Novembro negro: Derrotamos o capitão do mato nas eleições, mas a Casa-Grande continua de pé
Lula venceu as eleições. O Quilombo Liberdade, o maior quilombo urbano da América Latina, não se conteve. Comemoraram com foguetes e os blocos afros saíram às ruas, como fosse Carnaval. Essa sensação de alívio, que se apossou do território, foi vista por todo o país. E não sem motivos.
Pelo tom opressor do seu governo, Bolsonaro perdeu nos setores oprimidos (negros, mulheres, LGBTIs, indígenas e nordestinos). Pesquisa IPEC, de 2021, apontava que 58% dos negros que votaram nele em 2018, não fariam o mesmo, em 2022. A maioria votou em Lula e o capitão caiu do cavalo.
A derrota de um racista de ultradireita
Bolsonaro e seus aliados atacaram os negros tanto nas pautas específicas, como o desmonte da Fundação Palmares, quanto em nossa condições de vida, com o aumento do desemprego, da violência e da fome.
Além disso, defenderam a esterilização das mães faveladas, agrediram a memória de Marielle Franco, compararam quilombolas a animais, aplaudiram o massacre do Jacarezinho e chamaram Zumbi dos Palmares de assassino.
De forma muito significativa, o 20 de novembro de 2019 foi manchado pelo sangue de João Alberto, espancado até a morte, no dia anterior, na loja de um Carrefour, em Porto Alegre. Um episódio diante do qual o vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, declarou: “não existe racismo no Brasil”.
O Brasil “de uma raça só”, pregado por eles, era uma tentativa de recompor o mito da democracia racial. “Racismo é mi mi mi”, diziam, ao mesmo tempo em que nutriam o ódio racial. As agressões aos nossos só aumentaram, assim como a quantidade de organizações nazistas no país. Os ataques aos terreiros de axé também não cessaram. A Casa-Grande perdeu a vergonha de ser racista e, por isso, a derrota de Bolsonaro foi celebrada.
Resistir com independência
Com conciliação de classes, não há igualdade nem paz
Porém, confundir esse sentimento justo com o caráter de classe e de raça do próximo governo é um erro! A chave do acesso aos nossos direitos e às riquezas do país continuará nas mãos dos bilionários e dos racistas.
Tomemos como exemplo a situação das mulheres negras, que representam 26% da população adulta. Elas detêm 14,3% da renda nacional, enquanto o 1% dos homens brancos mais ricos, cerca de 705 mil pessoas, detém 15,3% das riquezas (dados, de 2021, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, da USP).
Contudo, no programa do PT não existe sequer uma menção à expropriação ou taxação desses ricaços, enquanto negros, maioria das pessoas mais pobres, são taxados em seus salários.
Da mesma forma, o genocídio e o encarceramento do nosso povo, principalmente os mais jovens, não serão resolvidos num governo que se opõe a legalizar as drogas, revogar a Lei Antidrogas e desmilitarizar a polícia. Pelo contrário, a Lei Antidroga foi sancionada por Lula, em 2006, e, de lá pra cá, o encarceramento e o genocídio só cresceram.
Em 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou a desmilitarização da polícia, mas Dilma fez vista grossa. Infelizmente, a juventude negra continuará sob a alça da mira da PM, assim como não teremos um governo que combata o racismo religioso.
Na verdade, o que Lula fez, até o momento, foi lançar a “Carta aos Evangélicos”, se comprometendo em não contrariar a cúpula dessas igrejas, formada por burgueses que usam a fé do nosso povo pra fazer política, fortuna e incitar o ódio racial.
E os quilombolas terão seus territórios titulados? Se depender do próximo governo, não! A questão é simples: o PT não romperá com o agronegócio e foi durante seus governos que este se tornou o setor mais dinâmico da economia.
É verdade que Bolsonaro intensificou esse projeto, mas nada indica que Lula-Alckmin romperá com este processo. Basta verificar o histórico do PT: dados da Comissão Pró-Índio de São Paulo, de 2016, revelaram que os governos de Lula (2003-2010) titularam menos hectares de territórios quilombolas do que os dois governos de FHC (1995 a 2002). E, com Dilma, a situação piorou.
Zumbi vive!
É hora de nos aquilombarmos ao lado da classe operária
Não é hora de baixar a guarda. Esse “Novembro Negro” deve ajudar a costurar a mais ampla unidade da classe trabalhadora para derrotar definitivamente o bolsonarismo, que, pra nada, está morto.
Por outro lado, achamos um erro que as organizações e ativistas dos movimentos negros se incorporem às estruturas de um governo que de tudo fará para garantir a manutenção do sistema responsável pela dominação de classes e de raça. Essa experiência desastrosa nos anos de governos petistas.
O PT se aproveitou desse apoio, por exemplo, para desfigurar o Estatuto da Igualdade Racial, construído anos a fio pelas mãos do movimento. Combater o racismo sem compreendê-lo como parte da própria essência do capitalismo, que precisa ser destruído, é não conseguir dar racionalidade para as lutas antirracistas.
É preciso manter nossas pautas históricas vivas, exigindo-as como parte de “reparações históricas”; utilizar dos atos e atividades para disputar a consciência do povo negro para se organizar ao lado da classe trabalhadora e preparar nossa autodefesa contra possíveis agressões racistas e tentativas golpistas da ultradireita. E devemos estar também preparados para resistir aos ataques aos nossos direitos que virão do governo Lula-Alckmin.