o nosso projeto, não só dizer, agitando, o que fazer como se já fosse um pressuposto o entendimento da necessidade dessas medidas. 

Fazem apenas a agitação sem a explicação, sem a propaganda, que segundo Lenin a complementa e acompanha, existindo uma relação encadeada entre as duas. Descrevem o programa de transição como “um sistema de reivindicações que se volte cada vez mais diretamente contra as estruturas e instituições do bilionários capitalistas (…) que partem das atuais condições e consciência de amplas camadas da classe operária e conduzem, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pela classe trabalhadora e setores populares. (…)”. Pode ser que aos dirigentes da CST o programa que apresentem leve a essa conclusão. Para os operários e trabalhadores, no entanto, é preciso explicar, gastar saliva e tinta. E não são os dirigentes da CST mesmo que definem o tamanho das matérias dos jornais? Claro que são, mas decidem dedicar a maior parte da imprensa para tratar das lutas econômicas e políticas. Essa superficialidade, que foca em afirmar o que fazer e não o motivo de fazer, demonstra os limites da concepção do programa de transição da CST, que fica atado apenas à conjuntura e ao possível ascenso da classe – que, infelizmente companheiros, nunca é eterno. 

Ainda, a agitação – chamada de propaganda – por um governo dos trabalhadores e um Brasil socialista não responde ao problema da elaboração programática para a revolução brasileira, dadas as mudanças profundas na realidade. Ao meu ver, esse é um esforço que ainda está em curso, que o livro da Mariucha Fontana “O Brasil precisa de uma revolução socialista” começa a dar, e que passa por investigar os novos fenômenos objetivos que configuram o Brasil e sua localização no sistema internacional de Estados. Nesse sentido, o desprezo por refletir as mudanças do país por parte da CST é evidente, sendo mal visto mesmo uma reflexão sobre a nova situação da indústria ou da configuração da classe trabalhadora.

Assim, ao fazer agitação a CST acaba por fazer uma agitação econômica. E, ao fazer propaganda, ocorre uma substituição da propaganda por uma agitação longa, restrita ao economicismo. Subestima-se a necessidade de explicar a realidade e o programa a fundo, a batalha por compreender o mundo em suas mudanças e explicá-las, um grande problema que atentou contra o morenismo nas últimas décadas e que a CST nem sequer vê como questão a ser enfrentada. Assim, formam-se gerações ganhas para lutar contra os governos e patrões e não se prepara um partido para a tomada do poder, para uma revolução social.

A Frente de Esquerda (FIT-U) e a Frente de Esquerda ou polo defendidos pela CST

A CST há anos defende no Brasil a proposta de uma frente de esquerda que aglutine o PSTU, MRT, UP, PCB e PCBR. Quando no PSOL, a CST também defendia o PSOL nessa composição e, durante as eleições de 2022, quando surgiu o Polo Socialista e Revolucionário, chamava a esquerda do PSOL para compor essa proposta de frente. Partem da suposta definição de Moreno de que com partidos que sejam compostos por trabalhadores é possível fazer alianças eleitorais, sendo que as táticas eleitorais e políticas de Moreno foram múltiplas e distintas ao longo de sua trajetória. Ainda, vão mais além e defendem que essas alianças devem ser permanentes por meio de uma frente política e programática comum. Mas as táticas sempre dependem da situação. Vejamos de perto a situação que possibilitou a formação da FIT na Argentina, que é defendida como exemplo para a formação de uma frente de esquerda no Brasil e se essas condições se dão também no Brasil.

A FIT-U é uma frente eleitoral e programática que foi fundada em 2011 para que os partidos trotskistas pudessem ultrapassar o que seria a cláusula de barreira. Assim os três principais partidos da FIT-U, PTS, PO e IS, conseguem participar do processo eleitoral com tempo de TV, rádio, participação nos debates etc. Não há disputa de vanguarda na Argentina por fora da FIT-U, tendo ela se consolidado como terceira força eleitoral do país. Lá os partidos trotskistas contam, cada um, com milhares de militantes e figuras públicas consolidadas que ocupam o parlamento. Exagera, ou mente, quem diz que a FIT-U vai além de uma frente eleitoral e que se afirma como uma frente unificada para as lutas, sendo o Plenário do Sindicalismo Combativo a única iniciativa desde o ponto de vista das lutas extra-eleitorais, que se sustenta em vínculo fundamental com o PO e IS que compõem FIT-U. Não há unidade da FIT-U sequer para as eleições de centros acadêmicos, que dirá para os sindicatos ou frentes de luta.

No entanto, a UP não é o PTS, nem o PO o PCB nem tão pouco o PSOL, ou sua esquerda, o MST. Mais importante ainda: o Brasil não é a Argentina. Uma Frente de Esquerda se formaria com setores que tem como projeto a reedição da Frente Popular com um discurso supostamente revolucionário, como é o caso da UP e PCB, ou crítico /anticapitalista, como o PSOL, que não defendem uma revolução socialista e/ou consideram alas da burguesia progressistas ou aliadas programáticas – não apenas momentâneas desde uma unidade e enfrentamento ou frente única frente ao “fascismo”. Todas essas organizações capitulam à Frente Popular. Uma frente eleitoral levaria a não apresentarmos o programa dos revolucionários, dado que um programa comum com essas organizações não se enfrenta com a burguesia/seus projetos políticos, seu regime e formação social de conjunto. Ainda, sequer seria possível delimitar um programa contra a Frente Popular, de oposição de esquerda revolucionária ao PT, dado que não são oposição ao atual governo. Ou por acaso a CST cogitou em algum momento o apoio às candidaturas majoritárias da UP ou PCB? Com certeza não, porque partem da concepção de que eles tem um programa reformista e frente populista. No entanto, não levam em conta a disputa programática e delimitação necessária frente a essas correntes para combater seus projetos. A situação se complica ainda mais quando a CST-UIT defende a criação de Frentes de Esquerda por todo o globo e em todas as situações, transformando uma tática possível em uma estratégia permanente.

Nesse sentido, durante anos a CST defendeu a necessidade de aglutinar os “que não trocaram as ruas pelos gabinetes”, “unir os lutadores”, em todas as oportunidades eleitorais que se apresentassem, não apenas nas eleições burguesas mas também nos Centros Acadêmicos, DCEs, grêmios, sindicatos etc. Essa supostamente seria uma política para aglutinar um polo de independência de classe. Se a tática depende da situação, é bastante correto montar chapas para derrotar a burocracia sindical ou estudantil junto a outros setores quando se apresentarem condições que confluam nesse sentido. É uma necessidade, por exemplo, uma oposição majoritária da UNE que defenda a democracia de base frente às manobras burocráticas da Majoritária (PT/PCdoB) e a sua linha auxiliar (direita do PSOL, em especial a juventude sem medo, e a dita esquerda do PT). Assim como é preciso fortalecer a CSP-Conlutas frente a CUT e CTB. No entanto, ao se ter uma política de frente permanente com o reformismo, dilui-se o perfil político da organização e apresenta-se uma mediação de programa, o que significa um rebaixamento programático. Foi assim que, durante anos, antes e depois do impeachment, a CST defendeu chapas em comum com a esquerda e direita do PSOL na base das universidades, apresentando como um só campo político os reformistas e revolucionários. Essa é uma política errada pois capitula ao reformismo privilegiando ter “mais audiência” e apostando tudo nos processos de luta que virão.

O acerto do Polo é ter sido uma política eleitoral que buscou aglutinar a vanguarda frente a capitulação do PSOL à Lula e a polarização do Lulismo com o Bolsonarismo nas eleições. Graças a ele foi possível apresentar uma política de independência de classe. Se o Polo não foi capaz de aglutinar uma vanguarda representativa, que poderia justificar sua continuidade, não faz sentido seguir em uma frente entre distintos programas que competem entre si. Qual o sentido de manter uma frente no terreno eleitoral se o único partido legalizado é o PSTU e há uma diferença qualitativa entre o tamanho das organizações, sendo o PSTU a maior delas? As condições da Argentina para o Brasil são qualitativamente diferentes, aqui só significaria o PSTU mediar seu programa e perfil para dar espaço a outras organizações, não a superação de uma cláusula de barreira anti-democrática que permitiria a apresentação de um programa de independência de classe com audiência nacional e, principalmente, a aglutinação de uma vanguarda nacional desde um programa com independência de classe como é na Argentina. 

Porque seria mantido uma frente programática para uma atuação conjunta na luta de classes se já existe a Conlutas? Ou não são as coordenações nacionais da Conlutas e suas CENs, de fato, objetivamente, um fórum que aglutina as organizações revolucionárias? Já não se processa ali o debate do melhor da vanguarda organizada do movimento sindical? Não reflete ali já as posições do conjunto das organizações que construíram o Polo, podendo ser encaminhado de forma conjunta ações coletivamente? Está correto não manter indefinidamente o polo, na medida em que significaria uma frente programática de debates permanentes e que, do ponto de vista prático não haveria diferenças para o que já podemos fazer hoje na Conlutas. Ou não é possível votar campanhas comuns na Conlutas? Não pode-se votar atividades para a luta de classes de forma comum, desde atos a mesas de debate? Ou não estão expressas nas mesas de debate nacional e internacional das coordenações nacionais a representação de todas as forças? Nesse sentido, creio que é sim possível que a CSP-Conlutas possa avançar mais, para aparecer como bloco sindical e popular, desde um perfil e programa que enfrente a conciliação, a extrema-direita, as burocracias sindicais e o regime/sistema capitalista, sendo um aglutinador não apenas da vanguarda sindical e popular mas também das organizações com independência de classe e dos revolucionários. 

PSOL

A CST não explica o porquê, após 20 anos de um suposto papel progressista em relação à luta de classes, o PSOL cessou de ser progressista apenas quando entrou no governo Lula. Não explica o desenvolvimento concreto do PSOL desde sua dinâmica interna enquanto objeto-sujeito histórico. A fundação do PSOL como partido, que aglutinou reformistas e figuras como Heloísa Helena e João Fontes, teve um grande papel da CST. A CST sempre foi uma corrente pequena mas nunca marginal do ponto de vista da luta de classes. Mas os esforços para fundar o PSOL resultaram num partido com programa que não fala de revolução. Não foi preciso retirar a ditadura revolucionária do proletariado do programa, como o NPA, porque o PSOL já nasceu sem ela. Nesse sentido, a greve dos servidores públicos federais, a primeira categoria nacional a se enfrentar com o primeiro grande ataque do governo Lula 1 é tomada como justificativa para definir que a fundação do PSOL, como um processo objetivo que se impôs pela luta do momento. Acredito que se trata de um exagero da CST. Ruptura da classe com a sua direção foi o que se deu nos anos 80, culminando na fundação da CUT e do PT; não há nenhum paralelo plausível, de proporção e impacto, entre esta situação e a votação da reforma da previdência de Lula que terminou o mandato em torno dos 80% de aprovação. O problema é que é preciso ter linha política e ideológica para correntes e organizações que rompem com o reformismo ou se deslocam em relação a ele. No entanto, não é possível realizar nenhum rebaixamento programático nessa relação com o reformismo, do ponto de vista do programa. 

De fato, o PSOL de ontem não é o mesmo de hoje. O PSOL das origens tinha uma localização clara de oposição ao projeto lulista e ao petismo. Nesse sentido, era um partido independente do governo com um programa reformista. A entrada de parlamentares petistas durante o mensalão fortalece uma ala à direita no partido que passa a dirigi-lo. De lá para cá se deu um deslocamento cada vez maior em direção a institucionalização e afirmação evidente de um projeto reformista, não o contrário. A dinâmica do PSOL, enquanto partido reformista com correntes centristas e reformistas, um partido de tendências como os partidos anticapitalistas do SU, foi limitada à crítica aos governos no seu primeiro momento e à adesão ao lulismo no seu segundo. No entanto, a virada provocada pelo impeachment, que colocou toda a esquerda, o PSOL quase que totalmente, a reboque do PT, de fato foi o salto de qualidade que assegurou a passagem do primeiro momento (independente do PT e do governo, do ponto de vista da política ainda que programaticamente o próprio PSOL se propusesse a uma reforma do capitalismo) para a entrada no campo governista. A CST, mesmo com base na elaboração de que o fundamental é a agitação e a resposta econômico política para a situação imediata, e não a disputa da consciência, não consegue explicar o porquê os 20 anos de PSOL foram progressistas. Se adicionarmos à reflexão o problema da disputa da consciência, da batalha ideológica pelo socialismo e pela revolução, contra o regime capitalista, então o PSOL, ao se desenvolver como partido, alimentou um dique de contenção reformista à esquerda do PT. 

A direção de um processo não é a mesma coisa que sua base militante ou a base ampla/movimento que aglutina em torno de si. A direção do PSOL mudou ao longo da história. Se antes tínhamos, até 2015, um bloco de esquerda unificado, a maior parte da esquerda do PSOL aderiu à majoritária frente ao impeachment de 2016. Com a adesão de Boulos ao PSOL, ocorreu um aprofundamento dessa localização:foi a primeira eleição presidencial que se disputou após o giro em direção ao PT que o PSOL deu. 

Como um fenômeno progressista vai a um governo capitalista? Há alguma história que explique, mas não para a CST, que não trata disso nem nos seus textos públicos ou nas reuniões que tive com seu Executivo, quando da minha crise de ruptura. Agora, cabe perguntar, um papel progressista em relação a que? Isso a CST também não responde, em seu balanço do PSOL recentemente publicado no Correio Internacional. É progressivo pois não aderiu ao governo Lula em sua gênese? Sim. É progressivo em relação à tarefa de disputar a consciência para uma visão de mundo e uma organização de combate que luta por uma revolução socialista? Não. Na verdade, cumpre um papel reacionário na medida em que as figuras públicas são veias de disseminação de ilusões em relação à democracia burguesa. Como ala à esquerda dentro do PSOL, creio que a CST deu batalhas corretas em relação a crítica ao Lulismo e teve uma política frente a extrema direita que não minimiza seu risco ao mesmo tempo em que não capitula ao PT; no entanto, creio que o PSOL exerceu uma pressão que aprofundou esse desvio economicista da CST, se tornando um modus operandi. 

Não se trata aqui de uma crítica ao Babá individualmente, companheiro histórico do trotskismo brasileiro, que merece muito respeito, mas uma crítica à concepção da CST. Mas, mesmo na intervenção no parlamento, quando do mandato do camarada Babá no RJ como vereador, o eixo sempre foi ir para todas as lutas da cidade, uma concepção esquemática de parlamentarismo sindical. Se a tática era estar no PSOL para disputar a vanguarda, e é verdade que o PSOL aglutinou no seu primeiro momento muito da vanguarda ideológica e política, fizemos muito mal, dado que a vanguarda se capta, novamente, com propaganda e luta ideológica e não apenas desde a agitação política ou intervenção nas “lutas”.

Eleitoralmente, a CST fez campanha para figuras reformistas, sem uma cara própria que denunciasse os limites da democracia burguesa e a necessidade do socialismo, limitando-se a crítica da relação de proximidade do PSOL com o PT ou outras variantes políticas do reformismo ou propriamente burguesas com as quais o PSOL se colocava, como a REDE, PV, PDT, PCdoB etc., de figuras reformistas como Freixo, Edmilson ou mais recentemente Boulos em 2018 e 2020. Ou seja, a crítica parou na política imediata. Nada de revolução, nada que desmascare os reformistas enquanto projeto de gestão da sociedade capitalista.  

O problema, aliás, não é ter política para dialogar com as expectativas frente a fenômenos eleitorais do reformismo, como foi a primavera carioca com Freixo ou Heloísa Helena, por exemplo. Novamente, a questão é sempre como disputar e ganhar a vanguarda para o programa do partido. O problema é que a CST ao buscar disputar pela esquerda fenômenos eleitorais que surgiram o fez sem aplicar uma tática que fosse a fundo na explicação da posição estratégica dos revolucionários. Sempre defendeu Freixo, Erundina ou Boulos como alternativa para a nossa classe e como um governo necessário, disseminando ilusões ao invés de armar que não seriam um governo nosso pelos seus limites programáticos. Não é possível esperar que os reformistas governem para denunciar que seu projeto é capitalista e significará mais ataques à classe trabalhadora. Ter um jornal próprio, com críticas políticas, é diferente de fazer campanha crítica que incorpore o programa revolucionário. Por exemplo, os trotskistas estadunidenses fizeram entrismo se dissolvendo e sem jornal próprio e mesmo assim conseguiram sustentar uma batalha programática e política em relação ao reformismo ‘socialista’. Voto crítico, ou uma tática para acompanhar a vanguarda, é diferente de capitular ao programa do reformismo ou alimentar as expectativas de que ele é uma alternativa e haveria apenas um lado político podre (como se aproximar do PT, fazer PPP’s etc.). A aplicação do voto crítico, de fato, só fui conhecer no segundo turno das eleições municipais de SP esse ano, com a campanha do PSTU para derrotar Nunes votando em Boulos, muito diferente das campanhas que fiz para o Freixo, Luiza Erundina ou Boulos em 2018/20 desde a CST, onde afirmamos que essas figuras reformistas eram uma alternativa para a nossa classe. 

Se tratava-se de um entrismo no PSOL, é necessário explicar porque se deu a derrota dessa tática, com a CST saindo menor e as alas reformistas consolidadas e com deputados federais eleitos, mas não há explicação nenhuma. Nunca se fez um debate sério na corrente sobre os critérios que sustentavam a permanência ou não dentro do PSOL, o “quando sair”, fundamental da tática do entrismo. Se não se tratava de um entrismo, e se nutria expectativa que as figuras públicas e o próprio PSOL ajudassem a superar a crise de direção, como Heloísa Helena em 2007, o caso é de uma pura capitulação programática que sequer eleitoralmente ou em número de militantes rendeu frutos, e endossou o reformismo como parte da superação da crise de direção… contra o próprio reformismo. 

Poderia ser diferente? Afinal, o PSOL deu certo como projeto para correntes como o MES, que há muito abandonaram a perspectiva de se inserirem nos setores estratégicos da classe trabalhadora para fazer uma revolução, sendo um sucesso eleitoral que coloca como assessores parlamentares, ao invés de estruturar na classe, quase que o conjunto dos seus quadros. Na verdade, esse tipo de partido amplo favorece aqueles que capitulam à institucionalidade e rebaixam o programa, levando a marginalidade e desmoralização dos setores à esquerda, como demonstra o desenrolar nacional do MES e CST que pouco antes da fundação do PSOL ainda eram a mesma corrente.

O problema fundamental é o desprendimento de energias na construção de um projeto que concretamente consolidou um polo de tração, reformista, intermediário entre o PT e as posições revolucionárias. Que fortaleceu o reformismo e enfraqueceu as posições revolucionárias, sob uma pressão imediatista e parlamentar das figuras públicas do PSOL  – o que aprofundou o erro economicista. E por fim, a CST rompe com o PSOL para ficar no mesmo lugar. A única diferença é que agora não tem mais legenda eleitoral, mas não tira conclusões sobre o que significou sua estadia por 20 anos neste partido e, por consequência, não tem linha para fazer um profundo balanço que aponte para um novo rumo político e programático.  

Marcos gerais da luta de classes no globo

A crise do imperialismo estadunidense e o imperialismo Chinês

Mais do que nunca, a definição de Lenin sobre a época imperialista ser marcada por guerras, crises e revoluções, o confronto entre revolução e contra-revolução, segue atual. A crise econômica de 2008 abriu uma nova situação que impôs planos de ajuste e retiradas de direito no globo. Além da crise econômica, trata-se de um movimento do capital para buscar a recuperação da sua taxa de lucro, frente às novas relações capital-trabalho super-exploratórias que se desenvolveram nas últimas décadas na Ásia e em especial na China e Índia. A destruição das forças produtivas segue a todo vapor, cuja máxima expressão hoje são as guerras da Rússia contra a Ucrânia, Israel contra a Palestina, e a crise climática.

A crise de dominação do imperialismo estadunidense, por outro lado, tem se aprofundado, junto ao fortalecimento de novos imperialismos como o Russo e Chinês, sendo que o segundo disputa o posto de imperialismo dominante em uma luta econômica, tecnológica, política e que pode escalar a militar. Os EUA vem de derrotas como do Vietnã, com Bush e Obama, e o recente desgaste qualitativo de Democratas e Republicanos por seu apoio irrestrito ao genocídio levado a cabo por Netanyahu contra o povo palestino. Após a queda do muro, da ofensiva econômica e ideológica neoliberal, depois de Thatcher, Reagan, FHC etc., e dos “governos progressistas” dos anos 2000 na América Latina (com epicentro no Brasil e Venezuela – Lula, Chávez e Maduro), o que vemos é que o imperialismo ainda não conseguiu concretizar seu plano de contra-revolução econômica. Essa crise se aprofunda com a China passando a ocupar, não um lugar de semi-colônia agrícola, mas sim imperialista, com a injeção de capital num mundo já repartido e numa corrida tecnológica que está ganhando.

Isso acontece porque os ascensos do movimento de massas e da classe trabalhadora tem imposto à burguesia uma resistência que permite apenas a sua aplicação parcial. Em algumas situações do globo surgem revoluções que derrubaram governos e regimes, destacadamente a primavera árabe e mais recentemente o Chile, Equador, Peru, Bangladesh etc. No entanto, sem uma direção revolucionária, as revoluções não podem ser vitoriosas e instaurar um governo dos trabalhadores apoiada no triunfo do duplo poder da classe trabalhadora sob o Estado Burguês, já que são desviadas ou refluem. A crise da humanidade segue sendo a crise de direção. Os inimigos seguem sendo o imperialismo, a burguesia como classe social, e seus agentes no seio da classe trabalhadora: a burocracia sindical, cuja máxima expressão no Brasil é a Articulação PT/CUT e PCdoB/CTB, o reformismo, e a frente popular. 

Há, então, o surgimento de uma extrema-direita mundial, com epicentro nos EUA, Hungria etc., que se postula como uma das apostas do imperialismo para a superação da crise econômica e de dominação, para aplicar as medidas de ajuste desde os Estados Nacionais e que tem, como objetivo estratégico, a ruptura com o regime democrático burguês, ainda que com ele conviva e ocupe postos no seu interior. Isso aprofunda o bonapartismo dos governos, também desde as mãos dos “governos de esquerda”, dado que até agora nenhuma ala da extrema-direita foi bem sucedida em realizar uma contra-revolução. A extrema-direita realiza uma ofensiva ideológica reacionária que ganhou parte da classe trabalhadora a fundo para seu projeto. Ainda que de forma desigual, isso abre espaço para organizações neofascistas, como se evidencia nos EUA e em especial na Inglaterra, com grupos armados e células organizadas. Isso impõe a necessidade de uma luta não apenas política, mas ideológica, e também pela autodefesa em oposição a defesa abstrata da democracia burguesa como uma luta contra um “risco permanente de golpe” como é feito pelo PSOL, especialmente Resistência, UP etc. Nesse sentido, tem sido um fracasso a política da frente ampla no Brasil, que busca conciliar com a extrema-direita, e que na verdade levou até o centrão a se deslocar a direita enquanto a extrema-direita se fortalece e ganha postos no Estado Burguês e na disputa de consciência para sua ideologia reacionária. A extrema-direita não se derrota nas urnas mas sim nas ruas. 

O neo reformismo dos partidos “anticapitalistas” (Syriza, Podemos, NPA, DSA, PSOL etc.) são fruto, de forma distorcida, parcial e com desigualdades, de processos de mobilizações de massas, não à toa suas lideranças estão vinculadas a movimentos sociais, minorias ou de trabalhadores. A aposta do Secretariado Unificado (SU), consequência da sua ruptura com o leninismo e a retirada da ditadura revolucionária do proletariado do seu programa, escancara-se nos limites estratégicos dos partidos anticapitalistas e suas práticas concretas. O neo reformismo busca ser uma renovação para uma pactuação com o regime democrático burguês, não se propõe a romper com ele e fazer uma revolução para conquistar o poder, nem aposta no desenvolvimento da dualidade de poderes – se restringindo a mecanismos próprios da democracia burguesa para “aprofundar a democracia” ou realizar uma “democracia radical”. Quanto mais esses partidos se desenvolvem e progridem na ocupação de postos no interior do Estado Burguês, logo abandonam o discurso contra o capitalismo e passam a ser linha auxiliar, ou compor diretamente, governos burgueses ou de frente popular. Em pouco tempo, todo o neo reformismo tem aderido aos governos burgueses como é o caso do Podemos e do PSOL, ou traem descaradamente a classe trabalhadora como é o caso do Syriza. 

Por que entro no PSTU?

O problema histórico que nos defrontamos não é o de que o marxismo falhou como práxis ou a estratégia revolucionária não está mais na ordem do dia. O problema é que o trotskismo não deu conta de ser um fio de continuidade consequente a sua tradição, o que levou à explosão da maior conquista histórica depois da fundação da IV por Trotsky, o legado de Moreno quando da fundação da LIT. É preciso analisar criticamente a história e tirar conclusões para que a superação da crise de direção seja possível em nosso tempo histórico. 

Minha decisão de entrar no PSTU, e romper com a CST, deve-se muito aos seminários de reformulação programática que a LIT tem realizado nos últimos anos. Creio que são a única organização marxista que se propõem a realizar uma reflexão profunda sobre a história do trotskismo no Brasil e no globo, buscando nos clássicos do marxismo, fundamentalmente Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e Nahuel Moreno, referencial teórico para responder à nova realidade que nos defrontamos. Apesar de diferenças táticas com o PSTU, no campo sindical e eleitoral, por exemplo, me parece que são os únicos que começaram a dar passos no sentido de identificar os erros e ter política concreta para corrigi-los. Muito da elaboração que apresentei aqui refletem os debates desses seminários, de forma que me parece que o PSTU e a LIT passam por uma rearmação que toma como tarefa fundamental a disputa da consciência da vanguarda para o programa do partido revolucionário. 

Atualmente, vemos um reflorescimento da busca do socialismo como alternativa, ainda que de forma distorcida como uma negação à formação social capitalista. Até agora, quem tem capitalizado o fenômeno do socialismo são variantes do stalinismo. Frente a capitulação da esquerda, creio que é preciso ter política para as correntes centristas e reformistas, sejam elas auto intituladas “marxistas-leninistas”, “trotskistas da quarta internacional” ou “stalinistas”.

Creio que a única organização que busca fazer uma disputa da consciência desde um programa revolucionário é o PSTU e portanto também a única que pode oferecer uma saída para esse fenômeno particular. Mas mais importante que esse fenômeno conjuntural, sem dúvida, é seguir dando a batalha ideológica. Afinal, foi assim que assistimos no Brasil também o reflorescimento do stalinismo, materializado na UP, PCB e dirigentes e figuras do PCBR. Para responder com um programa de transição que não pare nos problemas imediatos e que apresente uma saída estratégica, a revolução permanente como necessidade histórica, a revolução socialista nacional e internacional, a construção do socialismo mundial, só o PSTU está armado. Trata-se, vejam bem, da capacidade de dar respostas para além do econômico e imediato, de responder programaticamente, desde a luta ideológica, as diferentes tendências que disputam a consciência no interior da classe trabalhadora.

Outro traço fundamental é o fato de que a LIT vem afirmando uma incansável batalha para se enraizar na classe operária e nos setores estratégicos da classe trabalhadora. A batalha por um partido proletário, com sua direção refletindo as pressões da classe operária, se materializa no que é o PSTU hoje. Além disso, o PSTU não parou na história e compreendeu o evidente fato de que a maioria da classe trabalhadora não pertence a categorias sindicais, que os sindicatos por si só não se bastam, que se expressam por outras vias de auto-organização e luta econômica e política. Assim, me parece um acerto o fato de que a CSP-Conlutas tenha sido fundada para comportar um perfil sindical e popular, englobando os movimentos por moradia, movimentos sociais e de juventude etc. A saída do ANDES-SN da Conlutas, de correntes como a Resistência ou MES, se dão pelos acertos da central, não por seus erros: é pela não capitulação a Frente Popular que esses setores rompem com a central (no caso do ANDES desde uma política encabeçada pelo PCB e Resistência em direção à CUT e PT).

Ainda, creio que a CSP-Conlutas tem sido um ponto de apoio fundamental da independência de classe nacionalmente, mediado por uma democracia interna que permite desde os seus congressos, ou Coordenações Nacionais (que são abertas para quem quiser ouvir ou intervir), e que pode ser um canalizador da vanguarda da nossa classe. 

A profunda crise pela qual o PSTU passou em 2016, teve consequências graves. Primeiro, originou uma corrente reformista que elabora embaraços calcados em citações de Trotsky e Lenin para logo revisa-los e justificar a capitulação a frente popular, a Resistência/Mandato da Bancada Feminista. Ao mesmo tempo, me parece que daí surgiu no PSTU o embrião de um verdadeiro “enfrentar a realidade de frente”, buscando se desenvolver como partido marxista revolucionário desde a crítica à sua própria história e elaborações. Creio que o marxismo vulgar do stalinismo, e as diversas variantes de reformismo, têm em comum a revisão do marxismo.  O SU e o Mandelismo não passaram à prova da Frente Popular. Abandonam a concepção de marxismo como práxis revolucionária e capitulam a todos os fenômenos de vanguarda. Abandonaram a necessidade de construir uma internacional de partidos com centralismo democrático e intervir no globo todo como um só punho programático. O PSTU, pelo contrário, tem se armado cada vez mais para romper com os traços sindicalistas e economicistas e avançar na politização e disputa ideológica e teórica. O PSTU trata a luta do partido como uma combinação entre a luta econômica, política e ideológica e não separa superestrutura de estrutura. Segue vigente para o PSTU a necessidade de uma revolução de Outubro e, para isso, a disputa da vanguarda pela necessidade de uma ditadura revolucionária do proletariado, dando a batalha para ganhar a maioria da classe trabalhadora e se converter em sua direção política. A reelaboração programática da LIT ainda está em curso. Creio que os resultados dos debates de reelaboração programática da LIT darão a última palavra sobre o desenvolvimento do partido e do seu programa mas, afirmo com tranquilidade desde já, que a LIT e o PSTU estão empenhados em ser os mais consequentes na metodologia da tradição morenista: aprender com a história dos seus erros para que seja possível acertar. Para construir um partido para a revolução socialista, e não apenas para as “lutas”, ingresso no PSTU.  

Viva a reconstrução da 4 internacional! Viva a reelaboração programática da LIT!

Viva a história e tradição do Trotskismo ortodoxo de Cannon e Moreno!

Ao PSTU e à LIT: estamos juntos na batalha por uma internacional revolucionária e com centralismo-democratico. Assim, podemos vencer!