Internacional

Moçambique: Mais uma semicolônia africana incendeia o continente

Cesar Neto

11 de novembro de 2024
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Moçambique fica no sudeste da África, banhado pelo Oceano Índico, uma colônia portuguesa até 1975. Após a independência, a guerra civil assolou o país de 1977 até 1992. Um quarto da economia gira ao redor da agricultura, empregando 80% da população na agricultura de subsistência. Segundo dados coletados pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) envolvendo 193 países, Moçambique é 183ᵒ, o desemprego está na ordem 71,4% e a expectativa de vida é de 58 anos, enquanto Argentina e Brasil tem 77 e 76 anos, respectivamente.

Desde a publicação dos resultados das eleições realizada no dia 9 de outubro, declarando a vitória de Daniel Chapo, da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), com mais de 70% dos votos, Venancio Mondlane, candidato derrotado, tem chamado mobilizações contra a fraude eleitoral. Há mais de vinte mortos, entre eles, dois membros do alto comando oposicionista. Forças Armadas de Ruanda que atuam na região norte em Cabo Delgado foram vistas reprimindo as mobilizações.

A morte do cantor de hip hop Azagaia abre uma nova situação

A Azagaia era um cantor anticapitalista e antiimperialista. Suas músicas denunciam quem promove a situação de pobreza e miséria do povo moçambicano. Em uma das músicas, denuncia o seu provável assassinato por ordens da ditadura da FRELIMO. É verdade que morreu de causas naturais, em março de 2023, mas a juventude não acreditou. O funeral, acompanhado por uma enorme quantidade de jovens cantando e dançando suas músicas, foi violentamente reprimida pela polícia. Gás lacrimogênio, balas de borracha, espancamentos, tudo devidamente registrado no youtube.

Poucos meses depois, no dia 11 de outubro, se deram as eleições autárquicas em 65 municípios. A FRELIMO venceu em 64, e o bloco opositor MDM (Movimento Democrático de Moçambique) em apenas uma. A fraude evidente levou a importantes mobilizações que aprofundaram a situação aberta após o funeral de Azagaia.

As eleições presidenciais de 2024 aprofunda a crise

Daniel Chapo, líder da Frelimo e presidente eleito após votação fraudada

O governo bonapartista da FRELIMO, no poder desde 1975, armou uma grande fraude eleitoral que deu a vitória ao seu candidato, o qual obteve mais de 70% dos votos. O segundo colocado Venancio Mondlane obteve 20%, e o terceiro Ossufo Momade, obteve 5,8%. Mondlane é do partido PODEMOS (Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique) e Ossufo é do RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). Uma fraude tão descarada que, passado mais de um mês das eleições, apenas Angola e China reconheceram o resultado.

Venancio Mondlane, um nacionalista burguês que soube aproveitar a ira da juventude

A juventude moçambicana não tem nada a comemorar, ao contrário, tem muito que lutar. Desde a morte de Azagaia, as eleições autárquicas fraudadas, a juventude vem tendo um grande protagonismo. Venancio Mondlane, ou VM7 – em homenagem a Cristiano Ronaldo -, como bom radialista e pastor, soube desenvolver uma linha de diálogo com a juventude, através de um programa democrático burguês e com alguns elementos de nacionalismo.

Na verdade, Mondlane não representa nenhum perigo para a burguesia, ao contrário, soube canalizar o descontentamento popular e juvenil para as eleições, e com o fraude, reforçou ainda mais a sua imagem de liderança e também reforçou a saída eleitoral como a solução dos problemas provocados pelos capitalismo decadente em um país recolonizado.

A fraude eleitoral leva a juventude e setores populares às ruas

Mondlane percebeu a insatisfação com a fraude, e convocou greve geral que é prontamente desautorizada pela burocracia sindical. Porém, as manifestações são grandiosas. Há algumas situações de saque, e que os empresários fecham seus comércios e a greve acaba acontecendo à revelia das direções sindicais que, em sua grande maioria, são aliadas da FRELIMO.

As manifestações também chamadas de greve geral se dão com muita radicalidade. Um policial que participou da repressão as manifestações, teve sua casa identificada e os manifestantes incendiaram sua casa e o carro. Na cidade de Matola, um policial foi morto a pedradas. A juventude jocosa, como sempre, exibia em seus cartazes: “não foi o povo quem matou o policial. Foi uma pedra perdida”.

A juventude e os setores populares já tiveram mais de trinta e quatro mortes atingidos pelas balas da polícia.

A maior mobilização aconteceu na quinta-feira, dia 7 de novembro, e indica que as mobilizações estão crescendo. Também a radicalidade e aprofunda a crise que é revolucionária.

Ditadura frauda eleições, reprime com violência e propõe um pacto com a oposição

Antes mesmo dos resultados eleitorais serem anunciados, os setores opositores denunciavam as fraudes eleitorais. O FRELIMO, partido que governa o país há cinquenta anos, é acusado de manipulação da lista de eleitores, colocação de membros leais ao partido nas mesas eleitorais, e, preenchimento de cédulas de votação. Os observadores eleitorais da União Europeia confirmaram essas denúncias.

Filipe Jacinto Nyusi, atual presidente, em seu segundo mandato, responsável pelos esquadrões da morte no país, articulador da fraude eleitoral, na véspera das manifestações do último dia 7, propôs um pacto com a oposição.

Sobre a possibilidade de um acordo para colocar um fim as manifestações, Venancio Mondlane reafirmou que: “estava aberto a um governo de unidade nacional” .

Está não foi uma declaração isolada ou separada do contexto, pois uma semana antes, Venâncio já havia dito “da necessidade união de todos os partidos da oposição, na luta contra a fraude e da criação de governo de unidade nacional”. Frente à interrupção dos sinais de internet, Mondlane mostrou que não pretende nacionalizar e estatizar as empresas de telefonia, propõe apenas que: “se querem uma relação de respeito mútuo, querem uma relação civilizada, então respeitem o povo, para o povo também vos respeitar. Se não respeitarem o povo, o povo também não é obrigado a vos respeitar”.

Organizar a resistência. Construir organismos de discussão e deliberação nos bairros e escolas

Depois de 50 anos de governo bonapartista da FRELIMO, as pessoas têm pouco acesso da informação da real situação econômica e politica do país. A grande maioria imagina que, trocando de governo, e este não sendo corrupto as coisas estarão resolvidas. É uma ilusão que Mondlane reforça através da saída eleitoral.

Com métodos caudilhescos, sem participação da juventude e dos setores populares nas decisões, Venancio Mondlane dirige a luta rumo à conciliação e a derrota.

É preciso, em primeiro lugar, que os jovens e a população assumam a dianteira da luta, organize a resistência, e não aceite qualquer negociação que só sirva para incluir os dirigentes do PODEMOS em um futuro governo de unidade dos setores burgueses que disputam as migalhas que as transnacionais deixam no país.

Para que haja “povo no poder” é preciso construir uma organização que lute pelo poder

A principal palavra de ordem pela positiva que a juventude e os setores populares gritam se referem à emblemática música de Azagaia denominada: Povo no Poder.

A disposição de luta e a consigna povo no poder determina que Moçambique viva uma situação revolucionária. Essa situação pode levar ou não a revolução, tudo dependerá da disposição e compreensão das tarefas que o movimento de massas deve encabeçar. Mas essa compreensão não surge espontaneamente, é preciso, antes de tudo, construir uma organização revolucionária para dirigir o processo que em sí é revolucionário.

Não basta mudar o governo. É preciso romper os laços que atam Moçambique aos interesses da Total, Chevron, Eni e outras que se preparam para levar todos o gás de Cabo Delgado. É preciso um governo que tenha coragem de dizer: o rubi é nosso. Dizer que a China tem que indenizar o país pela destruição da floresta e retirada ilegal de sua melhor madeira. Moçambique precisa parar de pagar a dívida externa e que é eterna.

Não se combate a fome apenas combatendo a corrupção. O combate contra a pobreza, se faz colocando fim aos 50 anos de governo ditatorial da FRELIMO, nacionalizando as riquezas minerais e construindo uma direção das lutas baseada na democracia para os que lutam e ruptura com o imperialismo.

Fora a ditadura da FRELIMO
Nacionalização das explorações dos recursos naturais
Nenhuma confiança nas propostas de acordo entre Filipe Nyusi e a oposição
Por um governo dos trabalhadores, dos jovens e do povo pobre