Nem tudo que reluz é ouro: os meandros do garimpo ilegal
Küna Yporã Tremembé e Waldemir Soares Junior
A batalha para vencer o genocídio e a devastação ambiental em curso continua. Depois de três semanas da publicidade da realidade cruel a que são submetidos os Yanomami, o Governo Federal iniciou algumas medidas para conter as mortes de crianças, adultos e anciãos.
As ações humanitárias são urgentes, não restam dúvidas. Mas o combate ao garimpo nas terras indígenas não pode esperar.
É preciso mapear a cadeia econômica da extração ilegal do ouro e outros minérios. E isso, ao que parece, não é a prioridade para o Governo Federal. Apenas a desintrução não é suficiente para impedir a continuidade do genocídio e a devastação ambiental.
O Governo Federal encara como vitoriosa a “saída pacífica” dos garimpeiros.
A partir do método de “sufocamento” da cadeia de abastecimento e logística, realizado pela Força Aérea e Marinha, muitos garimpeiros estão deixando as áreas de garimpo. De fato é uma medida importante. Faz parte de um conjunto de outras ações para frear a prática criminosa.
Mas a “saída pacífica” através de corredores no espaço aéreo e rios, esconde um problema: a fuga de criminosos.
Não é possível perder de vista que o garimpo em terras indígenas é crime. E como tal deve ser tratado nos limites da lei. Portanto, o que estamos presenciando não é a “saída pacifica”, mas a “fuga pacífica” sob o olhar conivente do Governo Federal.
A prática garimpeira (criminosa) é complexa e necessita de vários outros crimes para operar. Na imensa maioria das vezes, as máquinas escavadeiras, os tratores, as caminhonetes, os caminhões, aviões e dragas, são roubados em estados diferentes do local onde se garimpa. Não bastasse, muitas pessoas (nem todas) que estão no garimpo são foragidas pela prática de outros crimes, como estupros, assassinatos, furtos, roubos, tráfico de drogas, etc.
Assim, a “fuga pacífica” prejudica a punição de outros crimes. E também dificulta identificar os financiadores (algumas empresas) ocultos do garimpo. O garimpo ilegal continua sendo o melhor lugar para abrigar o foragido. É o Estado paralelo na prática. Com suas regras e moral.
Mas existe outro problema: o Governo Federal não está tomando medidas para impedir os consumidores finais do crime, tampouco, criar mecanismos de rastreamento da extração de minérios (no caso ouro). Pesquisadores apontam que “30% do total de 158 toneladas produzidas no Brasil é irregular”, segundo reportagem da Folha de S. Paulo.
Esse conjunto de práticas criminosas é complexo, rentável e influente a ponto de possuir uma bancada no Congresso Nacional. São políticos que defendem a legalização do garimpo em terras indígenas. A “bancada do garimpo” é formada por figuras importantes e da base de apoio de Jair Bolsonaro, como Ricardo Salles, ex-Ministro do Meio Ambiente, hoje Deputado Federal pelo PL de São Paulo e o outrora vice-presidente Hamilton Mourão, hoje Senador pelo Republicanos do Rio Grande do Sul.
Salles, inclusive, teve seu nome defendido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL) para presidir a Comissão do Meio Ambiente da Casa Legislativa.
Por ser complexa, rentável e influente, a “fuga pacífica” dos garimpeiros atende a necessidade dos governos. O governador de Roraima, outro apoiador do garimpo, chegou a propor para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG) a criação do “auxílio garimpeiro” para as pessoas afetadas pelo combate ao crime ambiental que estão cometendo.
É certo que muitas pessoas são levadas ao garimpo pelo estado de vulnerabilidade e pela exploração capitalista. O crime organizado sabe muito bem como utilizar a miséria para alcançar seus objetivos e manter a pobreza extrema. E isso também acontece com outras práticas criminosas como o tráfico de drogas.
Algumas certezas estão colocadas após três semanas de publicidade do genocído Yanomami: 1) É necessário todo apoio humanitárià à etnia; 2) O combate forte e implacável ao garimpo e sua cadeia econômica; 3) A prisão dos incentivadores, facilitadores e consumidores do garimpo ilegal; 4) Recuperação ambiental.
O garimpo ilegal precisa se tornar monetareamente inviável. Na forma combatida pelo Governo Federal, o crime compensa. A continuar desta forma é questão de tempo para que os garimpeiros retornem para a TI Yanomami e outras na região Norte do Brasil.
Küna Yporã Tremembé, da etnia Tremembé (Maranhão), é integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas
Waldemir Soares Junior, advogado, é dirigente da CSP-Conlutas