Declarações

O caso envolvendo Silvio Almeida: violência machista, omissão do governo e a necessidade da luta classista contra as opressões

Secretaria de Mulheres do PSTU

7 de setembro de 2024
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Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Nessa sexta-feira (6), graves acusações derrubaram Silvio Almeida, que ocupava o cargo de Ministro de Direitos Humanos e Cidadania do governo Lula e acabou exonerado após chegarem à imprensa denúncias de assédio sexual a funcionárias e ex-funcionárias do Palácio do Planalto.

Entre estas, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que em nota pública, pediu respeito ao momento delicado que está vivendo e agradeceu as manifestações de apoio e a resposta do governo ao caso.

Em primeiro lugar reafirmamos nossa total solidariedade às vítimas. Sabemos o quão difícil e doloroso é para as mulheres, principalmente para as mulheres negras, silenciadas e desacreditadas ao longo da história, denunciarem situações de abuso e violência, seja por medo ou por vergonha, já que a cultura machista e racista predominante, tende quase sempre a culpabilizar a vítima pela agressão sofrida.

Em segundo lugar, defendemos a imediata e minuciosa investigação sobre os fatos, respeitando evidentemente o direito de defesa do denunciado, já que Silvio Almeida negou todas as acusações e em um vídeo publicado em suas redes sociais, se dizendo vítima de perseguição pelo posto que ocupava. Caso se comprovem as acusações, defendemos que o agressor seja devida e exemplarmente punido.

Por outro lado, não podemos encarar a situação como algo isolado. Em que pese a gravidade das denúncias (outra inclusive surgiu depois que o caso foi parar na imprensa) este é o reflexo de problemas muito mais profundos na sociedade e no governo.

Segundo relatório do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a Justiça Trabalhista recebe, em média, cerca de 400 processos de assédio sexual por mês. Foram 4,5 mil ações trabalhistas por esse motivo, somente em 2022, expressando uma realidade de violência à qual as mulheres são frequentemente submetidas nos seus ambientes de trabalho.

Omissão e conivência do governo com a violência machista

As acusações contra Silvio Almeida, como já assinalamos, são graves e, se comprovadas, revelam uma contradição profunda de uma figura que construiu seu nome combatendo o racismo (ainda que com um programa ultralimitado, como veremos mais adiante) e despertou enormes expectativas e ilusões ao assumir um ministério que deveria, por definição, zelar pelos direitos humanos.

E sendo o Brasil um país racista, o envolvimento de um ministro negro numa situação de assédio, sem dúvida, é um prato cheio para a extrema direita e os racistas de plantão.

O que torna o caso, porém, ainda mais problemático foi a postura do governo diante das denúncias. Segundo informações apuradas, as alegações contra o Ministro eram de conhecimento, tanto do alto escalão como da Polícia Federal, pelo menos desde o início do ano, contudo, providências só foram tomadas após a exposição midiática.

Não se trata apenas de mero descuido; a falta de iniciativa governamental em tratar prontamente o caso sugere que a prioridade do governo não foi, nem antes e nem agora, a proteção às vítimas, mas sim a preservação de sua imagem perante a opinião pública.

Nunca é demais lembrar que na democracia burguesa, tal como ela é na nossa sociedade, não há um verdadeiro controle de membros e dirigentes que ocupam cargos de poder, sejam eletivos ou indicados, possibilitando não só a corrupção econômica, mas diversos casos de assédio moral e sexual que muitas vezes não vêm à tona para a preservação de pessoas, postos e privilégios.

Essa postura inicialmente omissa e, de certa forma, conivente com a violência às mulheres, além de revoltante, expõe mais uma vez a falta de comprometimento do governo Lula com a pauta das mulheres.

A Polícia Federal, por sua vez, alegou que não abriu uma investigação antes porque não recebeu uma denúncia oficial. Esse argumento é totalmente falacioso, já que mesmo sem formalização, depois de publicizado o caso, um inquérito foi aberto.

Vale lembrar que não é incomum vítimas de assédio e violência sexual não formalizarem denúncias por temor ao julgamento social que muitas vezes recai sobre elas, e não sobre os agressores. Esse ciclo de silêncio é parte do que mantém a cultura do estupro viva e ativa, criando um ambiente onde as vítimas se sentem desamparadas, tanto pela sociedade quanto pelo próprio Estado.

Por isso, se bem não podemos, de maneira alguma, julgar ou culpabilizar as vítimas que não denunciam seus agressores; pois o medo de retaliações, o estigma social e a vergonha são fatores que limitam a busca por justiça; o mesmo não pode ser dito em relação ao governo, que tem a responsabilidade de criar mecanismos efetivos de proteção às mulheres e de combate à violência machista.

Ao não agir prontamente, o governo se torna cúmplice desse sistema de opressão, perpetuando a violência institucionalizada contra as mulheres e os setores oprimidos da sociedade.

A extrema direita é oportunista e cínica ao fazer uso político do caso

Enquanto o governo Lula é omisso, a extrema direita hipócrita conservadora evidência todo o seu cinismo ao usar o caso de assédio envolvendo Silvio Almeida para suas próprias agendas políticas. Inimigos número um das mulheres, seu único objetivo é a retirada de direitos e o aumento da exploração e opressão dos setores oprimidos.

Tentam capitalizar o papel de defensores dos direitos das mulheres, mas quando governaram e, inclusive agora, seguem tendo um programa de ataque aos setores oprimidos, tanto na retirada de direitos, quanto na reprodução das violências. Implementando políticas que reforçam o machismo, o racismo, a LGBTIfobia e reproduzindo ideias e práticas desumanizantes, a exemplo das declarações repugnantes de Damaris e Bolsonaro, e de inúmeros parlamentares e influencers que expressam a mesma visão preconceituosa, excludente, ultraliberal e autoritária de mundo até hoje.

Basta lembrar o caso de assédio de Bolsonaro às jovens venezuelanas; ou os comentários racistas sobre a população quilombola, o ainda os diversos ataques à jornalistas mulheres.

Ou da atuação de Damares Alves, enquanto ministra das mulheres, que não só passou todo seu mandato defendendo e reproduzindo estereótipos de gênero e fazendo apologia do papel tradicional da mulher na sociedade, mas inclusive colocou todo o aparato do ministério que comandava, para obrigar uma menina de apenas 10 anos de idade a seguir com uma gravidez resultante de estupro, revitimizando-a, negando-lhe o direito legal de abortar e expondo-a para toda a sociedade. E isso para citar apenas alguns exemplos.

O oportunismo desse setor é tão grande que agora se valem da reprodução do racismo para dizer que defendem as mulheres. São ainda mais machistas e racistas. Esse setor não nos representa, não tem moral para falar em nosso nome. Devem ser desmascarados e contundentemente rechaçados.

Os limites do “racismo estrutural” de Silvio Almeida

Silvio Almeida é amplamente conhecido por sua defesa da tese do racismo estrutural, uma visão não marxista e essencialmente identitária que busca explicar as desigualdades raciais apenas dentro de uma análise de estruturas de poder. Sua abordagem secundariza o papel da luta de classes, da relação indissociável da opressão-exploração e das dinâmicas que perpetuam tanto o racismo quanto o machismo na sociedade capitalista.

Ao responder exclusivamente ao racismo sem vincular sua origem, permanência e reprodução à sociedade capitalista, a tese de Almeida desconsidera que as opressões de raça, gênero, nacionais e todas as discriminações ao redor do mundo estão interligadas e conectadas ao desenvolvimento econômico e mediadas pela luta de classes.

Dentro dessa lógica, a teoria de racismo estrutural leva a um separatismo dentro dos movimentos de luta contra as opressões, fragmentando a resistência e não oferecendo uma solução possível para o fim do racismo, intrinsicamente vinculado ao capitalismo.

A opressão racista, assim como das mulheres trabalhadoras, negras, periféricas e vulneráveis está profundamente entrelaçada com a exploração econômica. Sem uma compreensão de que a divisão da sociedade em classes sociais são fundamentais para a manutenção das opressões e da necessidade dessa luta ser travada com independência política e de classes, qualquer abordagem contra o machismo e o racismo corre o risco de ser limitada a reformas superficiais, sem tocar nas raízes do problema.

Não por acaso Silvio Almeida se tornou ministro de um governo burguês de colaboração de classes como o de Lula-Alckmin.

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A necessidade de uma perspectiva classista e revolucionária na luta contra as opressões

As mulheres trabalhadoras e a juventude precisam organizar a luta contra o machismo e o racismo a partir de uma perspectiva classista e revolucionária.

Não existe o combate isolado de nenhuma opressão. Não veremos negros ou negras ou o conjunto de mulheres livres do machismo ou racismo se não transformarmos as bases dessa sociedade. O empoderamento individual, no marco do sistema como saída contra as opressões, pregado pelo feminismo burguês e reformista, ou movimentos de luta contra o racismo de mesma matiz, ao invés de libertar a todos, apenas gera mais privilégios, mantendo a imensa maioria explorada, oprimida e fragmentada.

O verdadeiro combate se dará por meio da mobilização coletiva, de forma independente que reconheça essas lutas como parte da própria luta de classes para derrubar esses sistema capitalista de exploração que reproduz e alimenta todas as opressões.

O governo Lula, ao longo de seu mandato, já deu várias demonstrações de que está disposto a negociar as pautas dos oprimidos em troca de apoio da direita no Congresso para aprovar suas políticas econômicas. A busca por alianças com setores conservadores é um nítido exemplo de que os interesses das mulheres, da juventude e das populações marginalizadas estão sendo colocados em segundo plano em favor de acordos políticos.

Por isso é preciso manter a independência política dos movimentos e fortalecer a oposição de esquerda e socialista ao governo burguês de colaboração de classes de Lula-Alckmin. Somente através da organização autônoma das trabalhadoras, da juventude e de todos os setores oprimidos será possível avançar em ações que realmente enfrente as raízes das opressões.

Tirar conclusões erradas ou cair em teorias conspirativas é o pior caminho para organizar a luta conta as opressões

Sabemos que esse episódio revoltante foi um golpe duro para todas as pessoas que acompanhavam Silvio Almeida e admiravam seu papel como intelectual negro, trazendo muita desmoralização em diversos setores do ativismo de mulheres e negras e negros do país.

Porém, o pior caminho para o combate efetivo às opressões é tentar relativizar, justificar ou mesmo buscar teorias alheias aos fatos para entender o que está acontecendo.

Em primeiro lugar, Silvio Almeida, caso comprovadas as agressões é o único responsável por seus atos. O fato de que ele seja um homem negro não diminui a violência e certeza de impunidade que moveu sua conduta. Devemos ser completamente intolerantes a qualquer resposta racista a seus atos de machismo, mas jamais justificar ou diminuir sua postura para defendê-lo por ser um homem negro.

Ao contrário, precisamos exigir que todos os Ministérios e órgãos do governo tenham controle de seus dirigentes, incentivar denúncias e ter imediata apuração de casos que envolvam violência sexual, racismo, assédio moral e qualquer conduta que viole direitos e integridade dos trabalhadores.

Quanto ao momento da denúncia e o uso político dela que algumas pessoas utilizam para diminuir a gravidade dos fatos ou duvidar das vítimas, voltamos a afirmar, ao negligenciar o que muitos dos Ministérios e até a PF sabia desde o começo do ano, pelo menos, o próprio governo deixou que a situação chegasse a esse ponto e só viesse à tona quando não era mais sustentável ocultá-la.

Conclusão

O caso de assédio envolvendo Silvio Almeida é uma prova incontestável de que a reprodução das opressões é prática naturalizada e enraizada no sistema capitalista, inclusive na democracia burguesa, que impulsiona a prática mesmo entre os setores oprimidos.

Fica evidente, também, que o governo federal não está realmente comprometido com a luta contra a violência de gênero. A omissão e a conivência com a violência contra as mulheres, somadas ao uso oportunista do caso pela extrema direita, demonstram a necessidade urgente de uma luta classista e revolucionária que coloque no centro a defesa dos oprimidos.

Somente através de uma oposição de esquerda e socialista, será possível construir um movimento forte e coeso capaz de enfrentar tanto o machismo quanto o racismo e a exploração capitalista em suas diversas formas.