Os desafios da classe trabalhadora após derrotarmos Bolsonaro nas urnas
A derrota eleitoral de Bolsonaro no 2º turno foi recebida com comemoração e, sobretudo, alívio pelos trabalhadores e trabalhadoras, a juventude e os setores mais oprimidos. Com muita razão.
Bolsonaro expressa um projeto autoritário, que ameaça as poucas liberdades democráticas que temos hoje. Por isso, o PSTU fez campanha pelo voto crítico em Lula neste 2º turno.
A chapa Lula-Alckmin, contudo, não representa uma real alternativa a Bolsonaro do ponto de vista da política econômica, tampouco será capaz de derrotar a ultradireita em definitivo. Mas, se Bolsonaro permanecesse à frente do aparelho do Estado, isto facilitaria seu projeto autoritário.
Uma amostra do que estar por vir da extrema-direita
O dia da eleição e as 48h que se seguiram foram uma pequena amostra disso. Primeiro, o governo coordenou uma ação de sabotagem, através da Polícia Rodoviária Federal (PRF), para impedir ou atrasar milhares de pessoas de exercerem seu direito democrático de votar, sobretudo no Nordeste.
Depois, com a confirmação de sua derrota nas urnas, mobilizou sua base mais ferrenha, através das redes sociais, para fechar estradas e protestar nas frentes dos quartéis, contestando as eleições e pedindo intervenção das Forças Armadas.
Através de declarações dúbias, Bolsonaro tentou se equilibrar entre a pressão de setores que exigiam um reconhecimento público da derrota e o núcleo mais radical da extrema-direita. E apenas aceitou iniciar a transição após consultar o comando do Exército sobre o apoio a uma eventual aventura golpista.
Essas eleições e os dias que se seguiram confirmaram o que PSTU já alertava. Após jogar todas as fichas para ganhar a votação nas urnas, sua prioridade, Bolsonaro não descartava partir para uma tentativa golpista, ainda que não tivesse forças para isso. Não contava com o apoio de setores majoritários da burguesia e principalmente do imperialismo, como tampouco tem a maioria do povo ao seu lado para tal.
Ele, contudo, buscou mobilizar sua base para tentar criar um clima de conflagração, manter a narrativa da fraude, como Trump fez nos EUA, e, uma vez fora da Presidência, negociar anistia para seus crimes. E, ainda, manter seu eleitorado mobilizado e conservar sua influência política no futuro.
Agora, estamos num momento em que a transição para o novo governo já começou. Bolsonaro, evidentemente, ainda pode aprontar alguma. Mas, a equipe de Lula já está tomando medidas.
Após a derrotarmos Bolsonaro nas urnas, é hora de preparar os próximos passos. Ficou ainda mais evidente que essa extrema-direita chegou para ficar, e só será derrotada, de verdade, com a organização e mobilização independente da classe trabalhadora. Enfrentando-a nas ruas e mudando as condições que possibilitaram seu surgimento e ascensão: a fome, o desemprego, a precarização e o processo de degradação, retrocesso e entrega do país.
CONTRAMÃO
Aliança com a burguesia não é o caminho para derrotar a ultradireita, nem para resolver nossos problemas
O novo governo ainda não assumiu, porém, os primeiros passos da transição entre os governos Bolsonaro e Lula já indicam o que nos espera. Confirma a manutenção da atual política econômica, apenas aparando as arestas dos arroubos ultraliberais de Paulo Guedes, mas dando continuidade a um governo com e para os bilionários.
Se o programa do PT e o amplo arco de alianças firmado ainda no 1º turno já mostravam essa tendência, agora vemos isso se concretizando. A escolha de Geraldo Alckmin para dirigir esse processo já era uma forma de indicar ao mercado que seus interesses permaneceriam intocados.
Depois, a aproximação com setores do Centrão, como o Partido Social Democrático (PSD), de Kassab, ou o próprio Arthur Lira. Isso foi reforçado com o convite para os banqueiros Pérsio Arida e André Lara Resende comporem a equipe econômica, com o apoio de Henrique Meirelles, homem de confiança dos banqueiros nacionais e internacionais.
Com banqueiros e o neoliberalismo
Tanto Pérsio Arida quanto Lara Resende foram formuladores do Plano Real e compuseram o governo FHC, responsável pela política de abertura da economia ao capital internacional, desnacionalização das empresas, privatizações, contrarreformas neoliberais, arrocho e desemprego.
Arida, inclusive, ocupava o Banco Central quando caiu, após a revelação de que vazou (para um sócio banqueiro) que o Real seria desvalorizado, numa manobra que, certamente, lhe garantiu alguns milhões.
Após esse escândalo, Pérsio Arida ainda trabalhou para o banco Opportunity, de Daniel Dantas, e ajudou a fundar o BTG Pactual, junto com Guedes. Foi um dos fundadores, ainda, do grupo Livres, uma espécie de laboratório de ideias liberal, com atuação multipartidária em siglas de direita, ao estilo do MBL.
Transição começou
As propostas que já avançam entre a equipe de transição e o Congresso Nacional, para o próximo ano, mostram que a orientação é manter tudo como está. Discute-se uma PEC ou uma autorização do TCU (Tribunal de Contas da União) para acomodar os R$ 600 do Auxílio Brasil a 21 milhões de famílias. Com isso, 46 das 67 milhões de famílias que recebiam o auxílio-emergencial continuarão de fora de qualquer programa de transferência de renda.
Já o salário mínimo, uma das principais promessas de Lula, deve ser reajustado num valor de apenas 1,4% acima do previsto pelo orçamento de Bolsonaro. O orçamento enviado pelo atual governo previa passar dos atuais R$ 1.212 para R$ 1.302. Já a proposta divulgada pelo PT é de R$ 1.320, uma diferença de menos de R$ 20, que sequer compra um pacote de arroz. Segundo o Dieese, o mínimo deveria ser de R$ 6.306,97, para cumprir a Constituição.
A atualização da tabela do Imposto de Renda e a promessa de isentar quem ganha até cinco salários mínimos, devem ficar só para 2024. A regra do Teto dos Gastos deve ser substituída por outra, mais flexível, mas com o mesmo conteúdo: manter o arrocho fiscal e priorizar o pagamento da dívida aos banqueiros.
Já a Reforma Trabalhista não só não deve ser revogada, como entidades e confederações patronais pressionam pelo avanço da Reforma Administrativa no setor público, medida, aliás, cujo maior defensor é justamente Meirelles.
Independência
Nenhuma confiança com o governo Lula-Alckmin
Para derrotar de vez a ultradireita e garantir as demandas da classe trabalhadora contra a patronal, devemos exigir do novo governo nossas reivindicações e organizar a luta unificada por elas. Confiar na força dos trabalhadores (as) e organizar a luta de forma independente e pela base
Por emprego, salário e terra
Devemos nos organizar para a revogação, por completo, das reformas Trabalhista e da Previdência. No mesmo sentido, em defesa do emprego, exigir a redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários, com a garantia de pleno emprego e carteira assinada para todos, incluindo os trabalhadores por aplicativos, e aumento geral de salários.
Precisamos lutar pela Petrobras 100% estatal, sob controle dos trabalhadores, e a reestatização das empresas privatizadas, como a Vale e a CSN. Da mesma forma, parar o processo de entrega do país e todas as privatizações em curso.
É preciso exigir a demarcação das terras indígenas, a reforma agrária e o apoio à agricultura familiar, contra o agronegócio. A proteção do meio ambiente e dos povos originários, contra o Marco Temporal, assim como a reparação para o povo negro e garantia de direitos das mulheres e LGBTIs, além do fim da violência contra estes setores.
Por educação, saúde, moradia e serviços públicos de qualidade, precisamos acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal, substituindo-a por uma Lei de Responsabilidade Social, suspendendo o pagamento da dívida aos banqueiros. Acabar com o teto de gastos e sem qualquer lei que aplique o arrocho para beneficiar os banqueiros.
É preciso exigir, também, a investigação e punição exemplar de Bolsonaro e sua família, assim como todos os cúmplices dos crimes cometidos à frente do governo (página 8).
Organizar trabalhadores e oprimidos
A derrota de Bolsonaro nessas eleições abre a expectativa de que a vida melhore. Porém, infelizmente, é preciso alertar os trabalhadores que um governo atuando com banqueiros, o grande empresariado e o agronegócio, como aponta essa transição, não vai garantir o fim da fome, ou do desemprego. Pelo contrário, vai continuar atacando e superexplorando os trabalhadores.
Mais do que isso, ao não enfrentar os bilionários, acabará por perpetuar as bases econômicas, políticas e sociais que possibilitaram o surgimento e crescimento dessa ultradireita. Pior, além de não a derrotar, tenderá a fortalecê-la.
Tudo isto, combinado com as alianças e compromissos que Lula vem assumindo com setores abertamente reacionários e fundamentalistas, só pode significar péssimas notícias para mulheres, LGBTIs, negros(as), indígenas e demais setores oprimidos (leia na página 6).
Para derrotar, de fato, a extrema-direita é preciso mudar e reverter esse processo de degradação e retrocesso do país. Para isso, é necessária a organização e mobilização independente da classe trabalhadora. Isso passa por organizar a nossa luta, pela base, fortalecer toda nossa organização independente da patronal e também nossa autodefesa.
DESAFIO
Organizar a oposição de esquerda e de classe
O próximo período será de grande desafio para a classe trabalhadora. Teremos um governo de aliança de classes que irá administrar a crise capitalista.
Ao contrário de 2003, no primeiro governo Lula, o horizonte da economia mundial aponta para o aprofundamento da crise. De outro lado, teremos a oposição de uma extrema-direita organizada, armada e radicalizada.
Experiências recentes na América Latina e a própria trajetória dos governos do PT, aqui, mostraram que a desmoralização de governos de Frente Ampla, de aliança com a burguesia, acaba sendo impulsionadora da extrema-direita.
A decepção que os trabalhadores têm com esses governos fortalece setores como o bolsonarismo. O pior erro que a esquerda socialista pode cometer é o de se colocar como um apêndice de um governo de aliança com a burguesia, justificando-se pela ameaça da ultradireita.
É lamentável, assim, a posição referendada pela direção do PSOL, de integrar a transição do futuro governo. Isso é, na prática, entrar e legitimar o governo Lula-Alckmin. Ou mesmo a posição divulgada por uma de suas correntes internas, o MES, de não integrar formalmente o governo, mas apoiá-lo por fora. Fazer isso é repetir a História e ajuda, mesmo que involuntariamente, a levar água ao moinho do bolsonarismo.
Só vamos derrotar a ultradireita, pra valer, com independência de classe, mobilização e autodefesa; e lutando para mudar as condições sociais, políticas e econômicas que possibilitaram seu surgimento. E isso não vai ser possível junto com um governo de aliança com bilionários.
Derrotar a extrema-direita e mudar o país
O PSTU alerta: temos de organizar e fortalecer uma oposição de esquerda que possa batalhar, em frente única nas lutas e nas ruas, para enfrentar a extrema-direita e, também, os ataques que inevitavelmente virão do novo governo.
Já vimos que não podemos depositar qualquer confiança nas instituições dessa “ricocracia” para defender as liberdades democráticas, como o STF ou o próprio Congresso, que, inclusive, será ainda mais bolsonarista. Não podemos, também, deixar os trabalhadores a reboque de setores como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Federação Nacional dos Bancos (Febraban).
Só a mobilização independente da classe trabalhadora pode defender de forma consequente as liberdades democráticas, o fim de toda opressão e acabar, de vez, com a extrema-direita, bem como defender as nossas condições de vida, a soberania do país e abrir caminho para que os trabalhadores governem e possamos dar um fim no capitalismo.
É preciso construir uma oposição da classe e de esquerda ao governo, nas lutas e nas ruas, que possa enfrentar tanto a ultradireita, como os ataques do capital, impulsionados pelo novo governo, aliado aos bilionários.
Defendendo e construindo uma organização socialista e revolucionária, o PSTU estará junto com a classe trabalhadora e seus setores mais oprimidos, em cada luta e nessa batalha.
Bolsonarismo
Como lutar contra a ultradireita no governo Lula?
Julio Anselmo, de São Paulo (SP)
As manifestações golpistas que ocorreram na última semana são demonstrações de que, durante o governo Lula, teremos uma oposição de ultradireita, militante e com peso. Este fato é relativamente novo. Os últimos governos do PT não tiveram a presença desta ultradireita na oposição. Inclusive, muitos dos atuais bolsonaristas estiveram até mesmo em cargos dos governos petistas. Isso coloca um desafio para os ativistas: Como lutar contra a ultradireita durante o governo Lula?
O PT responde afirmando que as pessoas que não gostam do Bolsonaro e não querem sua volta deveriam apoiar o novo governo. Enquanto isso, Lula dá a bola do jogo para Alckmin dirigir a equipe de transição; chama vários representantes do empresariado para ajudar neste processo; convida o MDB para compor o governo, desde já, e inclina-se para conversar com Arthur Lira, um dos líderes do Centrão, que declarou sua disposição para ser da base de sustentação do governo caso o PT apoie sua reeleição para a presidência da Câmara.
E mais. Até mesmo Malafaia e Edir Macedo, lideres da bancada do fundamentalismo evangélico, têm feito acenos e mostrado disposição para conversar. Aos militares, também já foi sinalizado que a hierarquia e os desejos da caserna serão respeitados.
Ao lado da burguesia, não há paz nem harmonia
Lula não se propõe a enfrentar a ultradireita. Suas declarações oficiais falam em “pacificar o país”, em harmonia com todos. Mas qual harmonia é possível diante de uma Política Rodoviária Federal e das demais forças de repressão e segurança cada vez mais bolsonaristas? Ou com um setor da burguesia fazendo locaute e assediando trabalhadores e trabalhadoras?
Lula vem preparando um governo que, do ponto de vista econômico e das alianças, será mais à direita do que seus governos anteriores. Ou alguém acredita que os conselhos econômicos de Henrique Meirelles, Pérsio Arida e outros do mesmo naipe serão a favor dos trabalhadores? O PT irá compor uma base de sustentação com gente que era bolsonarista até ontem. Não mexerá nas estruturas sociais, econômicas e políticas que não só permitiram o surgimento como também a proliferação da ultradireita.
Decadência do capitalismo
O bolsonarismo não caiu do céu
A ultradireita é expressão do que há de mais bárbaro no capitalismo brasileiro. E, ao mesmo tempo, é parte de um fenômeno mundial, que expressa o nível de degradação do capitalismo atual, como também carrega as especificidades do subdesenvolvimentismo brasileiro e das características de sua classe dominante, desde sempre parasita, violenta e reacionária.
Bolsonaro e a ultradireita se fortaleceram justamente após os governos petistas, pois tudo o que o PT fez foi fortalecer o capitalismo no Brasil, alimentando seus setores mais reacionários. Ao mesmo passo que contribuiu para que os trabalhadores retrocedessem na consciência de classe, na organização e nas lutas.
Lula não governará para os trabalhadores, não enfrentará o capitalismo e não vai fazer qualquer transformação estrutural que possa beneficiar os trabalhadores, o povo e seus setores oprimidos e historicamente marginalizados. Isso significa que a ultradireita, no Brasil, continuará atuando e, ainda, tentará se fortalecer sob o desgaste do governo do PT, pois se alimenta das próprias contradições criadas pelo capitalismo.
Alternativa independente
Diante da necessidade de seguir lutando contra esta ultradireita que, definitivamente, ainda não foi derrotada, muitos ativistas da esquerda consideram que o caminho seria participar e defender o governo Lula. O PSOL, inclusive, integra a equipe de transição dos governos.
Unidade de ação contra a ultradireita
Para nós, a tarefa dos ativistas agora é outra. Não se pode confiar em um governo de aliança com os ricos e bolsonaristas. É preciso construir uma oposição de esquerda ao governo Lula. Preparar a luta, organizando os trabalhadores e trabalhadoras, com independência, apresentando uma lista de exigências e denunciando os ataques que vierem.
Ao mesmo tempo, é preciso aprofundar o combate à ultradireita, seus ataques e qualquer tentativa golpista. Não nos furtaremos a usar a unidade de ação contra a ultradireita.
Esquerda socialista e revolucionária
Temos um imenso desafio histórico. Somente com esta localização é possível avançarmos em uma organização de esquerda nesse país, que supere o PT não apenas em figuras públicas ou capacidade eleitoral; mas principalmente em seu programa. Se não ganharmos parte da classe trabalhadora para abraçar o programa socialista e revolucionário, a luta contra a ultradireita irá se complicar cada vez mais.
Enquanto a polarização for entre a ultradireita bolsonarista versus um governo de união nacional com grande parte da burguesia, capitaneada pelo PT, a “paz e harmonia” serão apenas um subterfúgio para o caplitalismo lascar o chicote no lombo dos trabalhadores e do povo explorado e oprimido.
A única forma para resolver os problemas do país é avançar no fortalecimento de uma esquerda socialista e revolucionária. Isso não se constrói apoiando um governo da burguesia. Esta é a mesma lógica do “mal menor”, que sempre é usada no debate e que impede os trabalhadores de saírem dessa espiral sangrenta da luta política entre esses diversos setores burgueses.