No dia 1º de julho, acontece a inauguração da Casa Luiza Mahin na Brasilândia
Maria Clara e Israel Luz, de São Paulo
No sábado, dia 1º de julho, a Brasilândia, na Zona Noroeste de São Paulo, vai ganhar um novo espaço de resistência e luta: a Casa Luiza Mahin. Organizada por iniciativa da militância do PSTU na região, a Casa será um espaço aberto à comunidade e ao ativismo do bairro.
Quem foi Luiza Mahin?
Com certeza, a melhor apresentação de Luíza Mahin foi feita por seu filho, o também rebelde e guerreiro Luiz Gama. “Sou filho natural de uma negra africana livre, da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe (…) era muito altiva, geniosa, insofrida [quem não tolera sofrimento] e vingativa”, escreveu o abolicionista, jornalista e advogado não-diplomado, em julho de 1880.
Como explica Wilson Honório, da Secretaria de Formação do PSTU, ela teria nascido em 1812, na etnia Maí, Marri ou Mahí, na região do atual Abomé, no Benin, local de longa tradição muçulmana.
No Brasil, teria sido escrava de ganho e, depois de comprar sua própria alforria, quituteira, o que lhe permitia circular pela cidade. Essa possibilidade, inclusive, cumpriu um papel importante na difusão das ideias e articulação dos participantes da famosa Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador, em janeiro de 1835.
Além desse levante, segundo Gama, Luiza Mahin também teria participado da Sabinada (1837-1838), que tentou proclamar a República Bahiense, com a libertação dos escravos nascidos no Brasil. Depois disto, não há mais registros sobre Luíza, o que fez com que seu filho, depois de procurá-la em várias províncias, chegasse à conclusão de que ela teria sido morta, presa ou deportada.
Seja como for, ela entrou para a História como uma mulher inteligente e rebelde, tendo transformado sua casa no quartel general das principais revoltas negras que ocorreram em Salvador em meados do século 19.
Uma intifada negra
O levante de 1835 fez parte de uma série de revoltas que aconteciam desde o início dos anos 1800, fortemente influenciadas pela Revolução Haitiana (1804) e foi protagonizado por escravizados e negros e negras livres, a maioria de religião muçulmana (também chamados de “nagôs” ou “imalês”), que lutavam contra a escravidão e pretendiam tomar o poder da cidade.,,,,,,,,,,,
Ou seja, representou uma afronta direta às principais estruturas da colônia — a exploração e a opressão da população negra por parte dos latifundiários brancos, que exerciam o poder e, também, sua tentativa de imposição do catolicismo como única religião aceita.
Muitas vezes apontada por intelectuais da elite como uma rebelião de caráter puramente religioso, como forma de minimizar o significado daquele que é considerado um dos maiores levantes negros do país, a Revolta dos Malês, na verdade, foi muito mais complexa.
Como lembra João José Reis, autor da obra “Rebelião escrava no Brasil: a história do Levante dos Malês em 1835”, em uma entrevista publicada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), “com o risco do anacronismo, diria que a revolta estava mais para Intifada [insurreição, em árabe] do que para Jihad [guerra santa], embora a guerra santa tenha sempre algum lugar no coração de um muçulmano que se rebela”.
Nesse sentido, a Revolta dos Malês foi além de uma revolta religiosa. Significou uma lição para os negros de que era possível confiar em sua força organizativa, juntar-se aos demais oprimidos e derrubar o sistema. Esse foi o grande legado deixado pelos Malês.
Lamentavelmente, revolta foi traída na véspera da data marcada para seu início (25 de janeiro), o que levou vários de seus líderes à prisão e fez com que os manifestantes ganhassem as ruas de forma desorganizada, enfrentando fortíssima repressão. O que, contudo, não impediu que algo entre mil ou 1.500 negros e negras travassem batalhas pelas ruas da cidade, erguendo barricadas, iniciando incêndios e atacando postos e prédios que simbolizavam o poder colonial.
Com a repressão, centenas foram presos, sendo condenados à deportação (muitos para a África, algo até então inédito no Brasil), a brutais castigos (de até 1.200 chibatadas) ou à pena de morte.
Na sequência do evento, instalou-se na Bahia, sobretudo em Salvador e Santo Amaro, a mais generalizada e cruel repressão contra os escravizados, que estendeu à perseguição para além dos malês. O temor provocado pela rebelião foi tamanho que a corte imperial proibiu a transferência de qualquer escravo baiano para qualquer outra região do país.
Brasilândia: lugar de Mahins, Dandaras e Zumbis
Pelo exposto acima, é fácil ver o peso político que tem o nome de Luiza Mahin. A razão da escolha de seu nome para a Casa tem, no entanto, uma segunda razão: a história do bairro da Brasilândia.
Chamada na década de 1980 de “África paulistana”, por Raquel Rolnik, a origem da região hoje chamada Brasilândia está ligada às ondas sucessivas de migração de trabalhadores e trabalhadoras expulsos do centro da cidade e, em meados do século XX, da região Nordeste do país.
Para se ter uma ideia do perfil de raça e classe da Brasilândia, vale citar um trecho do estudo realizado por Maria Gabriela Feitosa dos Santos, “A ocupação da Zona Norte de São Paulo e a racialização do espaço urbano: Parque Peruche e Brasilândia”, em uma dissertação de mestrado, defendida em 2021, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
“A população migrante tinha em sua composição porcentagem significativa do contingente negro, já que era originária de localidades que tinham fortes raízes na economia escravagista (…) apesar do negro compor a classe trabalhadora paulistana, o preconceito racial e a introdução do elemento imigrante branco na economia industrial levaram o grupo a ocupar postos mais baixos e, consequentemente, capitalizar menos recursos”, escreveu a arquiteta.
“Por isso, é justificável que a oportunidade de emprego e moradia atrelada à Pedreira Vega, bem como a possibilidade de aquisição de lotes em parcelas em até 12 vezes na Vila Brasilândia, tenham levado uma parcela significativa de famílias negras a assentarem-se na Brasilândia”, conclui o estudo.
Além desses elementos históricos e sociológicos, é muito importante destacar a luta da população local. Nas condições de ocupação do bairro, tudo era difícil: acesso à água potável, transporte, acesso à Saúde e Educação públicas. E se, hoje, a situação é comparativamente superior em relação às décadas passadas, isso tem muito a ver com a coragem e organização popular para arrancar do Estado tais conquistas.
Assim como Luiza Mahin, as mulheres negras ocupam um papel importante nessa história. E, até hoje, lideram importantes lutas contra o racismo e a exploração, a exemplo do enfrentamento à política de insegurança pública dos governos, que tem prendido muitos jovens negros inocentes na Brasilândia.
Venha construir este quilombo com a gente!
O PSTU tem uma longa história na Brasilândia. Como fazemos em todos os lugares em que existimos, estamos juntos nas lutas contra a exploração e opressão capitalistas. Ao longo desse tempo, tivemos sedes em muitos locais do bairro. Mas abrir um novo local, com a proposta que temos, possui um significado maior neste momento.
A barbárie avança a passos largos. O Brasil desce a ladeira e quem mais sofre é a periferia. Mais do que nunca, é hora de juntar forças para fortalecer a luta, independente de governos e políticos oportunistas. Não dá mais: precisamos retomar o que é nosso. Nesse sentido, a Casa Luiza Mahin será um espaço para fortalecer a solidariedade de classe e as lutas dos moradores do bairro.
Se o Estado e os poderosos querem enfraquecer nosso povo, nos colocando uns contra os outros, vamos responder com organização e independência de classe e raça. Venha construir este quilombo com a gente!