Os bilionários da “Forbes” também têm raça, gênero, orientação sexual e origem
Em um artigo anterior, discutimos aspectos gerais da lista da “Forbes”, que celebra aqueles que acumulam fortunas superiores a U$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,2 bilhões), denunciando o quanto isto diz sobre o caráter absolutamente predatório do capitalismo. Aqui, queremos destacar como tudo isto se relaciona com o tema das opressões.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que o colossal abismo existente entre os abutres da “Forbes” e o oceano de desamparados na Terra é escavado por aquilo que condiciona tudo na sociedade capitalista: a existência de uma classe que monopoliza a propriedade dos meios de produção, se apropriando de toda riqueza, em contraposição aos bilhões de trabalhadores, trabalhadoras e despossuídos que, mesmo produzindo toda a riqueza, lutam para sobreviver.
Um abismo, contudo, cujas paredes se distanciam ainda mais quando também escavadas pelas distintas formas de discriminação, marginalização e violência que afetam mulheres em geral, pessoas LGBTI+, negros e negras e demais população não brancas.
Fortunas também revelam o caráter de classe das opressões
Não causa espanto, por exemplo, que dentre os 2.781 bilionários apenas 369 sejam mulheres (13% do total). A mais rica delas, Françoise Bettencourt Meyers, é uma francesa, herdeira da gigante dos cosméticos “L’Oreal”.
Também não surpreende em nada que a lista tenha apenas 17 negros e negras (sendo apenas duas mulheres). Alguns são ligados à exploração do continente africano. Outros tantos, e, de forma crescente, circulam pelo mundo da música, da comunicação e do esporte, com nomes como Rihanna, Oprah Winfrey, Jay-Z, Tiger Woods, LeBron James, a maioria com fortunas ao redor de 1,5 bilhão de dólares, com exceção de Michal Jordan, com US$ 3,2 bilhões.
Como mencionado no artigo anterior, dentre os 20 africanos que integram a lista (localizados em apenas sete dos 54 países do continente), apenas cinco são negros e apenas um deles, o nigeriano Aliko Dangote, dono de um conglomerado que atua em vários setores, tem uma fortuna de US$ 16,1 bilhões (R$ 84 bilhões), o que equivale a 20% da grana acumulada por todos negros e negras da lista.
Já de acordo com o portal “Luxuo”, existem apenas nove pessoas assumidamente LGBTI+ com mais de US$ 1 milhão. O mais rico é David Geffen, cofundador da “Dreamworks”, a gigante do mundo do cinema, com US$ 9,2 bilhões (R$ 48 bi), seguido por sete outros homens brancos e cisgêneros (com identidade igual ao sexo determinado no nascimento).
A maioria deles é do mundo da Moda, como Giorgi Armani (US$ 6,7 bilhões ou R$ 35 bi), Domenico Dolce e Steffano Gabbana (cada um com US$ 1,3 bilhão ou R$ 6,2 bi), e uma única mulher trans, Jennifer Pritzker, herdeira da rede de hotéis Hyatt, que acumula US$ 2 bilhões ou R$ 10,5 bi) e o histórico de, até 2017, ter sido apoiadora de Donald Trump.
Evidentemente, mesmo que tenham passado por situações de discriminação e preconceito, inclusive nos espaços luxuosos e “diferenciados” nos quais circulam, nenhum destes negros e negras, LGBTI+ ou mulheres jamais esteve exposto às vulnerabilidades e sofrimentos experenciados pela enorme maioria de nós, que, além de oprimidos e oprimidas, também somos explorados, inclusive pelas empresas e negócios que garantem suas fortunas.
Nenhum deles conheceu a fome, o desemprego ou a falta de acesso a serviços e direitos básicos, a começar por Saúde, Educação, moradia, terra pra viver e trabalhar ou transporte. Nenhum deles está dentre as vítimas mais frequentes das catástrofes ambientais, das migrações forçadas ou das guerras alimentadas pela ganância capitalista.
Pelo contrário. Todos e todas elas, direta ou indiretamente (no caso particular do mundo do entretenimento e dos esportes, por exemplo), se beneficiam com os privilégios decorrentes da divisão da sociedade em classes, com a concentração de renda e a desigualdade social.
Nada a comemorar
E, exatamente por isso, é necessário destacar que não é raro encontrar reportagens sobre estes nomes com comentários como o publicado, em 5 de janeiro de 2024, no portal “Business Insider: Africa”, se referindo aos poucos bilionários africanos negros.
“A importância dos bilionários negros na África está na representação da imagem para jovens e aspirantes a empresários africanos. Além disso, ter bilionários negros na África pode ser visto como uma forma de capacitação econômica para comunidades historicamente marginalizadas. Isso significa o potencial de indivíduos com ascendência africana para superar desigualdades históricas e ter sucesso no mundo dos negócios, contribuindo para o fortalecimento econômico mais amplo da África”, diz o texto.
Exemplo de como a burguesia, mesmo a partir de números tão esdrúxulos, é capaz de alimentar ideologias como o do “emponderamento individual”, do “empreendorismo” para tentar ganhar corações e mentes de uma juventude negra mergulhada no desamparo, cercada por genocídios e pela falta de quase ou absolutamente tudo.
Uma farsa que também se estendo ao caso das mulheres, LGBTI+, povos indígenas, imigrantes etc., lamentavelmente, se apoia em teses que, hoje, contaminadas por perspectivas pós-modernas e reformistas, são produzidas ou encampadas inclusive por ativistas e entidades negras, que a exemplo da tese do “racismo estrutural”, nega a materialidade das opressões e, ainda, propõe que a marginalização pode ser superada através da conquista de locais e espaços de poder e de prestígio.
O que faz, inclusive, que, nas redes sociais, não seja raro ver os nomes destes bilionários acompanhados de “hastags” como #blackexcellence ou #LGBTexcellence, celebrando a “excelência”, o “alto nível de realização” ou o “sucesso” destes negros, mulheres e LGBTI+. Algo deplorável, principalmente sabendo-se o estado de desamparo e as múltiplas formas de violência aos quais estes setores estão submetidos mundo afora.
Por isso, ao invés de celebrar essas exceções em um mundo marcado pela combinação da opressão com a exploração, mais do que nunca é necessário reafirmá-la. É preciso lembrar que a luta pela real igualdade, pela verdadeira liberdade ou pela justiça de fato passa, obrigatoriamente, pelo combate às desigualdades provocadas pelo capital.
E isto só poderá ser conquistado em um mundo no qual o meios de produção e as riquezas decorrentes deles, hoje monopolizados por um ínfimo punhado de bilionários, estejam nas mãos dos trabalhadores e trabalhadoras, que os controlem e governem com toda a diversidade que caracteriza a humanidade. Por isso mesmo, vale lembrar um poema-lição “Negros”, de Solano Trindade, lembrando que o mesmíssimo é válido em relação às mulheres, às LGBTI+ e todos demais setores oprimidos.
Negros que escravizam
E vendem negros na África
Não são meus irmãosNegros senhores na América
A serviço do capital
Não são meus irmãosNegros opressores
Em qualquer parte do mundo
Não são meus irmãosSó os negros oprimidos
Escravizados
Em luta por liberdade
São meus irmãosPara estes tenho um poema
Grande como o Nilo.