Nacional

No debate, 6 tons de capitalismo e a exclusão de uma voz negra, socialista e revolucionária

Diego Cruz

30 de agosto de 2022
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Foto TVBand/Divulgação

A decepção de muitos com o primeiro debate da campanha à Presidência foi proporcional à expectativa com que o evento foi aguardado. Dificilmente seria diferente, já que, entre os seis candidatos convidados pelo Grupo Bandeirantes, permaneceu, entre suaves nuances, um único tom: a defesa do capitalismo, do agronegócio, do grande empresariado e desse regime dos ricos.

As regras eleitorais antidemocráticas reafirmadas pelo pool de comunicação que incluem ainda a Folha de S. Paulo, o Uol e a TV Cultura, deram voz a, além dos que polarizam as eleições, candidatos que marcavam traço nas pesquisas. Ao mesmo tempo em que excluíram Vera, mesmo a candidatura do PSTU e do Polo Socialista Revolucionário pontuando em diversas pesquisas, estando em empate técnico com a ruralista Simone Tebet (MDB) e à frente do ultraliberal Felipe D’Ávila (Novo) e da bolsonarista arrependida Soraya Thronicke (União Brasil), que tiveram toda a liberdade de proclamar suas atrocidades a milhões de pessoas.

A justificativa oficial para a exclusão de Vera é a atual lei eleitoral que obriga o convite para os debates aos partidos com no mínimo 5 representantes na Câmara dos Deputados. Justificativa porque, embora antidemocrática, a lei não proíbe que se convide todos os candidatos, o que seria de esperar de veículos de comunicação pretensamente defensores da democracia. No entanto, o que se vê é o silenciamento das candidaturas de esquerda, o que fica ainda mais evidente quando estas, como Vera, pontua diversas vezes à frente de candidatos de direita.

Debate frio

O resultado é uma briga para decidir quem, nos marcos do sistema, é o melhor gestor da crise capitalista e de um país aos pedaços em franco processo de degradação e retrocesso. De um lado Bolsonaro desfia mentiras a rodo, ultrapassando os limites da “pós-verdade” ao afirmar que “a economia está bombando”, e que seu ministério é composto por “critérios técnicos”. No discurso de Bolsonaro, a pandemia não existe, seu governo não assassinou centenas de milhares de pessoas para proteger os lucros das grandes empresas, e não existe fome ou corrupção.

Já Lula preferiu jogar na retranca o tempo todo, a tal ponto que o seu próprio staff achou a moderação excessiva demais. De forma inacreditável, deixou de responder ao próprio Bolsonaro sobre o tema da corrupção, omitindo a sucessão de escândalos que atinge o Planalto, das rachadinhas ao recente caso de desvio no MEC com verbas sendo direcionadas a prefeituras em troca de barras de ouro. Ou mesmo os sigilos de 100 anos decretados por Bolsonaro sobre uma série de temas, como as próprias visitas que recebe. Lula restringiu-se a reivindicar os anos de seus mandatos, sem explicar o que fará para o pobre voltar a “comer churrasco e tomar uma cervejinha” no final de semana. Ainda mais governando com os mesmos setores de sempre, e os mesmos que apoiam a atual política econômica de Bolsonaro e Paulo Guedes, como os banqueiros, as multinacionais e o agro. Ou com setores mais reacionários da direita, como Alckmin que, aliás, Lula sempre faz questão de ressaltar, não cumprirá uma função decorativa em uma eventual gestão.

O tom de Lula no debate, negando-se até mesmo a bater forte em Bolsonaro, pode ser lido do que mais que uma tentativa de parecer ainda mais moderado e confiável à burguesia. Em sua tentativa de formar um governo de união nacional, Lula parece apontar ao próprio centrão e setores do próprio bolsonarismo, brandindo uma bandeira branca antes mesmo de assumir.

Ciro Gomes, por sua vez, não fugiu do script, jorrando números em profusão e tentando conferir uma aura de tecnicalidade ao seu projeto nacional-desenvolvimentista tímido e anacrônico. O candidato do PDT tem uma certa competência nas denúncias que faz, como os juros exorbitantes pagos aos banqueiros via esquema da dívida pública, mas sua política se resume a governar apoiado numa pretensa burguesia nacional e progressista. Uma ilusão que, se décadas atrás, era encampada por setores da esquerda como o PCB, hoje já não é capaz de suscitar grande comoção. A burguesia brasileira provou mais do que qualquer outra coisa sua condição submissa e capacho do imperialismo, colocando-se à frente no ataque aos empregos, direitos e soberania, criando a atual condição de terra arrasada em que estamos.

Os demais candidatos não trouxeram nenhuma novidade, tampouco contrapuseram nenhum projeto alternativo, apenas algumas pérolas do liberalismo mais escancarado, como o candidato do Novo afirmando que se gasta muito com Educação no país e culpando os professores e o curso de Pedagogia pela situação do setor.

Tema de mulheres em destaque: Tebet “ganhou”?

A ofensa de Bolsonaro à jornalista da TV Cultura e do Estadão, Vera Magalhães, expôs de forma crua a misoginia do presidente, e ajudou a colocar o tema de mulheres em destaque no debate. Quem mais se apropriou do assunto foi a candidata do MDB, a senadora Simone Tebet. Além disso, com pouca perspectiva de ganhar as eleições, Tebet se viu livre para fazer ataques mais abertos a Bolsonaro. Seu desempenho ganhou, na cobertura da imprensa, uma proporção muito maior, e ela foi apontada como a grande vencedora do debate.

Isso não é bem uma novidade, já que grande parte da imprensa vem tentando, há meses, impulsionar a candidatura de Tebet como “terceira via” diante da polarização entre Lula e Bolsonaro. Embora praticamente empatada com Vera nas pesquisas, a divulgação e o espaço concedidos a Tebet na imprensa é proporcional ao quanto é escondida e invisibilizada Vera. Agora, tentam elevar Tebet a uma espécie de “voz das mulheres” nas eleições, escondendo o fato de que a senadora é, antes de tudo, uma voz do agronegócio e dos grandes empresários. Seu mandato é expressão disso.

Tebet votou a favor da reforma trabalhista, a mesma que permite que mulheres grávidas trabalhem em ambientes insalubres. A senadora também encabeça todas as tentativas de frear as demarcações de terras indígenas, o que é “natural” já que ela própria possui uma de suas fazendas numa Terra Indígena reivindicada pelos Guarani-Kaiowá, em Caarapó (MS). Na eleição para o Senado, segundo levantamento do CIMI, Simone Tebet recebeu mais de R$ 2,8 milhões de grupos ligados ao agronegócio, incluindo R$ 1,7 milhão da JBS.

Tebet é dona de um histórico que denuncia ainda mais o caráter dessas eleições, e mostra que, para defender os direitos das mulheres pobres e trabalhadoras, não basta ser mulher. Jogam luz e dão voz a uma representante do agronegócio, que destrói o meio ambiente e chacina indígenas, enquanto a chapa que traz uma mulher trabalhadora e negra, com uma indígena, é invisibilizada e silenciada.

Vera e Raquel Tremembé: uma alternativa operária, socialista, negra e indígena

O debate na Band reafirmou a importância de uma alternativa socialista nestas eleições. Ao se omitir na disputa de projetos travados na sociedade, como o PSOL fez ao apoiar Lula já no primeiro turno, deixa-se o caminho livre para que apenas alternativas liberais e burguesas sejam discutidas. Ao não apontar que existe um outro caminho para a crise capitalista, o único capaz de resolver os problemas da classe trabalhadora e da grande maioria da população, a classe fica refém sempre do “mal menor”.  E, de “mal menor” a “mal menor”, chegamos à atual situação.