Para Lula, sistema privado e racista das prisões dos EUA é um modelo a ser seguido
Como noticiamos no artigo “Governo Lula avança na privatização dos presídios e transforma juventude negra em mercadoria”, o presidente petista, em aliança com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), irá promover, no dia 6 de outubro, o leilão para a privatização do Complexo Prisional de Erechim.
A iniciativa é a primeira desde a publicação, em abril, de um decreto presidencial no qual o governo de Frente Ampla se propõe a financiar projetos, através de Parceiras Público-Privada (PPPs), em áreas que vão da Educação ao sistema prisional. No caso das prisões, além de poderem captar recursos públicos e no mercado financeiro, as empresas receberão repasses “por cabeça” e, ainda, poderão explorar a mão de obra dos encarcerados.
Em suma, a proposta de Lula é aumentar ainda mais a participação privada no sistema prisional que, hoje, já funciona em 30 unidades (nas formas de cogestão ou concessões) e cuja barbárie, como também denunciamos no artigo, pode ser exemplificada pela violência, péssimas condições, maus-tratos e torturas registrados nos últimos anos em unidades prisionais privadas no Amazonas, Maranhão e Santa Catarina.
Contudo, para termos uma dimensão da criminosa gravidade da medida adotada pelo governo petista, vale conhecer um pouco da situação dos Estados Unidos, país que além de ter a segunda maior população carcerária do mundo também serve de “modelo” para Lula na sua proposta de privatização das prisões.
Um “modelo” que, como Lula e o PT sabem muitíssimo bem, foi feito sob medida para lotar as prisões de gente jovem, preta e periférica; algo que, inclusive, já é uma realidade, tanto aqui quanto lá. Basta lembrar que segundo o Anuário da Segurança Pública de 2023, no ano passado o Brasil tinha 832.295 pessoas encarceradas, sendo que 43,1% delas são jovens de até 29 anos e 68,2% são negras.
Com um detalhe que, com certeza, o governo de Frente Ampla irá utilizar para vender “a carne mais barata do mercado” para a iniciativa privada: aqui, há nada menos do que 230.578 pessoas presas a mais do que o sistema suporta. Um déficit carcerário que, agora, querem transformar em lucro.
Na “maior democracia do mundo”, vigoram a “lei e ordem” de um Estado racista e policial
Os EUA se vangloriam de ser o exemplo máximo da democracia e, inclusive, como parte de seu fortíssimo aparato de propaganda ideológica, transformaram os filmes e séries de “tribunais” e “lei e ordem” num gênero que vende mundo afora as ideias de um sistema justo, de uma polícia honesta e um sistema prisional “complexo”, mas “humano”.
Contudo, como nem sempre a vida imita a arte (ou vice-versa), a realidade é bastante distinta. Hoje, os EUA abrigam o segundo maior número de prisioneiros em todo o mundo, com cerca de 1,68 milhão de pessoas encarceradas (numa população de 340 milhões), superado apenas pela China (1,69 milhão, numa população de 1,4 bilhão). O Brasil é o terceiro país neste ranking vergonhoso.
O fato é que, em termos absolutos, os EUA concentram a maior população carcerária do mundo. Um número altíssimo que, para ser compreendido, precisa considerar algo ainda muito maior nos EUA: o racismo.
Considerando a população em geral, segundo o Censo de 2020, brancos(as) correspondem a 59,3% dos norte-americanos; latinos(as), 18,9%; e negros(as), 12,6%. No entanto, dentro das cadeias estaduais, a situação é a inversa. Também em 2020, a maioria dos prisioneiros era negra: 345.500, contra 327.300 brancos/as.
Como denunciado pelo “The Sentencing Project” (algo como “Projeto Sentença”, uma ONG especializada no sistema prisional), em um relatório intitulado “A cor da Justiça: disparidade étnica e racial nas prisões estaduais”), publicado em 2021, negros e negras são encarcerados em prisões estaduais norte-americanas em uma taxa quase cinco vezes maior do que os brancos. Já dentre a população latina, a taxa é 1,3 vezes maior.
Em números redondos, a taxa de negros encarcerados é de 1.240 pessoas para cada 100 mil habitantes; a de latinos é 349/100 mil; e a de brancos, 261/100 mil. E isso não é tudo. Em 12 (dos 51) estados norte-americanos, não por acaso quase todos do Sul do país (Alabama, Delaware, Georgia, Illinois, Louisiana, Maryland, Michigan, Mississippi, New Jersey, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Virgínia), mais da metade dos prisioneiros são negros.
Para que não restem dúvidas sobre o caráter extremamente racista dos sistemas judicial e prisional norte-americanos, vale citar outras estatísticas do Departamento de Justiça do país (equivalente ao nosso Ministério). Por exemplo, dentre os que estão cumprindo prisão perpétua, sem direito à condicional, negros e negras são 48% e a taxa de detenção de negros, quando comparada a de brancos, é de 6.109 para cada 100 mil habitantes, contra 2.795/100 mil.
Por fim, tomando como exemplo a Filadélfia, cidade do estado da Pensilvânia, que guarda o “Sino da Liberdade” e abriga os maiores símbolos da independência norte-americana e assinatura de sua Constituição, é fácil constatar que a ideia de que “todo homem é igual perante a lei” é uma farsa.
Lá, um relatório publicado pela Promotoria Pública, em 2023, intitulado “Disparidades nos tribunais penais da Filadélfia de 2015-2022”, constatou que “os negros representam 69% das pessoas paradas pela polícia e 62% dos indivíduos presos; os brancos representam apenas 18% das batidas policiais e 21% das prisões, apesar de os negros e os brancos representarem parcelas semelhantes da população da cidade” [negros são 44% da população e brancos, 36%].
Sistema prisional privado dos EUA surgiu com a libertação dos escravizados e cresceu com a “guerra às drogas”
Nos EUA, a existência de um sistema prisional privado é antiga. Para ser exato, e não por coincidência, a chamada “indústria das prisões” surgiu logo após o final da Guerra Civil norte-americana (1861-1865), que resultou na libertação dos escravizados.
Contudo, o sistema privado disparou nos anos 1980, quando a chamada “guerra às drogas” promovida pelo infame presidente Ronald Reagan resultou num aumento gigantesco do encarceramento, principalmente da juventude negra e latina.
Aliás, qualquer semelhança com os resultados da Lei Antidrogas aprovada por Lula, em 2006, não é mera coincidência. Por isso, vale lembrar alguns dados. Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2023, entre 2000 e 2022 o número de pessoas encarceradas no Brasil cresceu em 257,6% e o grande salto se deu exatamente após a proclamação da tal lei: de cerca de 340 mil, em 2006, para os atuais 832 mil.
Um salto que foi acompanhado por um escandaloso perfil racial. Em 2006, negros e negras correspondiam a 56,7 dos presos. Em 2022, já eram 68,2% da população carcerária. Enquanto isto, a porcentagem de brancos(as) encarcerados caiu: foi de 40,8% (2006) para 30,4% (2022).
Nos EUA, a história é bastante parecida, mas, antes continuarmos, é preciso saber que lá existentes distintos sistemas prisionais. Além das prisões administradas por cidades e estados, há outros sistemas diretamente vinculados ao governo federal, como o Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE, na sigla em inglês) e o “US Marshal Services” (equiparado a nossa Polícia Federal), que geralmente se utiliza de um sistema prisional próprio, a “Agência Nacional de Prisões” (BOP, na sigla em inglês).
Segundo dados oficiais, no início da Era Reagan, em 1980, o número de pessoas privadas de liberdade era de 501.886. Duas décadas depois – o que inclui 12 anos de governos conservadores republicanos, com Reagan (1981/89) e Bush-pai (1989/93), e oito anos de gestão do Partido Democrata, com Bill Clinton, de 1993 a 2001 – o número de presos havia praticamente quadruplicado, chegando a 1.800.300 pessoas, sendo que 803.400 eram homens negros e 69.500 mulheres negras. E vale lembrar: mesmo sendo cerca de 12% da população geral, negros e negras eram quase 50% dos presos
Para atender essa “demanda”, entre 1984 e 2000, o número de prisões estaduais, por exemplo, saltou de 694 para 1.073. E foi neste processo que as “empresas correcionais” rapidamente se tornaram em negócios ultralucrativos e se expandiram por todo o país, tanto nos sistemas prisionais estaduais quanto nas prisões federais, através de empresas multinacionais como a GEO Group, a LaSalle Corrections, a MTC e a CoreCivic, a maior delas.
Um crescimento que continuou nas últimas duas décadas, atravessando os governos de Bush-filho (2001/09), Obama (2009/17) e Trump (2017/21), apesar das crescentes denúncias sobre as falhas do sistema e os muitos problemas decorrentes da lógica inerente a qualquer negócio da burguesia: o lucro acima de tudo e a qualquer custo. Inclusive o de vidas humanas.
E os lucros foram mais do que consideráveis. Basta citar o exemplo da CoreCivic que somente em 2021 teve um rendimento de US$ 1,8 bilhão (cerca de R$ 8,9 bilhões) e que, assim como as demais, ainda criou ramificações no mercado, controlando empresas responsáveis desde a fabricação de tornozeleiras eletrônicas até serviços alimentação e de saúde voltados para os encarcerados.
Segundo a professora universitária e promotora pública Lauren-Brooke Eisen, autora do livro “Inside Private Prisons” (Por dentro das prisões privadas), publicado em 2017, juntas as empresas carcerárias arrecadavam, na época, cerca de US$ 5 bilhões por ano. Ou seja, cerca de R$ 24 bilhões.
Pessoas, principalmente não-brancas, transformadas em moeda de troca e peças da engrenagem de uma indústria corrupta e corruptora
Em um artigo (“O primeiro passo para impedir que as empresas lucrem com o encarceramento nos Estados Unidos”) publicado pelo portal da “Transnational Institute” (TNI, Instituto Transnacional), em 30/03/2021, se faz uma síntese de como a “indústria das prisões” obtém seus lucros e como isto afeta todo o sistema judiciário, as políticas públicas e a sociedade de conjunto. Um processo cujo ponto de partida é exatamente o mesmo da proposta apresentada pelo governo Lula.
“O principal objetivo destas prisões privadas é serem lucrativas e gerarem valor para as partes interessadas [os investidores] (…). As prisões privadas dependem de estarem cheias para serem economicamente viáveis (…). O governo paga à empresa privada um custo anual por prisioneiro, num valor estabelecido previamente. Em troca, a instalação privada fornece uma ração obrigatória de alimentos, roupas, assistência médica e outras necessidades, geralmente de baixa qualidade e restrita ao mínimo necessário para manter as margens de lucro o mais altas possível”, escreveram os autores.
Mas, o problema não se resume somente à baixíssima qualidade dos serviços prestados e nem mesmo à contratação de mão de obra não qualificada que também é inerente ao objetivo de manter a margem de lucro. Se isto não bastasse, estas instituições também cumprem um importante papel no aumento do encarceramento, não só porque recebem “por cabeça”, mas também porque muitos dos contratos garantem que suas instalações estarão sempre com a “carga máxima”.
“Para manter uma alta taxa de ocupação, muitos operadores de prisões privadas exigem que o governo estadual garanta que as instalações privadas sejam sempre preenchidas com uma determinada taxa de ocupação, que geralmente fica em torno de 90%”, conclui o artigo.
Desnecessário dizer como isto acaba resultando em “metas” de aprisionamentos, corrupção do sistema judicial (tanto para condenações indevidas quanto para o aumento das penas) e de parlamentares, cujas campanhas eleitorais são financiadas por estas empresas ou, quando já nos mandatos, participam de esquemas de suborno para alterar a legislação e facilitar o aprisionamento.
Algo que ficou evidente no nefasto papel que as principais empresas carcerárias, como a CoreCivic e a GEO Group, cumpriram na campanha pela aprovação em praticamente metade dos estados norte-americanos, entre meados dos anos 1990 e o início dos 2000, da “lei das três ocorrências ou infrações” (“three strikes law”), que faz com que qualquer pessoa detida pela terceira vez, por qualquer delito, seja automaticamente condenada à prisão perpétua ou a sentenças próximas a isto.
Como veremos abaixo, no decorrer da última década as denúncias contra a indústria das prisões fizeram com que houvesse uma relativa redução no sistema. Na California, por exemplo, o estado com a maior população carcerária do país, as pressões levaram à aprovação de uma lei, em 2019, que proíbe que o estado renove os contratos com as empresas carcerárias, o que significa que, a princípio, a última delas deixará de funcionar em 2028.
Seja como for, isso fez com que, nos estados, em 2021, segundo o “The Setencing Project”, cerca de 8% (cerca de 100 mil pessoas) de todos os presos norte-americanos estivessem em presídios privados instalados em 27 estados (enquanto em outros 23, o sistema é controlado completamente pelas instituições públicas ou está em um processo similar ao da Califórnia).
Contudo, a situação nos estados é bastante distinta. Em alguns deles, como Montana, 48% dos presos estão no sistema privado. Já em estados como Arizona, Havaí, Novo México, Oklahoma e Tennessee, a porcentagem varia de 15% a 45%.
E, mesmo com a redução das cadeias privadas, o número de presos nestas instituições continua crescendo. Entre 2000 e 2021 o encarceramento privado saltou em 10%, não por acaso impulsionado por estados mais conservadores e/ou onde se concentram as populações negras e latinas.
Neste período, na Flórida, por exemplo, houve um aumento de 199% no número de presos em instituições privadas, que saltaram de 3.912 (2000) para 11.712 (2021). Na Georgia, o salto foi de 96% (de 3.746 para 7.344); em Indiana, 288% (de 991 para 3.848); no Ohio, de 239% (de 1.918 para 6.506); no Tennessee, de 116% (de 3.510 para 7.593).
O jogo de cena dos Democratas para manter a indústria das prisões
Se nos sistemas prisionais estaduais as denúncias, na prática, tiveram um impacto pouco significativo; no sistema federal a situação é ainda mais complexa, graças tanto ao indisfarçado apoio que Trump deu à indústria das prisões (que contribuiu com muita grana para sua campanha), quanto à hipocrisia que caracteriza o Partido Democrata.
Em janeiro de 2021, o presidente Biden publicou uma Ordem Executiva para “eliminar gradualmente” o uso do sistema privado por parte do governo federal, retomando uma resolução semelhante que havia sido adotada por Barack Obama, em 2016, impedindo que o governo renove os contratos com as empresas quando eles expiram.
E se é verdade que a proposta de Obama mal teve tempo de entrar em vigor, sendo derrubada por Trump em 2017, também é um fato que a retomada dela por Biden está escancarando que, no fim das contas, os Democratas estão apenas fazendo um jogo de cena, principalmente para tentar agradar seus eleitores negros e latinos, sem realmente mexerem no sistema.
Essa é, por exemplo, a opinião de John Pfaff, professor de Direito, na Universidade Fordham, em uma entrevista publicada no portal da agência de notícias NBC, em 27 de janeiro de 2021.
“No que diz respeito às prisões privadas, o impacto desta ordem será mínimo ou nulo. Não se trata de reduzir o sistema prisional federal, trata-se apenas de transferir pessoas para instalações públicas (..). Na prática, o resultado será mais simbólico e terá pouco impacto em qualquer questão de justiça racial e do sistema. O simbolismo acarreta o risco muito real de nos tornarmos cegos aos incentivos quase idênticos dado ao setor prisional público, que é bastante grande”, declarou o professor.
Para se ter uma ideia a que o professor se refere, hoje, as prisões federais abrigam cerca de 152 mil pessoas, sendo que 14 mil estão encarceradas em prisões privadas. E o pouco impacto ao qual Pfaff se refere tem a ver com uma série de questões.
A primeira delas é que, em função da pandemia, o próprio governo federal foi obrigado a reduzir a população carcerária que, na época de Obama, era de 195 mil pessoas. Ou seja, o fim dos contratos também interessa às empresas, já que muitas de suas unidades estão funcionando com “excesso de vagas”, afetando sua lucratividade.
Além disso, calcula-se que, caso não seja revertida (o que é sempre uma possibilidade na democracia burguesa), a ordem executiva de Biden irá afetar, no curso dos próximos cinco anos (prazo da expiração dos contratos), no máximo, 25% dos rendimentos das maiores empresas carcerárias, como o GEO Group e a CoreCivic, que, ainda, estão livres para continuar oferecendo seus serviços para os sistemas prisionais municipais e estaduais.
No entanto, nem é isto que escancara o caráter meramente simbólico da manobra de Biden. Segundo o “The Sentencing Project”, entre 2000 e 2021, o sistema prisional federal que mais recorreu às instituições privadas foi o “Bureau of Prisons” (BOP, ou “agência nacional das prisões”), cuja utilização das empresas carcerárias aumentou em 39%, fazendo com que, em 2021, cerca 21.5 mil pessoas sob custódia federal estivessem presas em alguma instituição privada.
Com a Ordem Executiva, em novembro de 2022, o BOP anunciou que não tinha mais nenhum prisioneiro no sistema. Contudo, para entender o porquê das indústrias carcerárias terem feito pouco alarde sobre o tema, apesar de suas ações terem, a princípio, despencado nas Bolsas de Valores, é preciso saber que, na verdade, Biden apenas remanejou as vagas abertas nas prisões privadas, preenchendo-as com imigrantes.
Segundo a União Norte-Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), em um artigo intitulado “Mais do mesmo: as empresas prisionais privadas e a detenção de imigrantes durante a administração Biden”, publicado em 5 de outubro de 2021, agora, “o governo Biden está preenchendo as camas das prisões privadas, esvaziadas pelo seu próprio decreto, com imigrantes detidos”, contrariando, inclusive, uma promessa de campanha exaustivamente repetida pelo atual presidente, ao lado de sua vice-presidente negra Kamala Harris.
Lembrando que durante o famigerado governo Trump, o departamento de Imigração e Fiscalização Alfandegária (ICE, na sigla em inglês) aumentou em 50% o sistema de detenção de imigrantes, assinando 40 novos contratos com unidades prisionais, que beneficiaram fortemente o sistema privado, a ACLU constatou que a enorme maioria dos detidos foi parar neste tipo de instituição. Uma situação que, na prática, não mudou com a chegada de Biden ao poder e nem mesmo com seu decreto.
“Sob o governo Trump, 81% das pessoas detidas por dia, em janeiro de 2020, foram mantidas em instalações pertencentes ou operadas por corporações prisionais privadas. Esse número permanece praticamente inalterado durante o governo Biden. Em setembro de 2021, 79% das pessoas detidas todos os dias sob custódia do ICE estavam detidas em instalações de detenção privadas”, constatou o relatório da ACLU.
Resumo da história? As empresas carcerárias mantiveram suas gordas margens de lucro. “Estas empresas obtiveram aproximadamente o mesmo montante de receitas com os contratos de detenção do ICE que obtiveram com os contratos do Departamento de Justiça (BOP e Polícia Federal), juntos”, conclui o relatório da entidade.
Valores nada desprezíveis, como demonstram os relatórios financeiros das próprias empresas, publicados pela agência Reuters, em 27 de janeiro de 2021. Em 2019, os contratos com o BOP e a Polícia Federal representaram 23% da receita do GEO Group, ou cerca de US$ 570 milhões (cerca de R$ 2,8 bilhões). No caso da CoreCivic, as duas agências renderam cerca de US$ 440 milhões (R$ 2,1 bilhões).
Tanto lá quanto aqui
Privatização incentiva o encarceramento em massa, o racismo e o trabalho semiescravo
A proposta do governo petista em fazer avançar o aprisionamento privado, além de beneficiar um setor da burguesia para o qual nem mesmo o termo “parasitário” é digno, não só vai contra aquilo que eles próprios defendem como Estado Democrático de Direito, como violam os próprios Direitos Humanos. E, neste sentido, o exemplo norte-americano também é válido.
Lá, a crescente rejeição ao sistema, para além dos argumentos já apresentados, também tem a ver com o uso da mão de obra carcerária, também prevista no projeto petista. Em 2021, por exemplo, o GEO Group foi obrigado a pagar uma multa no valor de US$ 23 milhões (R$ 138 milhões), depois de perder um processo, acusada de exploração de mão de obra semiescrava por pagar menos de US$ 1,00 por dia para os encarcerados fazendo trabalho forçado em sua unidade para imigrantes detentos, numa prisão federal no estado de Washington, onde o salário mínimo por dia trabalhado é de U$ 13,69.
Além disso, um relatório feito pelo Departamento de Justiça, em 2016, demonstrou que as prisões federais privadas, em função da superlotação, da baixa qualificação e da subcontratação de funcionários, dentre outras coisas, apresentam mais problemas de segurança (dentre encarcerados e funcionários) que suas similares públicas, com mais casos de tráfico, contrabando, agressões sexuais, rebeliões e motins.
Também foi constatado que nestas prisões são frequentes as denúncias de baixa qualidade da alimentação, dos cuidados com higiene e dos serviços de saúde; ao mesmo tempo em que eram constantes os casos de maus-tratos e punições cruéis, como longos períodos em regime de solitária e restrição de movimento, ou a colocação de presos comuns ou que praticaram delitos menores em unidades de segurança máxima.
E da mesma forma que as empresas pressionam (ou seja, subornam) os órgãos judiciais e legislativos para aumentar as causas para prender e penas impostas, as administrações das unidades prisionais criam esquemas fraudulentos para aumentar o tempo de encarceramento.
E como vimos acima, tudo isto embrulhado num fedorento pacote racista, que segundo os dados de 2021, primeiro ano do mandato de Biden e Kamala Harris, continua intacto, principalmente no que se refere à juventude não-branca.
Segundo um relatório do próprio Departamento de Justiça, o maior abismo entre encarcerados brancos e não-brancos se encontra entre os jovens entre 18 e 19 anos, particularmente a minoria negra, cuja a taxa de encarceramento é 11,6 vezes maior do que a de brancos, seguida por um grupo ainda menor, os povos originários, que estão presos numa taxa 5.1 vezes maior que os brancos.
Em números redondos, nessa faixa etária, em 2021, havia 33 brancos presos para cada 100 mil habitantes. Dentre os negros, a relação é de 381/100 mil; dentre os nativos norte-americanos 169/100 mil e dentre os hispânicos ou latinos de 84/100 mil.
Diante disto, só podemos reafirmar nossa concordância com a nota emitida por 84 entidades, dentre elas a Pastoral Carcerária, em repúdio à resolução adotada pelo governo petista, principalmente quando ela afirma que “os contratos firmados com a iniciativa privada parecem querer favorecer o encarceramento em massa, com a aposição de cláusulas contratuais que exigem taxas mínimas de lotação das unidades prisionais, aliadas à remuneração da empresa por cada pessoa encarcerada, com a submissão dos corpos negros a trabalhos forçados e aumento das margens de lucro com a precarização ainda maior do sistema prisional”.
Não é possível que permitamos que a Frente Ampla avance em mais este projeto que volta contra classe trabalhadora e a juventude negra e periférica. Se não bastassem ataques como o Arcabouço Fiscal, a manutenção das reformas Trabalhista, Previdenciária e do Ensino Médio, que só favorecem banqueiros e empresários, agora querem lhes oferecer mais possibilidades de lucro a custa da liberdade e das vidas de negros e pobres.
Mais um motivo para que os movimentos negros, os movimentos sociais e os setores que, de fato, defendem o socialismo, rompam com este governo e construam, conosco, uma oposição de esquerda e uma alternativa revolucionária para o país.