Opinião Socialista

Pensamento conservador: Mas afinal, o que eles querem conservar?

Gustavo Machado do canal Orientação Marxista

25 de maio de 2022
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Gustavo Machado, do Canal Orientação Marxista

Nos últimos anos, uma frase foi dita repetidas vezes por todos os aspirantes a ocupar um lugar de destaque na chamada nova direita no Brasil: “Sou liberal na economia e conservador nos valores.”

Esse discurso, não podemos negar, deu algum resultado. Vários grupos passaram a se designar conservadores. Outros tantos se apresentaram como defensores dos valores, da moral, da família, da igreja e da pátria. “Deus, Pátria e Família”, eis o lema de Bolsonaro. Mas o que significam precisamente essas palavras na prática desses movimentos conservadores? De onde veio o movimento conservador e qual é a sua finalidade?

Precisamos entrar mais a fundo nas origens e no desenvolvimento histórico do movimento conservador, para compreendermos melhor a serviço do quê e de quem esse movimento está.

A origem do movimento conservador

Podemos encontrar, milênios atrás, autores conservadores no sentido de que justificavam e defendiam a forma de sociedade em que viviam. Queriam conservar a situação existente. Mas eles não se organizavam de forma coletiva, não constituíam um movimento conservador. Esse movimento é bem mais recente na história. Um movimento conservador apenas passou a fazer sentido quando do outro lado do front se encontrava um movimento revolucionário. Acontece que o movimento revolucionário que fez surgir o conservadorismo enquanto movimento não era socialista, proletário ou comunista, mas liberal, burguês e capitalista. Estamos falando da Revolução Francesa.

Das revoluções burguesas e capitalistas, a Revolução Francesa foi uma das mais radicais. Colocou em xeque os privilégios de uma nobreza originada de grandes proprietários rurais e do alto clero católico. A nobreza e o clero constituíam cerca de 2% da população da França, não pagavam impostos e viviam de modo parasitário do Estado e das rendas de suas terras. Eles eram bancados por burgueses, proletários, camponeses, artesãos e todos os demais tipos sociais existentes. Esses últimos pagavam todos os impostos e trabalhavam para bancar esses 2% de parasitas privilegiados.

A Revolução Francesa, além de ter acabado com esses privilégios, repartiu a terra que pertencia por “direito e sangue” à nobreza e ao clero, separou completamente a Igreja do Estado, dentre várias outras medidas revolucionárias. Em um processo recheado de idas e vindas, terminou nas guerras napoleônicas que ameaçaram a Europa inteira. Eis que surgiu um movimento conservador. Uma enorme reação uniu a nobreza, a igreja, reis e autocratas em toda a Europa.

Quando esse movimento evoca a palavra de ordem “defesa de Deus”, quer dizer com isso a estrutura institucional da Igreja que vivia à custa do Estado e nele intervia de maneira direta. Quando evoca “a defesa da família”, quer dizer a manutenção dos privilégios de uma nobreza. Nobreza cuja luxuosa sobrevivência é garantida para toda sua descendência em função de um sobrenome passado de geração a geração. Daí se origina a expressão “pessoas de família”. São aquelas que possuem um sobrenome nobre que lhes garante a sobrevivência por direito, enquanto proprietários.

Mas por que luta o movimento conservador? Quais são seus objetivos? Em que concepções está embasado?

Heranças do passado

A base cética do conservadorismo

Dois dos principais ideólogos do movimento conservador no século XIX foram Edmund Burke, na Inglaterra, e Joseph de Maistre, na França. De Maistre identifica toda a sua elaboração com a Igreja Católica sediada em Roma. Ela era, segundo ele, o bastião da tradição e da verdade acumulada ao longo dos séculos. Era dito ser mais papista que o Papa. Seu conservadorismo via no protestantismo uma grande ameaça. O outro lado da moeda do liberalismo. O protestantismo era veneno europeu moderno que acabou com a unidade da Igreja Católica e abriu o caminho para a Revolução Francesa. Como o protestantismo dominava nos principais países europeus, seu pensamento teve um eco limitado. O principal expoente foi o inglês Edmund Burke.

A ideia mais geral por trás da concepção conservadora se assemelha muito à dos pós-modernos de hoje. O ceticismo. Isto é, não é possível conhecermos racionalmente a realidade tal como ela é. Não existe elaboração teórica que possa explicar racionalmente os acontecimentos do passado e do presente. Mas, diferentemente dos pós-modernos, os conservadores não apelam para uma batalha nas nuvens de desconstruções discursivas. É o contrário. Só existe algo de sólido que podemos nos basear: as tradições e o passado.

Os liberais eram racionalistas. Acreditavam na ordem natural do mercado capitalista, nas leis universais da economia que devíamos tão somente seguir. A esse racionalismo, os conservadores opuseram a defesa das forças criadoras no curso da história, manifesta nas instituições de todos os tipos. As melhorias e transformações seriam produto de uma evolução lenta e gradual. A humanidade aprenderia por tentativa e erro, durante séculos, firmemente assentada nas bases herdadas de sua história milenar.

A força motriz da história seria a continuidade: a conservação do que existe, do que foi herdado. Por isso, os conservadores não possuem um programa político definido. Organizam-se para reagir contra toda e qualquer ameaça revolucionária, contra toda e qualquer ameaça à continuidade e à conservação do que foi legado pelo passado. São eminentemente reacionários.

Contradição

O conservadorismo refuta a si mesmo

A ideia conservadora, em um primeiro momento, parece fazer sentido. É impossível a sociedade recomeçar do zero em qualquer ponto de seu desenvolvimento. Recebemos das gerações passadas todo um conjunto de técnicas, infraestrutura, conhecimentos e concepções sem os quais a sobrevivência seria impossível. Sem o que herdamos das comunidades humanas que nos antecederam não teríamos sequer linguagem, nem saberíamos como extrair os recursos da natureza que nos permitem sobreviver, quer seja por meio de um moderno computador, quer seja por meio de ferramentas de pedra.

A questão, contudo, nunca foi essa. O que está em questão em um processo revolucionário não são a técnica e o conhecimento herdados do passado, mas a forma de organização social. A serviço de quem estará a riqueza produzida a partir de tudo o que foi legado e aprendido das gerações passadas. Desde as revoluções burguesas, a sociedade passou por sucessivas e contínuas transformações nas relações sociais. A concepção conservadora foi refutada por aquilo que ela mais estima: a história e a passagem do tempo.

É assim que os conservadores de ontem – antiliberais e defensores da intervenção estatal na economia – passaram a ser, até certo ponto, liberais. Passaram a ser, também, nacionalistas: “a defesa da pátria”. Até a guerra entre Alemanha e França em 1870 e a Comuna de Paris que se seguiu, o nacionalismo era um aliado do liberalismo, da democracia burguesa.

As nações são algo muito recente na história. Até o desenvolvimento do capitalismo, os indivíduos não se reconheciam como pertencentes a uma nação. Ela está associada às necessidades do capitalismo em desenvolvimento. O capitalismo necessita, por um lado, acabar com a fragmentação dos feudos e das grandes propriedades controladas hereditariamente por uma família nobre. Por outro, contrapor-se ao universalismo da Igreja Católica. Até o final do século XIX, a palavra de ordem de “defesa da pátria” era associada à ala mais radical da Revolução Francesa: os jacobinos.

Eis que os nacionalismos inglês e alemão transformam-se cada vez mais em imperialismo: a dominação direta e indireta do mundo inteiro. A disputa pela maior fatia da riqueza produzida pela classe trabalhadora de outros países. A classe trabalhadora e operária começa a lutar por seus próprios interesses, de forma independente da burguesia capitalista. A defesa da nação converte-se em uma abstração para condenar toda e qualquer luta interna no interior de um único país. Encobrir as diferenças de classe e as opressões de todos os tipos em um conceito geral: a nação. A própria burguesia se converte em conservadora. Já havia feito as revoluções de que necessitava, ao menos para garantir mais e mais acumulação de capital. O nacionalismo se converte na palavra de ordem por excelência dos conservadores.

Quem quiser refutar a concepção conservadora, o melhor caminho é estudar a própria história do conservadorismo. Os conservadores mudam de discurso na mesma velocidade que trocam de roupa. Longe de estar baseada na continuidade pura e simples, a história é uma coleção de transformações sociais rápidas e profundas sob a base técnica conservada.

Revolução X conservação

Conservar os privilégios de uns poucos

Os conservadores, no entanto, carregam outra contradição fundamental. Segundo eles, todos os problemas que afligem a sociedade são por culpa dos revolucionários. Ao buscarem a transformação da sociedade, os revolucionários bagunçam a coisa toda, destroem os laços de continuidade que seriam a base mais sólida da sociedade. Mas por que existem revolucionários? Por que em cada país, em cada localidade e mesmo em cada empresa, de tempos em tempos, pessoas se organizam para lutar contra a situação dominante?

Se isso ocorre é porque as bases em que a sociedade se assenta não são tão sólidas como eles dizem. É porque a cada dia miséria, desemprego, inflação corroem a vida de todos. Ninguém gosta de revoluções. As pessoas preferem a estabilidade, a segurança, a tranquilidade. Se revoluções acontecem é porque a situação chega a tal ponto que não existe outra saída, não existe outra escolha.

No final das contas, os conservadores não estão a serviço de conservar as conquistas da espécie humana em milênios. Eles estão a serviço de conservar os privilégios de uns poucos. Por isso, eles não têm nada a oferecer, exceto criar um vilão para colocar toda a culpa e formular meia dúzia de palavras de ordem vazias para defender, palavras que nada significam de concreto na vida de cada um. A revolução socialista é a única forma de não apenas conservar as conquistas do passado, mas de colocá-las a serviço daqueles que a cada dia mantêm e ampliam essas conquistas: os trabalhadores.