Mais uma vez sobre a proposta de frente de esquerda
O segundo semestre do ano passado foi marcado por lutas e movimentações importantes no país: as greves e luta contra as privatizações do governador Tarcísio Freitas em São Paulo, a greve dos operários da GM em São José dos Campos, a greve dos estudantes da USP, as paralisações do funcionalismo público de Minas Gerais contra o ajuste fiscal de Zema, as ações de movimentos de luta contra o racismo, em especial do Quilombo Raça e Classe cobrando do Banco do Brasil (maior financiador do tráfico de pessoas para fins de escravidão no Brasil) e do Estado brasileiro reparação pelos mais de 300 anos de escravidão em nosso país, para citar apenas alguns exemplos.
É preciso ver como se processará esse cenário neste ano, devemos trabalhar para que ele não apenas se mantenha, como cresça e se generalize. No entanto, apesar de motivos não faltarem para isso, não podemos dizer que essa é a hipótese mais provável. Não apenas pela situação em que se encontra nossa classe, mas também pela política de Lula, da direção do PT e seus satélites (PSOL, PcdoB), que dirigem as grandes organizações de massas do país, que vão fazer todo o esforço possível para canalizar todo o descontentamento que cresce embaixo para o voto nas suas candidaturas. Mobilização para esses setores, só se for para potencializar campanha eleitoral de seus candidatos.
Assim, o cenário mais provável é que as eleições municipais de outubro se convertam no acontecimento político mais relevante do ano, concentrando aí o grosso da disputa política na sociedade. E serão eleições mais uma vez cruzadas, ainda que não na mesma dimensão das eleições de 2022, pela polarização entre a frente ampla que está no governo e seus apoiadores, por um lado e, por outro lado, a ultradireita bolsonarista.
É neste contexto que está sendo convocada por algumas correntes uma reunião dos partidos e organizações da esquerda socialista para discutir a construção de uma alternativa comum para as eleições municipais deste ano. Seus promotores convidam o PSTU para a reunião apesar de, em conversas com todos eles, já tivéssemos deixado nítido nossa opinião, que difere desta proposta. Assim, com esse artigo, tornamos pública, também, a nossa resposta aos companheiros.
Um partido leninista e as eleições
Os camaradas que acompanham mais de perto o nosso partido sabem que o PSTU é um partido marxista, leninista e trotskista. Acreditamos que a contradição mais evidente nessa época em que vivemos, de decadência da sociedade capitalista, é aquela entre a necessidade premente de superar essa sociedade para que possamos avançar rumo a um futuro comunista para a humanidade, e a ausência de um instrumento político que seja a ferramenta capaz de dirigir a luta da nossa classe até uma revolução socialista que abra caminho para essa transformação. Esse instrumento, nos diz a experiência histórica da nossa classe, é o partido revolucionário.
Nós somos leninistas no terreno da organização partidária por uma razão muito simples: é a concepção que se provou correta historicamente, como atesta a revolução de 1917 na Rússia. Valorizamos muito a frente única e unidade de ação para atender as necessidades concretas da luta da classe. Isso é especialmente importante neste período de decadência do sistema que o leva necessariamente a aumentar os ataques contra o nível de vida da classe, fazendo retroagir, inclusive, suas conquistas anteriores. No terreno da atuação cotidiana, das lutas locais, parciais, ou gerais da classe, lutamos pela unidade de ação, ou mesmo pela frente única operária, pois a unidade da classe na luta, a fortalece. Como também procura fazer avançar a independência de classe na luta e no terreno da sua organização para lutar; muitas vezes buscando constituir blocos classistas em lutas que defensores da conciliação de classes buscam diluir a classe em movimentos policlassistas, ou atrelar suas organizações a pactos sociais com a burguesia ou a governos burgueses.
Por isso, o PSTU se empenha tanto em construir espaços comuns para organizar a luta da nossa classe e da juventude. Não apenas com a CSP-Conlutas, mas em diversas outras iniciativas construídas conjuntamente com os setores que assinam essa convocação e outras organizações. Sempre para atender as necessidades da luta da classe e de sua independência como classe.
No entanto, em nossa concepção, o terreno das eleições é diferente. É o terreno da propaganda e apresentação de um programa e projeto que determinado partido representa e defende. Com tudo de falso e ilusório dos processos eleitorais no capitalismo, aqui é onde se apresentam os projetos para o país que tem cada partido. É esse o “ambiente” dos processos eleitorais e é o que se espera deles, pelo menos os setores mais conscientes da sociedade e da nossa classe – com quem nos interessa dialogar.
Então, para nós, aqui se trata de apresentar o partido, seu programa, seu projeto de sociedade, para disputar em torno a ele a consciência da vanguarda e dos setores de massa que pudermos atingir. Assim trabalhamos pela educação, para elevar seu nível de consciência em torno à estratégia que julgamos correta para realizarmos a transformação que defendemos para a sociedade, e do caminho para atingir essa estratégia. E também estimular sua organização nesse sentido.
É por termos essa concepção acerca da participação nos processos eleitorais que, para nós, o normal é que o partido apresente suas próprias candidaturas nas eleições. Por que isso? Porque partimos de uma compreensão que nos parece óbvia, que cada partido tem programas diferentes, e mesmo quando anunciam uma estratégia que parece comum, defendem caminhos diferentes para atingi-la. Não fosse assim, seriam um mesmo partido. Por isso, apresentar suas próprias candidaturas nos parece o caminho natural para que o partido dê conta dessa tarefa que para nós é a mais importante nos processos eleitorais.
A frente de esquerda é uma soma que acrescenta ou diminui, em nossa estratégia?
Sabemos que há organizações que trabalham com outra concepção, que defendem como estratégia, ou pelo menos uma tática muito privilegiada, praticamente permanente, a construção de frentes da esquerda nas eleições. Respeitamos isso, mas não acreditamos que é o melhor caminho, por várias razões. Ao juntar em uma mesma candidatura vários partidos – cada um, como vimos acima, com seu próprio projeto – qual destes projetos seria apresentado na campanha eleitoral? A soma deles ou uma média entre as distintas visões, que seria natural numa frente, implica concretamente todos os partidos abrirem mão do seu programa para um acordo. Assim, a resultante da frente é que o partido deixaria de dar conta de sua principal tarefa no processo eleitoral, que é defender o seu programa para o país. Ao invés disso, defenderia uma junção, necessariamente confusa, de propostas diferentes entre si.
Tomemos o que propõe a CST: uma frente PSTU, UP, PCB-RR, setores independentes, etc. Trata-se de partidos que defendem programas, estratégias e caminhos para chegar a elas completamente diferentes. A UP é uma organização abertamente estalinista enquanto o PSTU, trotskista, nasceu lutando contra o estalinismo e seus crimes contra nossa classe e o socialismo, mas não é só isso. A UP defende a colaboração de classes, participou através de organizações que dirige do “governo de transição” de Lula e, hoje, compõe conselhos federais do governo de aliança com a burguesia, como na área da educação. De fato, apoia o governo Lula. Qual programa em comum com a UP seria possível apresentar seriamente nas eleições, sem abrir mão da defesa de uma saída efetivamente socialista e revolucionária para o país?
A defesa da frente de esquerda como uma estratégia (ou tática permanente, o que dá no mesmo) para a construção da direção política para nossa classe está presente em várias partes do mundo. E no Brasil também e ainda mais. O MRT, por exemplo, defende transpor para o Brasil uma Frente Eleitoral como a FIT argentina, tendo os países legislação eleitoral completamente diferente.
No entanto, os exemplos concretos estão aí: o PSOL foi construído em base a essa lógica. Que lições devemos extrair dessa experiência, se não que acabam por levar ao eleitoralismo, ao abandono do programa e à desmoralização e desorganização da vanguarda?
Como se pode ver, uma frente não necessariamente implica somar forças na principal tarefa do partido nas eleições, pode significar o oposto, a subtração de sua condição para defender nitidamente a sua política, o seu programa e, consequentemente, o projeto de conformação de um partido revolucionário. O único ganho real existente nesse caso é a somatória dos votos. E os votos são, sim, muito importantes, devemos lutar por quantos votos forem possíveis. Mas a busca por votos deve estar sempre subordinada à tarefa mais importante – a defesa do programa.
Somos conscientes de que o caminho a que nos leva nossa concepção é mais difícil, especialmente em situações políticas como vivemos hoje a para partidos ainda pequenos como os nossos. No entanto, de nada adiantaria deixarmos de lado a “paciência revolucionária”, como dizia Lênin, para buscarmos um caminho mais fácil e rápido, que acabaria por não nos levar a lugar nenhum.
Isso não quer dizer que os revolucionários sejam proibidos de ter diversas táticas eleitorais, a depender das circunstâncias e nem que no futuro, ou em outros momentos da luta de classes possa haver uma unidade programática e política maior entre diversas organizações. Mas, o normal nos processos eleitorais é que o partido se apresente e ao seu programa.
As táticas precisam considerar a circunstância de cada momento
Nas eleições de 2022, propusemos e construímos, junto com diversas organizações e camaradas, o Polo Socialista e Revolucionário – do qual temos um balanço bastante positivo. Vivíamos uma situação política fortemente polarizada entre o bolsonarismo e a frente ampla encabeçada pelo PT. Nós julgamos que naquele momento era necessário construir um polo de aglutinação (e refúgio) para o ativismo que quisesse resistir à enorme pressão para o apoio à frente ampla; para criar inclusive condições para que setores do PSOL que estavam contra o movimento feito por aquele partido pudesse ter um ponto de apoio para apresentar e defender um ponto de vista de independência de classe nas eleições.
Acreditamos que aquela política cumpriu seu objetivo ainda que, como todos sabemos, enfrentamos uma limitação objetiva causada pela onda lulista, que foi alimentada conscientemente por Lula, PSOL e outros satélites do PT como se fosse a única forma de enfrentar Bolsonaro. No entanto, ter sido uma política acertada para aquela circunstância não torna o Polo uma política acertada para todas as eleições. As eleições deste ano também serão polarizadas, mas em outro nível, porque já não estamos naquele mesmo momento político (risco da vitória de Bolsonaro, que poderia levar a um retrocesso no regime político do país), e porque são eleições municipais. Por isso, diferente dos camaradas, não vemos justificativa para reeditar a política do Polo.
Assim, respeitamos, mas não estamos de acordo com o propósito da reunião convocada pelos camaradas e, portanto, não consideramos adequado a nossa participação na mesma. Ao mesmo tempo queremos repetir o que está dito no início deste artigo: seguimos empenhados em adotar todas as iniciativas de unidade de ação e frente única para a luta da nossa classe e da juventude e para a defesa da independência de classe no movimento e organizações de luta dos trabalhadores. Nesse caminho reafirmamos nossa disposição de tratar com os companheiros todas as iniciativas que se fizerem necessárias e possíveis para a mobilização da nossa classe, para a defesa da independência de classe no movimento, assim como para debater as questões da luta de classes no país e no mundo.
Por outro lado, como já informamos anteriormente aos camaradas, o PSTU tem como tradição conceder sua legenda, por um critério democrático, para que organizações, lutadoras e lutadores da nossa classe, e que não tenham legalidade, possam se apresentar e defender suas ideias nas eleições. As condições para isso são os protocolos de praxe nessas situações. Mas, hoje, além disso consideramos ser condição importante que sejam setores que estejam na oposição de esquerda ao governo e defendam a independência de classe. Por isso, colocamos a cessão da nossa legenda à disposição dos camaradas.