Mentira de Tarcísio sobre câmeras de policiais é puro suco de democracia burguesa
“A gente não descontinuou nenhum contrato. Os contratos permanecem. Mas qual a efetividade das câmeras corporais na segurança do cidadão? Nenhuma”. A declaração mentirosa de Tarcísio de Freitas contra o uso de câmeras corporais pelos policiais militares não surpreende.
Primeiro, porque não é a primeira vez que o “governo técnico” ignora dados para impor sua política anti-povo: já vimos isso na privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), quando pesquisas e exemplos de casos semelhantes que deram errado para a população foram deixados de lado. Os únicos números que interessaram ao governo foram os dividendos dos acionistas e, claro, um provável financiamento na próxima campanha.
Segundo, porque ao longo de 2023 ficou nítido que tanto ele, quanto seu secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, criariam obstáculos para o programa Olho Vivo. Os números que interessam neste aceno à base bolsonarista são os votos na próxima eleição.
Como afirmam várias organizações em nota, as evidências disponíveis indicam “que as câmeras corporais reduzem mortes causadas por policiais (contribuíram para preservar ao menos 104 vidas em um ano), inibem a corrupção, evitam que abordagens de menor complexidade escalem para situações mais perigosas, diminuem os casos de agressão contra os agentes do estado e as mortes dos próprios policiais em serviço, melhoram o atendimento em casos de violência contra a mulher, reduzem o número de reclamações contra a polícia, aprimoram a supervisão sobre as patrulhas, geram material para treinamento policial, trazem mais transparência para a corporação e produzem provas que podem contribuir para melhores decisões do sistema de justiça criminal – câmeras e letalidade”. (leia a nota aqui)
Ao negar os fatos Tarcísio mostra que, para o bolsonarismo, importa pouco as vidas da população em geral e as dos policiais. No que se refere aos últimos, em geral moradores da periferia, assim como a maioria das vítimas da corporação, a fala do governador deveria levar a refletir: no fim das contas, são tratados como carne de canhão para beneficiar os políticos. Enquanto o governador discursa confortavelmente acomodado, ele manda a tropa fazer o trabalho sujo.
O primeiro ano do governo já mostrou, aliás, que será bem sujo se nada mudar. Comparando o terceiro trimestre de 2023 e o de 2022, o aumento da letalidade policial passou de 57 para 106 vítimas. A chacina no litoral no meio do ano contribuiu para isso com seus 28 mortos oficialmente. Mas também aumentaram as vítimas na capital e na Grande São Paulo. Podemos esperar a ampliação dessas estatísticas, já que o governador também aponta que continuará primando pelo confronto com a periferia.
Tarcísio tem bons aliados. Derrite, por exemplo, se provou o secretário ideal. Como esquecer sua pérola cinicamente racista no Roda Viva? “A polícia combate o crime. Agora se dentro do número de criminosos detidos pela polícia ou que acabam lamentavelmente entrando em confronto com a polícia, a maior parte deles pertence a um determinado grupo […] isso foge da alçada da polícia”.
Em setembro, por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu sua contribuição ao suspender a liminar que obrigava 100% dos policiais envolvidos nas operações de reposta a agressões aos agentes a usarem câmeras corporais. É sabido que situações assim facilmente degeneram em operações de vingança indiscriminada.
Tarcísio e Derrite querem acabar com o pouco controle público obtido sobre a PM com o uso das câmeras corporais. Para que a gente se entenda sobre este ponto: nenhuma medida técnica pode modificar a lógica racista e de classe com a qual funcionam as polícias. Afinal, ela é expressão genuína das instituições governantes atuais e da história de um país cuja terra foi permanentemente molhada por sangue indígena e negro. Sem contar que os próprios limites com que tais medidas são implantadas abrem margem a todo tipo de fraude, como já apontado inclusive no caso das câmeras corporais.
“Segurança pública” em uma sociedade em que o Estado (o público) tem donos, a minoria branca e rica, se trata necessariamente da proteção das grandes propriedades dos burgueses e da manutenção das condições políticas de dominação.
Mas é uma derrota para o Estado ter que aceitar alguns centímetros de controle sobre suas ações e isso nunca vem sem luta. A implantação das câmeras corporais fez eco às denúncias de violência policial que sempre marcaram a história da PMESP, como o Massacre de Paraisópolis. Nesse sentido, as pouco mais de 10 mil câmeras existentes deveriam ser só o começo. Entre outras ações, deveria ser reduzido o risco de burlar a utilização do equipamento, como alguns policiais começaram a fazer.
O recado do governador, corroborado por decisões judiciais que facilitaram as operações vingança, é nítido: podem espancar e matar em paz na periferia. Do nosso lado, temos o desafio de articular a resistência à declaração de guerra de Tarcísio e companhia.