Polêmica com Tarso Genro: Suspensão ou cancelamento da dívida do RS?
Tarso, quem mudou foi o PT! Nós, do PSTU, desde a Convergência Socialista, somos coerentes, continuamos defendendo não pagar a dívida pública aos banqueiros
No jornal Valor Econômico de 23 de maio, constam comentários do ex-governador e ex-ministro Tarso Genro, sobre a proposta de cancelamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União. Ele afirma que falar em perdão da dívida é irresponsabilidade. E que “esta questão de negar a dívida me lembra a antiga Convergência Socialista não querer pagar a dívida brasileira”. No caso, Tarso Genro, se referia à corrente interna do PT que, posteriormente, saiu deste partido e, junto com outras organizações, deu origem ao PSTU em 1994.
Na época da Convergência Socialista o debate era, principalmente, sobre a dívida externa e a submissão do país aos planos do FMI (Fundo Monetário Internacional). No fim dos anos 80, a dívida externa totalizava US$ 105,171 bilhões, e havia crescido 32 vezes durante os governos militares em função dos contratos firmados com bancos, principalmente norte-americanos, com cobrança de juros flutuantes. A história desta dívida é recheada por fraudes, ilegalidades e corrupção, e, desde então, são feitos refinanciamentos e a geração de novas dívidas para o pagamento das anteriores. O PT, em seu programa fundacional, questionava esta dívida e defendia a sua suspensão.
Mas a posição que Tarso defende é que, independente de quem seja o credor, e que a dívida seja ou não fraudulenta, não se pode dar “calote”. Para nós, ao contrário, com o sistema da dívida que atua no Brasil há 200 anos, deixamos de ser colônia de Portugal e passamos a ser colônia de banqueiros. E, seja na década de 80 ou agora, o sistema da dívida pública é um dos principais mecanismos de subordinação de toda economia do país para a remuneração dos banqueiros e bilionários capitalistas nacionais e internacionais, e de rapina e espoliação do Brasil e dos seus estados.
Quem manda no Sistema da Dívida são os maiores detentores de títulos públicos – os grandes bancos e fundos de investimentos internacionais e nacionais. São estes que influenciam na determinação das taxas de juros – tanto a Selic (pois são convidados para reuniões secretas realizadas pelo Banco Central a cada 3 meses), como a taxa de juros dos títulos públicos.
Grandes grupos de “investimentos” pegam dinheiro nos países com juros baixos, como os EUA ou o Japão, e aplicam na América Latina, principalmente em países como o Brasil, México e Colômbia, com os juros altos. Após engordarem com os juros, trocam por dólares que voltam para os bolsos dos magnatas. É especulação pura, ou simples roubo e rapina.
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A dívida pública do RS com a União também é sangria
A dívida interna do Rio Grande do Sul remonta à década de 1990, quando o débito somava R$ 7,7 bilhões (ou seja, houve um incremento da dívida de quase R$ 90 bilhões em duas décadas, em valores nominais – sem atualização). Também foram liberadas linhas de crédito de R$ 2,5 bilhões no âmbito do Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes), criado em 1996.
Até 2021, o estado pagou à União R$ 26,31 bilhões de juros e amortizações, ou seja, o equivalente a duas vezes e meia o valor da dívida original, que, ainda assim, se multiplicou por sete no período, atingindo R$ 73,723 bilhões em 2021. Isto ocorreu porque no RS (e na maioria dos estados) a União cobrou uma taxa de 7,5% ao ano mais IGP–DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) e a obrigação de pagar 13% da receita corrente líquida todo ano. Inclusive, um relatório de Auditoria do TCE-RS (Tribunal de Contas do Estado), de 2021 recomendava que o estado não aderisse ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) até que as ações que estavam em andamento no STF (Supremo Tribunal Federal) – sobre a correção monetária e juros que incidiam sobre a dívida – tivessem sido julgadas.
Contrariando esta orientação, o estado aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, que estabelecia como condicionante aprovar planos de ajuste fiscal e a implementação de um teto de gastos. Todas as privatizações implementadas por Eduardo Leite, como a CEEE, Corsan entre tantas, estão a serviço deste mecanismo.
Em 2024, e até o momento, o estado havia pago aproximadamente R$ 1,2 bilhão. A União adotou a prática de cobrança de juros sobre juros, justamente para poder alimentar a outra sangria – da dívida pública da União com os bancos. Ou seja, tudo está engrenado como dívida pública.
No meio deste mês, o Congresso Nacional aprovou a suspensão da dívida do estado por três anos com uma votação quase unânime – 404 votos a favor e apenas dois contrários. Com isso, o pagamento total de R$3 bilhões neste ano foi suspenso, e será direcionado para o Fundo de Reconstrução do estado.
O problema é que esta medida apenas prolonga o drama, pois, daqui a três anos, o RS terá que pagar o atrasado, o que poderá levar a um novo colapso fiscal. Até mesmo porque está prevista uma grande redução de sua atividade econômica, como fruto da atual tragédia, o que resultará na redução de suas receitas.
Os que se contrapõem ao cancelamento da dívida, como Tarso Genro e o PT, afirmam que esta medida seria inexequível, porque geraria impacto nas contas do Governo Federal. Não há nada de inexequível . Defendemos sim o cancelamento da dívida do RS e a devolução dos valores pagos a mais, como parte coerente da defesa da suspensão do pagamento da dívida pública da União, que consome metade do Orçamento e é a origem de toda a precarização dos serviços públicos, desinvestimentos e privatizações no país.
PT, governo Lula e Congresso Nacional impedem o cancelamento da dívida do RS
Neste mesmo dia 14 de maio, em que foi aprovada a suspensão temporária da dívida, houve outras duas emendas votadas no plenário da Câmara, cuja votação nos causou espanto. Uma delas “autoriza a União a anistiar integralmente o pagamento da dívida de entes federativos afetados por estado de calamidade pública, decorrente de eventos climáticos extremos, reconhecido pelo Congresso Nacional”, foi apresentada por um deputado do PP, Covatti Filho, e uma segunda pelo deputado do Partido Novo, Marcel van Hattem que propõe que “as dívidas de que trata o § 1º deste artigo ficam anistiadas de forma definitiva”.
Estas duas emendas foram rejeitadas por uma margem pequena. Ou seja, poderiam ter sido aprovadas. E pasmem, todas as bancadas da base do governo, incluindo o PT, o PCdoB e, inclusive, o PSOL orientaram contra o cancelamento da dívida. A única deputada do PSOL que votou favorável foi a deputada Fernanda Melchionna.
Ou seja – Afonso Mota (PDT), Bohn Gass (PT), Denise Pessôa (PT), Lindenmeyer (PT), Maria do Rosário (PT) e Reginete Bispo (PT) foram os deputados gaúchos contrários ao perdão da dívida do estado com a União. Já no Senado, apenas Paulo Paim votou contra. A quase totalidade da “esquerda” que apoia o governo Lula deixou na mão da direita uma batalha histórica do movimento dos trabalhadores – o questionamento e a defesa do não pagamento ou da suspensão, e até a auditoria da dívida pública.
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Os problemas do RS não se resumem à dívida pública. Outro fator de grande impacto são as renúncias fiscais dentro da guerra entre os estados para atrair empresas. Essas renúncias, mais a Lei Kandir, originaram uma grande perda de arrecadação, que comprometeu as despesas de cada ente estatal. A Lei, de 1996, que dispõe sobre o imposto dos estados nas operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), isenta os produtos primários e semielaborados destinados à exportação. No Rio Grande do Sul, em particular, a lei teve um efeito devastador, já que os estados exportadores foram penalizados pela desoneração não compensada pela União. As perdas do RS por ação dessa lei chegaram a R$ 38 bilhões em 2023, valor que representa quase um terço da dívida atual
O agronegócio, por exemplo, que recebe todas as atenções das três esferas do poder público, é um dos grandes responsáveis pela queda na arrecadação do estado, e o principal responsável pelas mudanças climáticas que estão no centro da atual tragédia das enchentes, que foi antecedida por uma grande seca na região.
É necessário parar de pagar a dívida, e investir o dinheiro que hoje enriquece meia dúzia de investidores , na reconstrução, na Saúde, Educação, e demais serviços públicos, assim como na geração de empregos. É preciso ir ainda além – investir aqui uma parte da montanha de dinheiro que hoje compõem as reservas internacionais, e estatizar o sistema financeiro.
Mas também confiscar 50% das grandes fortunas, instituir um imposto fortemente progressivo sobre o patrimônio, os lucros e dividendos das maiores empresas e expropriar os agrobilionários para defender a natureza, a classe trabalhadora e também a segurança alimentar e a economia do RS e do Brasil. Lembrando que, esses mesmos agrobilionários, geram pouco emprego, pagam salários muito baixos, quando diretamente não usam trabalho escravo, como vimos acontecer recentemente aqui mesmo no RS.
O PT é que passou a ser um partido comprometido com os banqueiros e o liberalismo, ou seja, com os bilionários capitalistas, aceitando gerir o capitalismo decadente brasileiro dentro dos limites do chamado “Consenso de Washington”, num modelo muito parecido ao do PSDB, que se convencionou chamar de “social liberalismo”, onde esse sistema de irresponsabilidade social, ambiental e também de rapina nacional, é diretamente a contrapartida da dita “responsabilidade fiscal”.
Esse modelo, ainda que vá solapando de forma mais lenta que o ultraliberalismo de Guedes-Bolsonaro a soberania do país e os direitos dos trabalhadores, vai igualmente na mesma direção. Por isso mesmo, segue adubando o solo em que a extrema direita se reproduz, e é incapaz de deter a catástrofe ambiental em curso e garantir condições dignas de vida para os trabalhadores, povos indígenas e todos os setores oprimidos.
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