PL do Veneno, fiscalização ruralista, exploração de terras indígenas: o estouro da boiada no final do governo
Mesmo no apagar das luzes do governo de Bolsonaro, graves ataques ainda estão sendo feitos contra o meio ambiente, a saúde dos brasileiros e os direitos dos povos indígenas para atender interesses do agronegócio, madeireiras, garimpo ilegal, entre outros setores ruralistas.
Três medidas se destacam nos últimos dias: o projeto que estabelece a “autofiscalização” agropecuária, o PL do Veneno que libera agrotóxicos de forma indiscriminada e a liberação da exploração de terras indígenas.
Autofiscalização agropecuária
Nesta terça-feira (20), o Plenário do Senado aprovou o projeto que modifica o modelo de fiscalização sobre a produção agropecuária, determinando que as empresas do setor criem seu próprio programa de defesa.
O projeto transforma o atual sistema, exclusivamente estatal, em um modelo híbrido, compartilhado com os produtores. O PL 1.293/2021, que também passou pela Câmara dos Deputados e segue para sanção presidencial, foi aprovado na forma do relatório do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS).
O texto é um escândalo! Na prática, permite a terceirização da atividade fiscalizadora do Estado. Será a “raposa cuidando das galinhas”, como diria o ditado popular.
O Ministério Público do Trabalhou considerou o projeto “inconstitucional”. Em nota técnica, o MPT afirma que, em que pesem os propósitos declarados, “o Projeto de Lei potencializa o estabelecimento de uma modalidade de terceirização ilícita por parte da administração pública delegando poderes típicos de polícia administrativa a particulares, incorrendo em potencial autofiscalização e permitindo que atividades típicas da fiscalização agropecuária sejam exercidas por pessoas estranhas aos quadros funcionais do Estado, com violação à regra constitucional do concurso público (Art. 37, I e II da CF/88) e, ainda, omitindo uma definição baseada em critérios técnicos e de segurança, com regras que preservem a objetividade e a independência da atuação do auditor no seu âmbito de atividade”.
A nota destaca que o risco sanitário e à saúde pública é evidente, conforme exposto na nota da União Nacional dos Fiscais Agropecuários (UNAFA). “Ao permitir de forma ilimitada a atuação de profissionais privados em ações típicas de Estado, na prática, o Projeto transfere para o setor privado o poder de se autofiscalizar e dificulta a identificação e punição de fraudadores em caso de adulteração de produtos como leite, queijos, mel, azeite, frangos e congelados, carnes e bebidas em geral. Além disso, o Projeto permite, também de forma ilimitada, o registro automático de produtos, entre eles drogas aplicadas em animais produtores de alimentos que podem deixar resíduos em alimentos. Produtos antimicrobianos, por exemplo, podem causar resistência a antibióticos no consumidor e o desenvolvimento de superbactérias”, afirmam.
PL do Veneno
Já na segunda-feira (19), a CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária) do Senado aprovou o relatório favorável do senador e presidente do colegiado, Acir Gurgacz (PDT-RO), ao PL dos Agrotóxicos, também conhecido como PL do Veneno, que modifica as regras de aprovação e comercialização de agrotóxicos no país.
O PL 1.459/2022 tramita no Congresso Nacional desde 1999 e trata da pesquisa, experimentação, produção, comercialização, importação e exportação, embalagens e destinação final e fiscalização desses produtos.
É outra proposta temerária. O projeto libera quase que de forma indiscriminada o registro e aprovação de agrotóxicos no país, ao mesmo tempo em que dificulta a fiscalização (Entenda aqui: Ruralistas tentam aprovar PL do Veneno que libera agrotóxicos de forma indiscriminada).
De autoria do então senador Blairo Maggi, que foi ministro da Agricultura, o texto segue agora para votação no Plenário do Senado, em regime de urgência.
“Antes de apagarem as luzes, a boiada quer passar. O PL do Veneno atende aos interesses do agronegócio. Em 2023, a discussão volta com força no plenário e precisaremos de intensa mobilização”, afirmou a integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas, a indígena Raquel Tremembé.
Ontem a Comissão de MA do Senado aprovou o PL 1459/22. O PL do Veneno. O PL atende aos interesses do agronegócio.
Antes de apagarem as luzes a boiada quer passar. Em 2023 a discussão volta com força no Plenário e precisaremos de intensa mobilização. #PLdoVeneno
— Küna Yporã Tremembé (@rachelaguiar83) December 20, 2022
Terras indígenas
Em outra frente, na última sexta-feira (16), Bolsonaro editou uma instrução normativa que libera a extração de madeira em terras indígenas. A medida autoriza o chamado “manejo florestal sustentável”em biomas amazônico, caatinga e cerrado, inclusive por organizações de composição mista, ou seja, entidades não-indígenas.
Principais territórios de conservação ambiental no país, as áreas são alvo de garimpeiros, madeireiras, mineradoras, ruralistas e invasores. A instrução só faz facilitar ainda mais essas ações criminosas, a devastação do meio ambiente e a violência contra os povos indígenas.
O MPF (Ministério Público Federal) abriu inquérito para investigar a publicação da medida e estipulou prazo de 10 dias para que os presidentes do Ibama, Eduardo Bim, e da Funai, Marcelo Xavier, informem os estudos que subsidiaram a instrução.
Raquel Tremembé também se pronunciou sobre essa instrução conjunta do Ibama e da Funai, classificando a medida como “absurda”. “Solicitamos medidas urgentes do futuro governo para a sua revogação imediata”, declarou.