Lutas

Lula mandou encerrar a greve e a diretoria do ANDES-SN está obedecendo

Wagner Miquéias Damasceno, militante do Coletivo Andes em Luta (CAEL) e professor da UNIRIO

22 de junho de 2024
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Manifestação dos servidores públicos federais em Brasília Foto CSP-Conlutas

Na noite do domingo (16) os professores das Universidades e Institutos Federais foram surpreendidos com um comunicado de nº 84, emitido pelo Comando Nacional de Greve (CNG), sugerindo a saída da greve, mesmo sem nenhuma conquista substantiva. Claro, às vezes, saímos de uma greve sem conquistas porque faltam forças para derrotar o patrão/governo. Mas, em nossa avaliação, não é este o caso.

Nesse comunicado, o CNG novamente perguntava a opinião dos professores sobre a proposta indecorosa do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), proposta essa que já havia sido amplamente rejeitada pela base. Além disso, o comunicado tratava como conquistas da greve fatos questionáveis como a deslegitimação da PROIFES, justamente quando essa entidade cartorial – criada durante o primeiro governo Lula – ganhou do governo a carta sindical.

Afinal, quem realmente vem dirigindo a Greve Docente Federal?

Quando se inicia uma greve de caráter nacional, como a nossa, forma-se um Comando Nacional de Greve composto por delegados eleitos nas Universidades e Institutos em greve. Nesse comando, os diretores do sindicato também tem assento, mas o sindicato vai para o segundo plano e o CNG assume a direção política da greve.

Mas, infelizmente, esse procedimento – que é um patrimônio democrático do movimento da classe trabalhadora e da nossa categoria docente – vem sendo violado desde o início da greve. Isso porque quem vem dirigindo de fato esta greve nacional é a atual diretoria do ANDES-SN e, diga-se de passagem, de forma bastante autoritária e burocrática.

Falamos em autoritarismo e burocratismo porque a Diretoria – que votou contra a construção da greve federal no 42º Congresso do ANDES-SN, realizado neste ano em Fortaleza, se entrincheirando na vaga proposta de “construir a greve no horizonte” – usurpou dos delegados de base a condução política da greve. Além de assumir a presidência de todas as mesas de reunião, por seu peso, indica correligionários e aliados estratégicos para as mesas de negociação com o governo.

A atual diretoria do sindicato é composta por uma corrente sindical chamada “Andes de luta e pela base” (ALB), uma agremiação de militantes do PSOL (notadamente das correntes Insurgência, Resistência e Revolução Solidária) e do PCB. Esse grupo político demonstrou, nesta greve, que está mais interessado em preservar o governo Lula do que defender os interesses da categoria docente.

Nas últimas semanas, o autoritarismo e o oportunismo da Diretoria/ALB deu um salto. À medida que o movimento paredista crescia, atingindo o impressionante número de 62 IFES em greve, e tendia a se chocar com a política intransigente do Governo Lula, a diretoria/ALB não titubeou: buscou aliança com a corrente sindical do PT, Renova ANDES-SN.

Essa aliança que, no início, era tácita, evoluiu para uma aliança aberta e visível na política do CNG. Diretoria/ALB e Renova uniam-se para impedir que os delegados de oposição no CNG pudessem ir para as mesas de negociação com o governo e uniam-se para impedir que esses delegados de oposição pudessem imprimir aos Comunicados orientações mais consequentes e ações mais firmes e radicais na luta pela recomposição dos nossos salários e do orçamento das IFES.

Por isso, se todas (as poucas) conquistas obtidas até aqui são fruto da base docente, todos os limites e derrotas obtidas até aqui são de responsabilidade exclusiva da diretoria/ALB e de seu servilismo ao Governo Lula.

Esse servilismo produziu consequências nefastas na luta docente federal, como mostra a luta pela recomposição salarial.

Em julho de 2023, a diretoria/ALB protocolou a pauta salarial de 2024 exigindo 39,92% de reajuste salarial divididos em três parcelas de 11,84% em 2024, 2025 e 2026. Mas, em poucos tempo, a diretoria/ALB deixou essa reivindicação de lado e aderiu ao índice proposto pelo FONASEFE, de 21% divididos em três parcelas de 7,06% em 2024, 2025 e 2026.

Mesmo após rebaixar 18 pontos percentuais da proposta de recomposição salarial da categoria, a diretoria/ALB ouviu um sonoro “não” do Governo Lula. O presidente mostrou-se indisposto a conceder qualquer reajuste para os professores das IFES em respeito ao Arcabouço Fiscal – criado por ele mesmo – um instrumento econômico draconiano que estrangula o investimento público em benefício dos banqueiros.

Deflagrada a greve federal, a diretoria/ALB rebaixou mais uma vez a proposta de reajuste salarial, dessa vez, completamente à revelia da categoria docente! Agora, a diretoria/ALB conseguiu reduzir a reivindicação da categoria a míseros 3,69% em 2024, 9% em 2025 e 5,16% em 2026.

Esse progressivo rebaixamento da pauta salarial é, na verdade, continuidade da capitulação de 2023, quando a direção do ANDES-SN e demais entidades dos Servidores Públicos Federais abandonaram a exigência de 26,9% de recomposição emergencial se agarrando ao índice de 9%.

Aliás, não deixa de surpreender o cinismo de Lula quando afirmou nesse dia 21, em São Luís (MA), que nos deu 9% e que somos ingratos por não termos lhe agradecido!

Afora o fato dos trabalhadores não terem nada a agradecer aos políticos e burgueses, é preciso dizer que essa é mais uma demonstração da intencional desinformação promovida pelo governo Lula. Desinformação porque os 9% de reajuste salarial concedido em 2023 já estava inscrito na LOA 2023, aprovada em 22 de dezembro de 2022 e, ainda assim, Lula tentou reduzi-lo à 7,8%!

Lula mandou, e os dirigentes estão obedecendo

Na segunda-feira (11), Lula realizou uma cerimônia com os reitores das IFES e com os ministros Camilo Santana e Esther Dweck. Nessa reunião, Lula se disse surpreso com a situação precária de universidades como a UFRJ, entretanto, disse que não havia razão para a greve. Habilmente – e sabendo que a greve da Educação Federal era obra dos trabalhadores das bases das entidades sindicais – Lula se voltou para os dirigentes ordenando que esses tivessem coragem para encerrar a greve.

“Missão dada, missão cumprida”. A partir dali, esses dirigentes – que nunca foram favoráveis à deflagração da greve – realizaram uma verdadeira operação desmonte da greve. Dirigentes do ANDES-SN, FASUBRA e SINASEFE fortificaram suas alianças com os petistas, sufocaram as oposições e trataram de minar a greve argumentando que havíamos obtido conquistas significativas e que não havia “correlação de forças” para obtermos mais do que já fora dado.

Um balanço necessário

Parafraseando o revolucionário russo Leon Trotsky, em seu Programa de Transição (1938), o problema do mundo não é a suposta imaturidade dos trabalhadores, mas o apodrecimento das direções sindicais e políticas dos trabalhadores.

Para nós, esse diagnóstico permanece atual à medida que a crise capitalista se aprofunda e se erguem governos de colaboração de classes como é o Governo Lula.

Toda a categoria docente precisa extrair lições desse movimento grevista. Em nossa opinião, há dois grandes entraves para a radicalização da nossa greve e que, ao mesmo tempo, são as principais causas para o malogro de nossas reivindicações: 1) o já falado caráter oportunista da nossa direção sindical; 2) e a capitulação diante do Governo Lula.

Sob o controle da Diretoria/ALB, o CNG foi incapaz de esclarecer o conjunto da categoria de que esta greve se enfrenta com o Governo Lula e foi incapaz de organizá-la para o enfrentamento a esse governo com os vastos métodos de greve passíveis de serem utilizados.

É uma greve para derrubar o governo Lula? Não. Mas é uma greve contra ele e que se choca com o seu principal instrumento econômico: o Arcabouço Fiscal. Isto é, não se trata de uma greve contra o Feijó, contra “o capital” e, muito menos, para ajudar o Lula a realizar o seu programa – como alguns disseram –. Essa é uma greve contra o Governo Federal que insiste no Arcabouço Fiscal e, com isso, nos condena à pauperização progressiva.

Duvidam? Vejam quantos materiais de divulgação nas redes sociais do ANDES-SN foram feitos com imagens do Lula e denúncias ou exigências a ele. Se não somos traídos pela memória, a última vez que foi dirigida com centralidade uma exigência ou denúncia ao Lula foi no dia 31 de maio, convocando um twitaço com os modestos dizeres:  “Lula negocia já”…

Essa capitulação política da Diretoria/ALB ao governo Lula impôs um obstáculo enorme para o movimento paredista. Afinal, queremos arrancar dinheiro e compromissos políticos do Governo Lula, mas poupá-lo de denúncias e exigências. Na política, isso é o equivalente a querer um milagre.

Rejeitar o acordo e organizar a luta contra a burocracia e contra o governo

O requentado acordo feito pelo governo foi amplamente rejeitado pelas bases do ANDES-SN e, agora, a Diretoria/ALB tenta enfiá-lo goela abaixo da categoria. Em nossa opinião, é preciso reafirmar a rejeição a esse acordo.

Em segundo lugar, é necessário organizar o enfrentamento à burocracia sindical que se apossou do ANDES-SN e que vem nos conduzindo à derrota na greve. Lembremos: logo após a posse do governo Lula, a ALB – em aliança com o Renova Andes-SN – preparou a saída do nosso sindicato da Central Sindical Popular CSP-Conlutas justamente para que, num momento de embate com o governo, não houvesse um contrapeso à esquerda, permitindo que a Diretoria/ALB implementasse sua política oportunista de capitulação ao governo Lula.

Por fim, não nos iludamos com os elogios tecidos agora pela Diretoria/ALB à greve, feitos, a propósito, sempre no passado. A Diretoria/ALB agora tece elogios à greve docente, como se elogia um defunto que, em vida, se odiava.

– Por democracia no CNG!
– Rejeição ao acordo!
– Pela manutenção da greve
– A greve continua, Lula a culpa é sua!
– Seguir na mobilização para enfrentar os ataques do governo!