O Agro é tóxico: Governo do Ceará quer liberar “chuva de veneno” para favorecer o agronegócio
O governo do Ceará liberou a pulverização de agrotóxico por meio de drones. A decisão foi anunciada pelo governador Elmano de Freitas, do Partido dos Trabalhadores, durante um evento com empresários.
Sob aplausos, o petista afirmou: “Quero dizer aos colegas do agronegócio que aqui estão que, pelo que tenho de informação, a Assembleia, até o final do ano, vota e resolve esse problema, para termos condição de, com um drone, utilizar herbicida na produção de frutas e outras produções necessárias”, declarou o governador cearense. No dia 19 de dezembro, sob a articulação do governo com o agronegócio a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou a liberação do uso dos drones.
Revolta dos movimentos diante da memória curta do PT
A medida causou profunda indignação. O Ceará se tornou um exemplo quando foi o primeiro estado do país a proibir a pulverização aérea de agrotóxico, em 2019, com a Lei 16.820, conhecida como “Lei Zé Maria do Tomé”, em homenagem ao camponês que foi assassinado por lutar contra os agrotóxicos.
O mais perverso dessa história é que o Elmano de Freitas ajudou na elaboração da lei, quando ainda era um advogado dos movimentos camponeses no estado. Com os arrebatamentos do poder, se esqueceu de seus antigos compromissos.
Vários movimentos repudiaram a iniciativa do petista. O Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVSA) e a Articulação Cearense de Agroecologia (ARCA Agroecológica), além de outras entidades, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento 21 de Abril (do qual a CSP-Conlutas faz parte), destacam que a pulverização aérea de agrotóxicos por drones potencializa a contaminação do solo, da água, da biodiversidade e das comunidades, além de colocar em risco a vida daqueles e daquelas que vivem e trabalham no entorno das áreas agrícolas.
Fazendo a alegria do agro e das indústrias
Quem ficou feliz, entretanto, foram os senhores do agronegócio, principalmente da região do Baixo Jaguaribe, uma das regiões do Ceará mais expressivas em relação à produção agrícola de commodities (fruticultura irrigada para exportação, no caso). Também comemoram as grandes corporações estrangeiras, que produzem o veneno e vão ampliar suas vendas no estado à custa da saúde da população.
Como se não bastasse, o Ceará promove isenção de vários impostos que incidem sobre os agrotóxicos, como a total isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o que se soma às isenções concedidas pelo governo federal em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP).
“Estamos muito indignados com a votação da Assembleia Legislativa. O governo Elmano de Freitas do PT, defendeu a pulverização de veneno por drones. Isso destroí as comunidades rurais, vai aumentar o número de casos de câncer, de má formação dos fetos. Mas o Movimento 21, todos os lutadores dos movimentos ambientais do Brasil e do mundo vão permanecer com o legado e a luta de Zé Maria do Tomé contra a pulverização aérea e por um ambiente saudável. Mataram novamente Zé Maria hoje, mas isso não significa que mataram a nossa luta. Vamos continuar firme nesse movimento”, disse Reginaldo Ferreira de Araújo, da CSP-Conlutas e do Movimento 21, e morador da Chapada do Apodi .
Chuva de veneno, não!
Em todo o Brasil, a pulverização aérea de agrotóxicos aumentou na mesma proporção que comunidades inteiras foram contaminadas. Em Espigão do Alto Iguaçu (PR), uma chuva de herbicida contaminou quase 100 pessoas. Em Bela Vista de Goiás (GO), 47 pessoas precisaram de atendimento médico após uma intoxicação causada por um fazendeiro.
“Quando o avião passava expurgando nossa comunidade, parecia que estava nevando (…) Quatro horas da tarde, a gente olhava pra comunidade, via tudo branco. Nem a igreja a gente não via. Muitas galinhas faleceram, muitos animais faleceram. Eu digo isso porque eu tinha no meu quintal 120 galinhas e 80 galinhas morreram numa tarde só, quando o avião passou expurgando. Isso aconteceu no quintal da minha casa. Por isso é que a gente fala contra os agrotóxicos”, explicou Socorro, camponesa da Chapada do Apodi, durante uma Audiência Pública, realizada em abril de 2015.
O uso de drones reduz os custos da pulverização aérea, dispensando as aeronaves convencionais. E, ao contrário da alegada “agricultura de precisão”, os drones acabam espalhando mais veneno, uma vez que são operados por pessoas que sequer realizaram algum tipo de treinamento. Os riscos da pulverização por drone levaram a União Europeia (UE) a proibir essa prática.
Mas, por aqui sequer há alguma regulação, enquanto se registra um aumento crescente de denúncias por contaminação no uso dos drones. Apenas este ano, 214 comunidades denunciaram contaminações por agrotóxicos aplicados por drone no Maranhão, o que corresponde a 94% de todas as denúncias envolvendo pesticidas.
Saiba mais
O que é a “Lei Zé Maria do Tomé”
Em 2010, Zé Maria do Tomé, um líder camponês que denunciava a contaminação por agrotóxicos aplicados por aviões, foi assassinado com 26 tiros, em um crime sob encomenda. Zé Maria era líder de um movimento que havia levado a Câmara Municipal de Limoeiro do Norte a proibir a prática. Mas, pouco tempo depois, a lei foi revogada, por pressão do agronegócio.
Contudo, em 2019 foi aprovada uma lei estadual proibindo a pulverização aérea, como fruto da luta do movimento camponês do estado. A lei recebeu o nome popular de “Lei Zé Maria do Tomé”. A lei fez do Ceará o primeiro e único estado do país a proibir a aplicação de agrotóxico por aviões. A restrição teve a sua constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em maio do ano passado, quando a Corte negou uma ação impetrada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por entender que a norma é “protetiva à saúde e ao meio ambiente”.
O assassinato do líder rural também fez nascer o Movimento 21, um grupo de ativistas, cientistas, médicos, advogados e entidades sindicais que denuncia as contaminações e, agora, está na linha de frente para impedir a pulverização por drones.
Brasil é o paraíso dos agrotóxicos
Desde 2008, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O consumo desses pesticidas aumentou 190%, entre 2002 e 2012, superando o crescimento mundial, de 93%, nesse mesmo período, segundo dados dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Uma estimativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) mostra que o Brasil usa 10,9 kg de agrotóxicos por hectare de lavoura, enquanto os Estados Unidos usam 2,85 kg/ha e a China, 1,9 kg/ha.
O resultado é a explosão dos casos contaminação. Entre janeiro de 2013 e junho de 2022, foram notificados 124.295 casos de intoxicação por agrotóxicos. Um levantamento da Agência Pública e do Portal Repórter Brasil, com dados de 2019 a março de 2022, apontou que essas intoxicações resultaram em 439 mortes. Mas, especialistas alertam que o número pode ser bem maior, pois ainda há muita subnotificação.
Feito para matar
Os agrotóxicos surgiram como subprodutos de componentes químicos criados para matar pessoas em guerras, tais como o DDT ou o “agente laranja”, criados para serem usados na Segunda Guerra Mundial e na Guerra do Vietnã.
Com grandes estoques destes produtos químicos, eles começaram a ser destinados como insumos agrícolas. Em síntese, os agrotóxicos não foram criados para matar a fome, como afirmam seus defensores. Foram criados para matar pessoas. Por isso, não causa estranhamento que sua “função originária” seja evocada quando são utilizados como armas químicas em conflitos agrários contra povos indígenas e camponeses.
Uso do veneno explodiu apoiado por sucessivos governos
A explosão do uso do veneno acompanhou o avanço do neoliberalismo na agricultura brasileira, quando monopólios estrangeiros passaram a controlar a produção e o fornecimento de insumos agrícolas, resultando no crescimento no mercado de agrotóxicos.
Tudo isso foi patrocinado pelo Estado brasileiro via generosos créditos agrícolas (como o Plano Safra) e isenções fiscais. A nova localização do Brasil na divisão internacional do trabalho, como exportador de commodities agrícolas, fez com que os agrotóxicos avançassem juntamente com a fronteira agrícola da agricultura capitalista, o chamado agronegócio.
A partir de 2006, houve uma explosão na liberação de registros de agrotóxicos, como pode ser visto no gráfico abaixo. O auge foi em 2022, com mais de 652 registros aprovados pelo então governo Bolsonaro. Mas, a liberação já vinha assumindo uma curva ascendente nos governos anteriores, inclusive os do PT.
Rejeitados pelo imperialismo e despejados em nossas terras
Muitos desses agrotóxicos são proibidos em outros países. Dos dez mais vendidos no Brasil, cinco são proibidas na Europa. E são exatamente os países imperialistas que produzem o veneno que é despejado aqui.
Entre 2088 e 2019, a União Europeia exportou 6.84 mil toneladas de agrotóxicos proibidos em seu território para o Mercosul, principalmente o Brasil, segundo estimativas da pesquisadora Larissa Bombardi, autora do livro “Agrotóxicos e colonialismo químico” e professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla original), na França.
A pesquisadora destaca que, no Brasil, os limites dessas substâncias químicas nos alimentos costuma ser centenas ou milhares vezes maior do que é permitido na UE. Uma alface cultivada no Brasil, por exemplo, pode ter 600 mais resíduos de clorotanolil do que na Europa. Esses componentes químicos provocam diabete, disfunção no metabolismo de lipídios, câncer e danos no DNA.
Com o agro não há futuro
O avanço dos agrotóxicos é um produto da decadência capitalista do país e do avanço do agro, fomentado por todos os governos, inclusive o de Lula, que deu ao setor mais R$ 400 bilhões de créditos, via o Plano Safra.
É preciso acabar com esse modelo de agricultura, antes que ele acabe com a saúde da população, dos trabalhadores e trabalhadoras do setor e com o meio ambiente. Precisamos de um novo tipo de agricultura. Um modelo agroecológico, que possibilite uma relação mais saudável com a natureza e produza alimentos saudáveis à população.