Mulheres

PL do Estupro: Deputados aprovam regime de urgência para projeto que equipara aborto a homicídio

Secretaria de Mulheres do PSTU

20 de junho de 2024
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Vinte e três segundos! Esse foi o tempo que a Câmara de Deputados levou para aprovar, sem qualquer tipo de discussão, o regime de urgência para o Projeto de Lei (PL) 1904/24, que equipara a interrupção da gravidez após 22 semanas ao crime de homicídio. Com a aprovação da urgência, a medida não precisa mais ser debatida nas Comissões Especiais da Câmara, podendo ser levada diretamente ao plenário, para votação a qualquer momento.

Esse PL é um enorme ataque aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e pessoas com capacidade de gestar, assim como à proteção das vítimas de violência sexual.

O aborto no Brasil já é considerado um crime, podendo ser punido com até 3 anos de prisão para quem o realize. Em algumas situações, porém, como em casos de estupro, de risco de morte para a gestante e gravidez de anencéfalo (feto sem cérebro), a mulher ou pessoa gestante têm direito a recorrer à interrupção da gravidez.

Se o PL 1904 for aprovado, não apenas esse direito será restringido, mas, inclusive, a pessoa que recorrer ao aborto após 22 semanas poderá pegar até 20 anos de prisão. Para se ter ideia do absurdo que isso significa, no Brasil, a pena máxima para o crime de estupro é de 10 anos.

Conivência com o estupro

Não se trata somente de um retrocesso na legislação, mas da total conivência com a violência à qual inúmeras meninas e mulheres brasileiras são submetidas cotidianamente. O Brasil vive uma explosão de estupros. Em 2022, foram 75 mil casos registrados. Sete em cada dez vítimas têm menos de 14 anos, sendo que a maioria dos agressores são familiares ou conhecidos.

Somente entre janeiro e maio deste ano, o “Disque 100” registrou cerca de 8 mil denúncias de estupro de vulneráveis. E isso é apenas a ponta do iceberg, pois estima-se que menos de 10% dos casos de violência sexual sejam denunciados. Em média, 38 meninas, de até 14 anos, se tornam mães a cada dia no país, em decorrência de estupros.

Desmonte da rede de atenção

Diante deste cenário, seria de se esperar que o Parlamento estivesse discutindo como enfrentar a violência e a cultura do estupro e como aprimorar os mecanismos de assistência às vítimas, incluindo os serviços de aborto legal.

No entanto, o que vemos é o desmonte da rede de atenção, com o fechamento de serviços de referência em aborto legal, como o do Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, e a perseguição aos profissionais da Saúde que atuam nos marcos da lei.

Quem são as maiores vítimas?

Esse desmonte dificulta principalmente o acesso das vítimas de estupro, em especial de meninas negras e pobres que moram nas regiões periféricas e interioranas, que acabam chegando (quando conseguem chegar) aos serviços já em estágios avançados de gestação.

Com a aprovação do PL 1904, elas seriam duplamente vitimizadas. Pelo crime que sofreram e por terem seu direito ao aborto negado, porque não conseguiram acessar os serviços de aborto legal a tempo de realizarem o procedimento, antes das 22 semanas de gestação.

A pressa desmedida da burguesia brasileira e seus setores reacionários no Congresso, a começar pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), em aprovar um projeto de lei que institucionaliza a maternidade forçada às vítimas de estupro, sem passar pelo debate público nas comissões pertinentes e na sociedade, é só mais uma demonstração do descaso com a vida das meninas, mulheres e pessoas com capacidade de gestar da classe trabalhadora.

Enquanto isto, nada muda para as mulheres burguesas, que podem pagar clinicas particulares ou viajar a qualquer momento para o exterior e realizar o aborto em um dos países onde a prática é legalizada.

Vergonha

Governo Lula ajudou costurar acordo para a votação

Já Lula e o PT não só optaram por lavar as mãos frente a qualquer esforço para barrar o avanço do “PL do Estupro”, no Congresso, como ainda ajudaram a costurar o acordo para que a votação ocorresse de forma simbólica; ou seja, sem registrar o nome dos parlamentares no painel.

O líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE), chegou a declarar que a matéria não é de interesse do governo e que a prioridade são as pautas econômicas, liberando as bancadas do partido e da base aliada para votarem a favor do regime de urgência.

Obstáculos

A forte repercussão negativa, no entanto, obrigou o governo a se reposicionar. Manifestações em todo país, sob os lemas “Estuprador não é pai” e “Criança não é mãe”, levaram milhares às ruas.

Com dois dias de atraso, e muito timidamente, Lula se pronunciou, dizendo que é contra o aborto, mas que o PL é uma “insanidade”. O PT, por sua vez, agora tenta negociar, antes da votação em plenário, uma mudança cosmética no projeto de lei, de modo a proibir especificamente a técnica de assistolia fetal, que interrompe os batimentos cardíacos do feto em gestações avançadas, cujo procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e utilizado no Brasil, em casos de aborto legal.

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, há poucos dias, uma resolução do Conselho Federal de Medicina que tinha por objetivo dificultar o acesso ao aborto, ao impedir que médicos que realizam o aborto legal recorram à técnica de assistolia fetal. Portanto, mesmo que o PL seja modificado, ainda assim significará um retrocesso e um passo a mais em direção à total criminalização do aborto.

Moeda de troca para o governo

O que vemos, mais uma vez, são os direitos das mulheres sendo utilizados como moeda de troca pelos governos do PT, autointitulados progressistas, em troca do apoio da ala conservadora no Congresso.

Em 13 anos à frente da Presidência da República, o PT não foi capaz de legalizar o aborto ou sequer pautar o tema na sociedade de forma séria. Novamente no governo, Lula segue fazendo o jogo dos setores reacionários, fortalecendo, dessa forma, a ofensiva ideológica, de ultradireita e moralista, que naturaliza a opressão sobre as mulheres e o controle sobre nossos corpos.

E tudo isso com o aval de organizações e partidos como o PSOL e o PCdoB, que, apesar de se posicionarem contra o PL 1904, seguem alimentando ilusões na Frente Ampla, para “derrotar” a ultradireita, e apoiando o governo de conciliação de classes Lula-Alkmin. Mas, na verdade, o que fazem é legitimar, ainda que de forma indireta, todos os ataques aos nossos direitos.

Mobilização

Organizar a luta contra o “PL do Estupro”

A votação-relâmpago da urgência de tramitação do PL 1904 causou enormes indignação e revolta na base dos movimentos sociais e de mulheres e na sociedade brasileira de maneira geral. No dia seguinte à aprovação, manifestações de rua contra o PL foram chamadas em várias cidades, reforçadas pelo posicionamento público de artistas e influenciadores que se pronunciaram contra a proposta.

A repercussão negativa levou Arthur Lira a sinalizar que pretende deixar a votação no plenário da Casa em banho-maria. Não podemos ter confiança alguma em Lira e no Congresso, pois da mesma forma como o regime de urgência foi votado de maneira atropelada e sem discussão, nada impede que se faça o mesmo com o próprio PL.

Por isso, é preciso organizar a resistência e intensificar as mobilizações para enterrar, de vez, a proposta e avançar na luta pela legalização do aborto sem restrições. Só a mobilização das mulheres, aliadas à classe trabalhadora de conjunto, pode se contrapor a esse ataque e garantir aborto legal, seguro e gratuito! Punir o estupro, não a vítima! Abaixo o PL 1904!