O verdadeiro papel de Stalin na Segunda Guerra Mundial
Apesar de todos esses desastres da condução de Stalin, a resistência do povo soviético e do Exército Vermelho foi magnífica e conseguiu reverter o quadro de retrocesso e transformá-lo em uma ofensiva até derrotar as forças nazistas.
A atuação da União soviética na Segunda Guerra Mundial foi decisiva para vencer o nazismo. Ao contrário da lenda sobre o papel dos Aliados a partir do desembarque do dia D na Normandia em junho de 1944, o fato é que foi o Exército Vermelho que sustentou praticamente sozinho a guerra contra as tropas alemãs durante três anos e foi o grande responsável pela derrocada final de Hitler.
Essa derrota acabou com um regime ditatorial racista que praticou o genocídio de judeus em câmaras de gás; que pretendia escravizar as nacionalidades não-arianas, inferiores segundo a ideologia de Hitler e seus seguidores e buscava se constituir como a potência dominante do mundo.
Foi, sem dúvida, uma extraordinária vitória do povo soviético, que pagou com um enorme sacrifício: a vida de 25 a 27 milhões de pessoas, entre soldados e população civil. Mas foi também um triunfo de todos os trabalhadores do mundo e dos povos ameaçados pelo nazismo.
No entanto, depois da guerra, o regime stalinista e os partidos comunistas do mundo inteiro criaram e divulgaram o mito de que Stalin teria sido o grande comandante infalível e vitorioso, o “gênio militar” que teria derrotado o nazismo. Essa história tem base na realidade?
De jeito nenhum. A verdade é que o povo soviético e o Exército Vermelho ganharam a Segunda Guerra APESAR de Stalin e da sua desastrosa condução da União Soviética, tanto antes como durante o conflito mundial.
A decapitação do Exército Vermelho pelo expurgo stalinista
Os desastres provocados por Stalin e toda a burocracia stalinista começaram com os expurgos que eliminaram todos as tendências comunistas opositoras e toda a velha guarda do partido bolchevique, como vimos em artigos anteriores.
O expurgo atingiu também as Forças Armadas soviéticas. Em junho de 1937, foram presos, julgados secretamente e fuzilados o Marechal Tukachevsky e a maioria de altos oficiais.
Número de oficiais executados:
- Marechais 5 Executados 3
- Comandantes de Exércitos 15 Executados 13
- Almirantes 9 Executados 8
- Generais de Exército 57 Executados 50
- Generais de Divisão 186 Executados 154
- Coronéis 456 Executados 401
No total, 45 mil oficiais do Exército Vermelho e das outras forças foram presos e 30 mil deles foram executados.
Trotsky explicou na época que essa reação brutal da burocracia stalinista era uma consequência inevitável do fato da burocracia civil do partido ter criado a ditadura de uma casta burocrática sobre o proletariado. Ele dizia que uma ditadura tende sempre a assumir a forma de dominação pela força das armas, que podia ser exercida de forma mais simples e direta por um dos marechais, apoiado no aparato militar.
Essa possibilidade aterrorizava Stalin e o levou a aniquilar injustificadamente os mais experientes e provados oficiais que haviam lutado e vencido os Exércitos brancos na guerra civil e constituíam a coluna mestra das forças armadas.
Foi uma “verdadeira decapitação do Exército Vermelho” afirmou Trotsky. Ele concluiu que a moral do exército tinha sido abalada até os seus alicerces e que Stalin sacrificava os interesses da defesa soviética em prol da autodefesa da casta dominante.
Na verdade, os efeitos foram muito além da eliminação física e a prisão de milhares de oficiais. No chamado discurso “secreto” ao XX Congresso do Partido Comunista em 1956, Kruschev reconheceu que: “a política de perseguições em grande escala contra os núcleos militares minou a disciplina militar, porque durante vários anos oficiais de todos os escalões e mesmo soldados…deviam desmascarar os seus superiores como inimigos ocultos”.
O expurgo e suas consequências enfraqueceram terrivelmente o Exército Vermelho e facilitariam a invasão da URSS pela Alemanha nazista cinco anos depois.
O Pacto Stalin-Hitler
Mas a política desastrosa de Stalin nos anos que antecederam a guerra não parou por aí. Desde 1933, quando Hitler tinha subido ao poder na Alemanha, o nazi-fascismo ameaçava com uma guerra mundial e declarava abertamente que seu principal objetivo era destruir a União Soviética e o comunismo.
O movimento operário internacional e as organizações democráticas e progressistas de todo o mundo eram conscientes dessa ameaça. Durante 6 anos depois da subida do nazismo ao poder, a União Soviética e a Internacional Comunista fizeram uma campanha internacional contra o nazi-fascismo.
Em 1935, a Internacional Comunista propôs em seu VII Congresso uma Frente antifascista mundial com os países imperialistas supostamente “democráticos” (Inglaterra, França e Estados Unidos) e Frentes Populares com a burguesia dita “progressista” em todos os países. O stalinismo defendia essa colaboração com a burguesia com a justificativa de que era preciso combater o nazi-fascismo.
No entanto, para surpresa do mundo, em 22 de agosto de 1939, o ministro de Relações Exteriores da União Soviética, Molotov, em nome de Stalin, e Ribentropp, representando Hitler, firmaram um pacto de “não-agressão” entre a Alemanha nazista e a União Soviética. Pouco antes do Pacto, Stalin promoveu um Acordo econômico em que a União Soviética se comprometia a vender suas matérias-primas à Alemanha, em troca de produtos industriais.
O Pacto Stalin-Hitler foi um choque para todas as organizações do movimento operário do mundo inteiro e também para as organizações democráticas, porque significava uma aliança com o maior inimigo do comunismo e também de todas as organizações de trabalhadores e democráticas. Uma virada de 180 graus na política externa soviética.
Stalin procurou justificar o acordo com Hitler dizendo que era um “pacto pela paz”, um pacto de não-agressão. Mas os fatos posteriores mostraram que isso era completamente falso. Na verdade, foi um acordo militar que permitia a Hitler começar a guerra. Uma semana depois de firmado o pacto, o exército alemão invadiu a Polônia dando início à Segunda Guerra Mundial.
O Pacto também favorecia Stalin. Foi firmado um acordo secreto para dividir a Polônia, a União Soviética ficando com a parte oriental do país. Hitler se comprometeu com Stalin de que não haveria mais um estado polonês independente.
Além disso, por esse acordo secreto Stalin poderia anexar a Letônia, Lituânia e Estônia e invadir a Finlândia. O Exército Vermelho ocupou esses países, violando a política de Lenin para as nacionalidades, que tinha como pilar fundamental o direito dos povos à autodeterminação nacional.
Mas, a invasão da Finlândia encontrou a resistência do exército desse país e mostrou as fraquezas do Exército Vermelho, causados principalmente pelos expurgos. Os soviéticos perderam 100 mil soldados, só conseguiram avançar em uma pequena parte do país e foram obrigados a firmar a paz.
O Pacto econômico e militar favoreceu na verdade a estratégia de Hitler. Os nazistas ficaram com as mãos livres na Europa Ocidental. As tropas alemãs, que já tinham anexado a Áustria e a Tchecoslováquia, ocuparam a Holanda, a Bélgica, derrotaram o exército francês e ocuparam o norte da França, inclusive Paris.
No plano internacional, essa verdadeira traição teve consequências terríveis: o Pacto Stalin-Hitler confundiu e desmoralizou o movimento operário internacional e a luta contra o nazi-fascismo gerando dúvidas em vários setores em relação à defesa da União Soviética. Trotsky dizia que Stalin não estava interessado na revolução socialista internacional, mas unicamente na defesa da casta burocrática que governava a União Soviética.
Até hoje os stalinistas tentam justificar o pacto dizendo que ele foi necessário para URSS ganhar tempo para se preparar para a guerra, mas se calam sobre a decapitação do Exército Vermelho, sobre o despreparo para uma possível invasão alemã e a confiança de que Hitler não atacaria.
Stalin estava avisado da invasão alemã…mas não acreditou
Em junho de 1941, as tropas de Hitler invadiram a União Soviética. Durante e depois da guerra, Stalin justificou o desastre que o Exército Vermelho sofreu na primeira parte da guerra, dizendo que era consequência do fato da Alemanha ter atacado inesperadamente a União Soviética. Mas isso é totalmente falso.
Hitler sempre declarou abertamente que seu objetivo era destruir a União Soviética e liquidar o comunismo. O Pacto com Stalin não modificou esse objetivo. Hitler só queria ganhar tempo e em meados de 1940 começou a preparar os planos da invasão, denominada Operação Barbarossa. Em fevereiro de 1941, começou a concentrar grandes unidades armadas perto da fronteira soviética.
Segundo conta Kruschev, Stalin não preparou o país para enfrentar a Alemanha. O Exército estava mal equipado, não tinha suficiente artilharia, tanques ou aviões. Embora tivessem armas muito eficientes, como o tanque T-34, superior aos alemães, a produção em massa não estava organizada.
Stalin foi avisado da proximidade da invasão alemã pelos serviços de espionagem soviéticos como a famosa equipe de espiões conhecida como “Orquestra Vermelha”, dirigida por Leopold Trepper, que informou inclusive a data da invasão, 22 de junho de 1941. O espião Richard Sorge, que vivia no Japão, também alertou Stalin.
Até Churchill, que era um inimigo declarado da URSS, mas tinha interesse que o país entrasse na guerra para enfraquecer a Alemanha, mandou avisar Stalin, em abril, que Hitler estava se preparando para atacar a URSS, no máximo até meados de junho e que os alemães tinham concentrado 147 divisões na fronteira soviética. Stalin não deu atenção a essas advertências.
Os próprios militares alertaram Stalin muitas vezes. O general Kirponós, chefe do Distrito Militar de Kiev, escreveu a Stalin dizendo que os alemães haviam chegado a fronteira e estavam se preparando para um ataque. Ele sugeriu que se organizasse uma forte linha defensiva. Moscou respondeu que esta medida seria uma provocação e que não era permitido iniciar trabalhos defensivos na fronteira, para não dar aos alemães nenhum pretexto para iniciar a guerra.
Outro depoimento é o do general Zhukov, chefe do Estado-Maior soviético e um dos melhores, senão o melhor comandante do Exército Vermelho. Em seu livro intitulado “Memórias e reflexões” ele conta que em 13 de junho, 9 dias antes da invasão, [o general] Timoshenko telefonou para Stálin, em sua presença, para pedir autorização para ordenar que as tropas das regiões militares de fronteira fossem preparadas para o combate. Stalin respondeu: “Vamos pensar”.
No dia seguinte, eles foram ver Stalin de novo e defenderam a necessidade de preparar as tropas para o combate. Stalin respondeu: – “Vocês propõem mobilizar o país, colocar em alerta as tropas na fronteira? Mas isso significa a guerra! Vocês dois compreendem isso ou não?”
Zhukhov argumentou que, de acordo o serviço de informação, as divisões alemãs estavam preparadas para a guerra, enquanto as soviéticas só possuíam a metade do efetivo das alemãs. Stalin comentou: “Não se pode acreditar em tudo o que diz o serviço de informação”.
O resultado dessa atitude de Stálin, que desconsiderava avisos e fatos, é que o Exército Vermelho estava totalmente despreparado, por isso demorou a contra-atacar e as forças alemãs avançaram rapidamente. Poucos dias depois de iniciado, o ataque dos alemães tinha destruído grande quantidade de equipamento militar, inclusive grande parte da aviação soviética, quase 4 mil aviões, a maioria ainda em terra sem nem conseguir decolar.
350 mil soldados soviéticos foram mortos e aproximadamente 1 milhão caíram prisioneiros das tropas alemãs. Esses últimos não voltaram mais a combater e a maioria morreu nos campos de concentração nazistas.
Os desastres de Stalin na condução da guerra
Kruschev desmente o mito de Stálin como “gênio militar”. Segundo ele: “Stalin se intrometia nas operações e ditava ordens que não levavam em conta a situação real em um determinado setor da frente e que culminavam em grandes perdas humanas. ”
Ele dá um exemplo. O Marechal Bagramyan, chefe de operações do Quartel-general da frente sul-ocidental, tinha decidido corretamente cancelar uma operação cujo objetivo era cercar Kharkov, na Ucrânia, porque a situação real nesse momento indicava que poderia haver consequências fatais para as tropas soviéticas.
Stalin foi informado, mas ignorou as sugestões e ordenou que se prosseguisse com a operação. O resultado desta decisão foi o pior possível. Os alemães cercaram e destruíram as concentrações dos exércitos soviéticos e centenas de milhares de soldados perderam a vida. Essa foi uma mostra do suposto “gênio militar” de Stalin e do que isso custou.
A luta heroica do povo soviético e do Exército Vermelho derrotou o nazismo
Apesar de todos esses desastres da condução de Stalin, a resistência do povo soviético e do Exército Vermelho foi magnífica e conseguiu reverter o quadro de retrocesso e transformá-lo em uma ofensiva até derrotar as forças nazistas.
O povo soviético lutou heroicamente contra a ferocidade dos nazistas, que na sua ofensiva fuzilaram centenas de milhares de civis, principalmente judeus e asiáticos de acordo com a doutrina racista do nazismo. As tropas alemãs arrasaram mais de 700 povoados e exterminaram todos os seus moradores.
Em sua ofensiva contra Moscou, os alemães chegaram a apenas 12 quilômetros da Praça Vermelha, mas foram detidos pela resistência soviética e pelas condições do inverno. A resistência foi de todo o povo: 100 mil operários construíram mais de 112 quilômetros de linhas de defesa em torno da cidade. 10 mil operários formaram uma guarda voluntária para ajudar na defesa e 30 mil mulheres se alistaram para trabalhar nos serviços de saúde. Leningrado foi cercada pelas tropas nazistas durante 900 dias. Mais de 600 mil habitantes morreram de fome, frio e doenças, mas a cidade resistiu.
Depois de um tempo, Stálin deixou as operações militares para os oficiais, como o marechal Zhukhov. Kruschev afirmou: “sofremos muitas baixas até que nossos generais, sobre cujos ombros descansava o peso da condução da guerra, conseguiram mudar a situação e passar a um tipo de operações mais flexíveis, que imediatamente produziu sérias mudanças muito favoráveis na frente de batalha. ”
Em dezembro de 1941, o Exército Vermelho lançou uma contraofensiva e começa a Batalha de Moscou, que forçou os alemães a recuar e foi a primeira vitória estratégica das forças soviéticas. Mas o ponto de virada na situação da guerra foi a Batalha de Stalingrado, em que a resistência soviética na cidade arrasada durou mais de 5 meses com lutas de rua, casa a casa e que culminou em fevereiro de 1943 com uma vitória militar do Exército Vermelho que mudou o curso da guerra.
Os soviéticos lutaram, sem dúvida, por suas vidas e pela defesa do seu país. Mas também lutaram para defender as conquistas da Revolução de Outubro. Por isso, milhares de prisioneiros comunistas que ainda sobreviviam nos campos de concentração pediram para ser admitidos no Exército Vermelho para defender a União Soviética. Todo esse esforço coletivo gigantesco é que venceu a guerra, apesar da condução desastrosa de Stalin e da burocracia.
A vitória na Segunda Guerra Mundial e a derrota total do nazi-fascismo e do imperialismo japonês abriu no pós-guerra um período de grandes revoluções como a chinesa em 1949, a vietnamita contra o imperialismo francês, a iugoslava e a albanesa. E também uma nova traição de Stálin ao firmar os acordos de Yalta e Potsdam com o imperialismo americano e inglês que dividiram o mundo em áreas de influência. Esse será o tema do próximo artigo.