No apagar das luzes de 2023, Congresso Nacional passa a boiada com a conivência do governo
Nos últimos dias do ano, o governo Lula e o Congresso Nacional passam uma série de ataques contra os trabalhadores, os povos originários, o patrimônio público e a soberania do país.
A famigerada tese do Marco Temporal foi retomada pelo Congresso Nacional, que derrubou o veto parcial de Lula ao projeto aprovado em setembro, e passou a boiada contra os povos indígenas. Um resultado fruto não só de um parlamento dominado pela bancada ruralista, mas de um governo de unidade com grandes fazendeiros cuja política é a de favorecer o agronegócio. Basta lembrar que o ministro da Agricultura de Lula, Carlos Fávaro (PSD-MT), foi exonerado para retomar sua cadeira no Senado, e votou a favor desse ataque histórico contra os indígenas.
Logo após a derrubada do veto parcial do Marco Temporal, o Congresso Nacional também derrubou o veto de Lula à desoneração da folha de pagamento de 17 grandes ramos da economia. Essa desoneração, longe de representar alguma medida em favor dos empregos, é um desvio bilionário de recursos públicos às grandes empresas. Levantamento recente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que entre R$ 8 e R$ 9 bilhões são apropriados, principalmente por grandes empresas, em setores que reduziram em quase 1 milhão de empregos nos últimos 12 anos. Ou seja, nós pagamos bilhões para as grandes empresas demitirem.
É bom lembrar que, apesar do veto de Lula à medida, a prorrogação da desoneração havia sido aprovada com o voto massivo da base governista, inclusive da própria bancada do PT.
Dezembro também foi marcado pelo leilão de 603 blocos de exploração de petróleo e cinco do pré-sal, exatamente um dia após o encerramento da COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), mostrando que o governo brasileiro não só não está preocupado com o desastre ambiental e climático que o mundo avança a passos largos, como pretende manter e aprofundar o modelo baseado na exploração do petróleo, o entregando ainda aos monopólios do setor.
Multinacionais como a inglesa BP Energy (British Petroleum), a francesa TotalEnergies, a QatarEnergy e a malaia Petronas arremataram alguns dos blocos postos à venda, alguns deles em áreas de reserva ambiental e territórios indígenas.
O que deu o tom de fim de feira e saldão do “leilão do fim do mundo”, porém, foi o arremate de 122 blocos (três vezes mais que a Petrobras opera hoje) por uma empresa desconhecida chamada “Elysian Petro”. Trata-se simplesmente de uma empresa fundada por um empresário mineiro do ramo de tecnologia especialmente para o leilão, sem nenhum funcionário ou sede. O dono da empresa fantasma, Ernani Machado, explicou a jornalistas sua “estratégia” no leilão: “Poderia falar a vocês que fiz um supercálculo e cheguei a 51, mas seria a maior mentira. Peguei o mínimo de R$ 50 mil e coloquei mais mil“. Ou seja, quem quiser levar, leva.
Já nesta sexta-feira, 22, houve finalmente a aprovação do Orçamento de 2024 no Congresso Nacional, incluindo a meta de “déficit fiscal zero”, parte do novo arcabouço fiscal que recauchuta o teto de gastos de Temer. Esse arcabouço impõe uma política fiscal de austeridade para os próximos anos, restringindo os gastos públicos para priorizar o pagamento da dívida aos banqueiros. Com esse novo teto, os gastos públicos ficarão abaixo da média do que foram nos últimos governos, incluindo o de FHC, significando menos salários, aposentadorias, menos saúde, educação e todos os serviços públicos.
O Congresso Nacional, em troca, com o centrão e Lira à frente, aumentaram as emendas parlamentares no próximo ano para inéditos R$ 53 bilhões, tirando recursos de, entre outras áreas, programas já minguados, como o Farmácia Popular e o Fies.
Refém do centrão
Enquanto o Congresso Nacional passava a boiada contra os trabalhadores e os povos originários, e prorrogava a isenção bilionária às grandes empresas, Lula comemorava ter eleito um “comunista” ao Supremo Tribunal Federal (STF), referindo-se à indicação de Flávio Dino à corte. Uma tremenda piada de mau gosto, principalmente para quem conhece o histórico do ex-governador do Maranhão e sua gestão contra os servidores públicos, os indígenas e quilombolas, apoiado nas oligarquias.
A verdade é que, ao governar com e para o mercado, os monopólios estrangeiros, às petroleiras e ao agronegócio, o governo Lula deixa a boiada passar no Congresso Nacional. Ou seja, longe de combater a direita, o governo Lula se alia a ela, encampando seu programa e suas pautas, como a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) no Rio de Janeiro e a recém-aprovada lei geral das polícias militares, que aumenta o poder de repressão da PM, reforça sua militarização e até reedita instrumentos da ditadura.
E quem paga o pato é a população, os trabalhadores e os setores mais oprimidos. Lula, assim, se torna refém do Congresso Nacional e do centrão, e o pior, não em troca de um programa em favor dos trabalhadores e do povo pobre, mas para impor o aprofundamento de uma política econômica que continua privilegiando os banqueiros e os monopólios.
Se neste momento o país vive um certo “respiro” na economia, ainda que sob um marco de retrocesso estrutural, o horizonte não é tão tranquilo. O aumento da dependência ao imperialismo, inclusive o imperialismo chinês, e a entrada em vigor das regras de austeridade do novo arcabouço fiscal vão impactar o dia-a-dia da classe trabalhadora e da maioria da população.
Oposição de esquerda
A reta final de 2023 reafirma a necessidade da construção de uma oposição de esquerda, revolucionária e socialista, que possa apontar ao conjunto da classe trabalhadora uma saída verdadeiramente antissistema. Só através da mobilização e da luta é possível deter o genocídio indígena e a destruição ambiental, os ataques à classe trabalhadora e aos serviços públicos, e a entrega do país. Mas para isso, só há um caminho: derrotar o governo e seu projeto neoliberal, que é o mesmo, de fundo, que o do Congresso Nacional dominado pela bancada ruralista e a direita.
A recente eleição da extrema-direita na Argentina também é um lembrete que, por aqui, o bolsonarismo está longe de ser derrotado. A ultradireita está à espreita, esperando a desmoralização e o desgaste do governo para voltar com ainda mais força. Derrotar esse projeto do governo, assim, é a única forma de enterrar de vez o bolsonarismo e seu projeto de ditadura.
A esquerda reformista, a exemplo do PSOL, ao apoiar e ser base do governo, atua como linha auxiliar desta mesma política, ainda que no discurso possa fazer algumas críticas. Funciona, assim, como um obstáculo para a organização e a mobilização independente da classe trabalhadora, ajudando a passar a boiada contra a classe e a perpetuação da extrema direita como única alternativa antissistema aos olhos da massa. Mesmo a esquerda que, mesmo não estando oficialmente no governo, se nega a ser oposição de classe e socialista a este governo, acaba, no final de contas, atuando neste mesmo sentido.
É necessário, enfim, para deter a barbárie capitalista, o fortalecimento de uma organização revolucionária e socialista, no Brasil e no mundo.