Marco Temporal: E o governo deixa passar a boiada sobre indígenas para agradar o agro
No último dia 30, a Câmara dos Deputados aprovou o famigerado Projeto de Lei 490/2007, sobre o Marco Temporal. A votação foi pautada em regime de urgência por Arthur Lira, presidente da Câmara e notório aliado da Bancada Ruralista. O regime de urgência passou, inclusive, por meio de uma colaboração do governo Lula, que liberou a sua base parlamentar na votação.
Uma semana depois, o PL foi aprovado por 283 votos a 155. O projeto recebeu 99 votos favoráveis de deputados de partidos que ocupam ministérios do atual governo. Dentre eles, parlamentares do MDB, União Brasil, PSB, PSD e PDT.
O Marco Temporal ameaça os direitos dos povos indígenas assegurados na Constituição de 1988, particularmente em seu Artigo 231, que garante, categoricamente, os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las”.
No entanto, os grandes proprietários rurais criaram uma “nova interpretação”, inteiramente falsa, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação de seus territórios nos casos em que tivessem posse comprovada da área reivindicada antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Essa data seria o tal do “marco temporal”.
Negando a História para saquear direitos e terras indígenas
Essa alegada “tese” é completamente absurda. Os povos indígenas, os verdadeiros habitantes originários, já estavam aqui muito antes da chegada dos conquistadores europeus.
Alguns podem até argumentar, de forma maliciosa, que não havia indígenas ocupando este ou aquele território no momento em que a Constituição foi promulgada, mas que apenas surgiram posteriormente. Esses são os argumentos frequentemente defendidos pelos ruralistas.
Ora, quem conhece um pouco da história do Brasil sabe que a razão para isso é muito óbvia: os indígenas foram expulsos e impedidos de estar em suas terras nessa mesmíssima data.
Impedidos por jagunços armados pelos latifundiários ou mesmo pelas “autoridades” do Estado brasileiro, que simplesmente removeram os indígenas de terras cobiçadas pelos fazendeiros. Quando os povos originários conquistaram seus direitos constitucionais tiveram que ir à luta para que eles fossem efetivamente cumpridos.
É inegável que o Marco Temporal é uma estratégia utilizada pelos ruralistas para saquear e usurpar terras indígenas. Essa medida não apenas impede futuras demarcações, mas também legitima invasões de jagunços e milicianos contra os povos indígenas.
Além disso, muitas das terras indígenas que foram demarcadas nas últimas décadas, com base em estudos técnicos que comprovam a relação dos povos originários com essas terras, seriam injustamente anuladas.
É preciso romper e mobilizar
Governo Lula usou indígenas como moeda de troca
A votação no Congresso mostrou que o agronegócio nunca esteve tão forte. E não é apenas na Economia. Hoje, a bancada ruralistas abarca pelo menos dois terços dos deputados. Controla, ainda, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com Carlos Fávaro (PSD-MT). Além disto, o agronegócio está associado aos mais diversos setores da economia nacional, aos capitalistas industriais e ao sistema financeiro.
Mas a votação do PL 490 não mostrou apenas isso. Escancarou, também, que as promessas de campanha de Lula, em “demarcar todas as Terras Indígenas” são falaciosas quando se governa para o agro. O governo liberou sua bancada para votar na urgência do PL um dia depois de conseguir os votos necessários para aprovar o Arcabouço Fiscal, um profundo ataque aos trabalhadores e que vai retirar dinheiro da Saúde, Educação, demarcação das TIs, Reforma Agrária, para dar aos banqueiros.
Na sequência, o Congresso também retirou do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) o processo de demarcação dos territórios, para levá-lo para o Ministério da Justiça e Cidadania, com Flávio Dino (PSB-MA). E é preciso lembrar que quando Dino foi governador do Maranhão, o estado liderava o ranking de conflitos agrários e assassinatos de indígenas e ninguém foi punido.
Ministérios “rifados” para o agro
A decisão de “rifar” o Ministério Indígena foi feita pelo governo a pedido da bancada do agro. Aliás, o próprio relator da Medida Provisória 1.154, o deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), que retirou a demarcação como atribuição do Ministério, é da base do governo no Congresso.
No seu parecer, Bulhões ainda devolveu a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ao Ministério da Agricultura, controlado pelo agro, e retirou o Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério do Meio Ambiente. Tudo isso foi negociado com a Bancada Ruralista para que o governo conseguisse manter a sua estrutura ministerial.
Os indígenas precisam romper com esse governo para conquistar a demarcação de todos os seus territórios. Novos ataques virão e os indígenas não podem ser tratados como moeda de troca. Também não dá pra confiar que o Senado (cheio de ruralistas) ou o Supremo Tribunal Federal (STF) impeçam o Marco Temporal. Seguir atrelado ao governo e a institucionalidade só leva à desmobilização dos indígenas e a novas derrota.
Roubo de terras
O Marco Temporal e a expansão do agro
A esmagadora maioria dos grandes proprietários de terra obtiveram suas propriedades por meio do roubo de terras públicas e das fraudes cartoriais (a chamada “grilagem’) e de registros no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Muitas áreas já ocupadas por monocultivos do agronegócio foram criadas sobre terras indígenas, especialmente nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país. Quando você houve na TV um latifundiário falar de boca cheia que é um “produtor”, saiba que, na maioria das vezes, ele é um ladrão de terras.
Cercados pelo agro
Cerca de 45% dos povos originários, quase metade, vivem fora da região da Amazônia Legal, enfrentando confinamento, alta violência e condições de extrema pobreza. Surpreendentemente, das 298 Terras Indígenas localizadas fora da Amazônia Legal, mais da metade delas (146) ainda não foram oficialmente reconhecidas.
É importante destacar que essas terras já demarcadas correspondem a apenas 1,6% da área total de Terras Indígenas no Brasil, mas abrigam quase metade (45%) de toda a população indígena do país.
Para dar um exemplo bem concreto dessa situação, basta citar que, no Sudoeste do Mato Grosso do Sul, os Guarani-Kaiowás foram removidos de suas terras pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antecessor da Fundação Nacional do Índio (Funai), para que suas terras fossem roubadas pelo latifúndio. Seu território ancestral é, hoje, ocupado por sojeiros e usinas de cana.
Amazônia: uma nova fronteira
Outro motivo para o ataque é que o agro está buscando abrir novas fronteiras de expansão, especialmente na Amazônia. Mais de 98% das Terras Indígenas estão na Amazônia Legal. Elas servem de obstáculos para a destruição ambiental e sofrem, sempre, uma enorme pressão para a abertura de áreas para a pecuária e a exploração de madeira, minérios e monocultivos.
Uma expansão do agro neste bioma traria benefícios para um pequeno grupo de grandes proprietários de terras, especuladores imobiliários, madeireiros e funcionários corruptos, enquanto resultará em genocídio dos povos originários e numa catástrofe ambiental para todo o país.
Perguntas e respostas
Quem são os povos indígenas?
O Brasil tem 254 povos indígenas, falantes de cerca de 160 línguas. No total, são 700 mil pessoas vivendo em Terras Indígenas. A estimativa é que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos diferentes, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Daí, tem-se alguma dimensão do alcance do genocídio contra esses povos.
Onde está a maior parte das Terras Indígenas (TIs)?
Hoje, 13,8% do território brasileiro é ocupado por TIs. Mais de 98% estão na Amazônia Legal e servem de obstáculos para a destruição ambiental, contra o avanço da pecuária, da exploração de madeira, minérios e monocultivos. Segundo os dados do MapBiomas, entre 1985 e 2017 a perda florestal em Terras Indígenas foi de apenas 0,5%. Porém, muitas delas estão cercadas por áreas desmatadas ou pastagens.
Tem muita terra pra pouco latifundiário
“Mas tem muita terra pra pouco índio”, dizem os ruralistas do agronegócio. Na verdade tem muita terra pra muito pouco ruralista. Um punhado de 15.686 latifundiários controlam 105,5 milhões de hectares, ou seja, 25% da terra agrícola no Brasil.