O 2 de Julho na Bahia e a luta por uma segunda independência
Taylan Santana, historiador e militante do PSTU-Bahia
“Com tiranos não combinam, brasileiros, brasileiros corações”
Historicamente, a Bahia sempre representou um importante foco de lutas dos oprimidos contra as classes dominantes e os seus projetos de exclusão social. Nesse 2 de julho de 2022, ano do bicentenário da independência do Brasil (1822-2022), é preciso destacar a memória dos que lutaram e morreram na independência da Bahia, que hoje cumpre 199 anos (1823-2022).
2 de Julho
Resistindo à fome, miséria social, escravidão e à exploração das elites, os baianos e as baianas, sobretudo das classes mais populares do nosso estado, sempre foram uma significativa vanguarda na luta contra todo o conjunto de opressões em nossa história. Não por coincidência, o 2 de julho de 1823 foi e continua sendo um emblemático marco nacional do processo complexo de independência política do Brasil.
Enquanto um dos primeiros territórios colonizados por Portugal a partir de 1500, e tendo Salvador como a primeira capital do Brasil, a Bahia sempre foi marcada por uma constituição social profundamente contraditória: de um lado, o projeto colonizador das elites portuguesas; do outro, a resistência política das massas exploradas que reuniam negros e negras (escravos e ex-escravos), mulheres, povos indígenas, mestiços e brancos pobres, que prontamente se colocaram na vanguarda da luta pela independência da Bahia, quando as tropas portuguesas não aceitaram a ruptura do Brasil com Portugal, formalmente oficializado no 7 de setembro de 1822.
Nesse sentido, Salvador foi marcada por uma forte presença de tropas e autoridades portuguesas que sublevaram ante o processo de independência do Brasil. Além de não aceitarem a nossa autonomia, buscavam fazer da Bahia um ponto estratégico frente aos conflitos em curso no Brasil, que se estendeu com as guerras ocorridas na Bahia, Pará, Piauí e Maranhão. Todas sumariamente de caráter popular.
Na Bahia, o estopim do conflito se deu quando a Câmara Municipal de Salvador resolveu não atender a ordem portuguesa, que exigia a posse do português Madeira de Melo como governador. A recusa foi o motivo das batalhas entre lusitanos e baianos, a exemplo da Batalha de Pirajá. Logo após as mobilizações na capital, as tropas brasileiras deslocaram-se para a região de Feira de Santana, visto que o local possuía depósitos e oficinas para o reparo das armas, oferecendo suportes aos grupos pró-independência no Recôncavo, especialmente em Cachoeira, cidade central na luta pela independência baiana.
Desde então, a guerra se prolongou ao longo de vários meses (de 19 de fevereiro de 1822 até 2 de julho de 1823), com intensas disputas no território baiano até resultar na aclamada Independência da Bahia, cujo 2 de Julho tornou-se a maior e mais icônica data de celebração e comemoração do povo baiano.
O grito dos excluídos na Bahia
As guerras regionais pela independência, incluindo na Bahia, revelam um processo de independência do Brasil muito além da proclamação de D. Pedro I no seu suposto grito de “independência ou morte!”, nas margens do rio Ipiranga.
Contudo, os movimentos que ocorreram, sobretudo nas províncias do Norte e Nordeste, foram excluídos da história oficial, no intento de forjar uma identidade nacional elitista e pró-monarquia. Assim, a real motivação das elites do país foi sufocar as insurgências populares, com o objetivo de controlar as mobilizações e assegurar a construção de um sistema monárquico sem profundas alterações na ordem social vigente desde o Brasil Colônia.
Isso explica o motivo das datas alusivas às guerras pelas independências, tal como o 2 de julho na Bahia, serem tão importantes nos estados, mas não são considerados feriados oficiais de caráter nacional.
De todo modo, é preciso e se faz necessário reivindicar a participação popular das classes mais oprimidas pelo sistema colonial português em nosso território baiano. Foram majoritariamente os negros e negras, tanto escravos como ex-escravos, as mulheres e o povo pobre em geral que estiveram na linha de frente da luta anticolonial e, portanto, são os responsáveis eminentes da vitória baiana contra a dominação lusitana no Brasil.
Ofuscados pelo heroísmo manipulado e forjado em torno da memória e da figura de D. Pedro I, como o primeiro herói e “libertador” do Brasil, os nossos combatentes populares merecem ser revitalizados pela história nacional, através do reconhecimento das suas lutas e resistências em defesa de uma sociedade mais justa.
Dentre tantos nomes que merecem ser ressaltados, destacamos a trajetória de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, natural de Feira de Santana (BA), icônica na luta contra o machismo e o patriarcalismo na história da independência. Assim como Quitéria, citamos também Maria Felipa como uma das mulheres que resistiram à dominação portuguesa. Descendente de escravos, Felipa atuou na Ilha de Itaparica, tendo liderado um grupo de 200 pessoas, entre mulheres negras, índios tupinambás e tapuias nas batalhas contra os portugueses.
Em suma, foi a luta dos oprimidos e oprimidas na Bahia, na resistência contra a dominação colonial e o projeto das elites, que encaminhou socialmente e politicamente a independência do Brasil. Foi o verdadeiro grito dos excluídos e excluídas, que resultou no fim da colonização portuguesa e no ainda inconcluso processo de independência do nosso país.
Eleições 2022 e o 2 de Julho: Por uma nova independência no Brasil
No ano que a independência nacional cumpre o seu bicentenário e a independência da Bahia 199 anos, irá ocorrer no Brasil uma das eleições majoritárias mais cruciais da sua história política. Diante da relevância do 2 de Julho para os baianos, e pela representação da Bahia como o quarto maior colégio eleitoral do país, os festejos comemorativos da independência da Bahia nesse ano conta com a presença de vários presidenciáveis que estão na disputa eleitoral.
Assim, o 2 de Julho na Bahia promete ser uma oportunidade histórica para reforçar os nossos desafios na atual conjuntura e reafirmar a nossa luta estratégica de construção da revolução socialista no Brasil. Para tanto, é preciso reunir toda a nossa disposição e coragem revolucionária para botar pra fora todo o governo corrupto, genocida e elitista que é o governo Bolsonaro, cujo projeto de poder é de ditadura e de aprofundamento da semi-colonialidade do país.
Derrubar Bolsonaro nas urnas e nas lutas é fundamental, e para essa tarefa não basta apenas esperarmos as eleições em outubro desse ano. É necessário, acima de tudo, reunir toda a vanguarda dos lutadores e lutadores, assim como o conjunto das organizações da classe trabalhadora para seguirmos o legado dos combatentes baianos do 2 de julho de 1823. Organizar a nossa classe, mobilizar os excluídos e lutar com ação direta em nosso projeto estratégico de socialismo no Brasil.
Nessa perspectiva, a pré-candidatura de Vera à presidência do Brasil pelo PSTU e Polo Socialista Revolucionário é a legítima expressão do movimento dos de baixo contra os de cima, sendo uma genuína candidata operária e nordestina, que levanta a bandeira da independência da classe trabalhadora para vencermos Bolsonaro e construirmos um governo socialista dos trabalhadores sem ilusões de conciliação de classe.
Projetos de concialiação com a burguesia como constrói e aplica o PT aqui no governo estadual baiano são projetos que se voltam contra os trabalhadores e garantem a manutenção dos lucros e do poder na mãos da burguesia. A Bahia é o Estado que lidera os indíces de desemprego no país; tem 5,7 milhões de pessoas cadastradas em situação de extrema pobreza; e tem uma das policias mais violentas e assassinas do Brasil.
É preciso mudar essa realidade, com organização dos de baixo e com independência de classe. Pois, as eleições desse ano, apesar de serem importantes, continuam sendo um mecanismo da burguesia e das classes dominantes para referendar os ataques que os mais pobres vêm sofrendo ao longo dos últimos anos: fome, desemprego e as ameaças autoritárias e ditatorial encarnada cotidianamente pelo governo Bolsonaro.
Por isso, nossa verdadeira independência política só pode ser cumprida com a emancipação social do nosso povo, a ser conquistada na luta revolucionária que ponha abaixo todo esse estado de exploração da sociedade capitalista.