Lula, Arthur Lira e os grandes empresários querem impor uma nova Reforma Administrativa
Nos últimos dias, a Reforma Administrativa voltou à pauta dos jornais e das movimentações dos setores empresariais. As declarações do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, cobrando o Congresso pela votação do PL 6.726/2016, que limita os supersalários nos serviço públicos; a criação de uma coalizão de empresários pela Reforma Administrativa, encabeçada por setores do varejo e serviços; e o grupo de trabalho criado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e pela Advocacia Geral da União (AGU), para elaborar uma proposta de Reforma Administrativa, ganharam as manchetes dos principais jornais.
O que esperar da Reforma Administrativa?
Quando falamos em Reforma Administrativa, é comum pensar no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, construído por Paulo Guedes e que está com a tramitação empacada no Congresso. A luta dos servidores públicos impediu a votação desta PEC. Vira e mexe, Arthur Lira anuncia que a PEC 32/2020 entrará na pauta da Câmara; mas, por enquanto, não teve êxito.
A PEC é baseada em um documento do Banco Mundial (BM), de 2020, que analisava o Estado brasileiro e buscava estabelecer diretrizes para uma Reforma Administrativa.
“Esta nota apresenta, de forma não exaustiva, alguns dos principais desafios relacionados à gestão de recursos humanos no governo federal (…) Tais desafios envolvem, dentre outros, aproximar os salários dos servidores às remunerações da iniciativa privada, reduzir o número de carreiras e torná-las mais transversais, redesenhar a estrutura de pagamentos dos servidores, de forma a reduzir salários de entrada e relacionar ganhos salariais com desempenho”, afirmava o documento do BM.
O governo Lula se diz contrário à PEC, mas a Reforma Administrativa que ele defende e está implementando segue os mesmos objetivos traçados pelo documento do Banco Mundial, que foi a base do projeto de Paulo Guedes.
A diferença é que o governo Lula quer fatiar a implementação dessa reforma, executando parte dela através de instrumentos infralegais, como portarias, instruções normativas, decretos etc., e apostando na consumação de outra parte desta reforma através de alguns projetos de lei, para serem aprovados no Congresso Nacional.
Supersalários são cortina de fumaça
O barulho de Fernando Haddad e Esther Dweck (ministra do MGI) sobre supersalários e sobre a revisão do decreto-lei 200/67 da ditadura militar são, na verdade, uma cortina de fumaça, uma tentativa de pintar de progressiva uma Reforma Administrativa profundamente reacionária que o governo quer impor.
Por trás do discurso de modernização do Estado, propagado pelo governo Lula, a Reforma Administrativa quer diminuir os gastos com servidores e serviços públicos, para garantir a aplicação do Arcabouço Fiscal, o pagamento da dívida pública e abrir margem para garantir enormes pacotes de isenção fiscal às grandes empresas.
Além disso, essa reforma quer entregar ao setor privado, por meio de terceirizações, concessões, privatizações etc., parcela importante dos serviços públicos.
Confira
Quais são as medidas da Reforma Administrativa que Lula já implementou e quer implementar?
Já implementou
Portaria 5127/2024 – Estabelece as diretrizes para a reestruturação das carreiras dos servidores. Essa medida busca modificar as carreiras, para aproximar a média salarial dos servidores públicos do setor privado, mais baixa. Modifica, ainda, os critérios de progressão nas carreiras, aumentando o tempo para a progressão e condicionando-a à avaliação de desempenho. Com isso, o governo busca reduzir a renda dos servidores da ativa, retardar suas aposentadorias, e submetê-los a um regime de metas, que vai facilitar o processo de assédio moral por parte das chefias, em cargos comissionados. Essa portaria também busca impulsionar a fusão e extinção de carreiras, principalmente de cargos de nível médio. Dweck afirmou, em entrevista em 2023, que vai priorizar os concursos de nível superior e caminhar para a extinção progressiva dos cargos de nível médio, que passariam a ser ocupados por terceirizados.
Instrução Normativa 24/2023 –Cria o Programa de Gestão e Desempenho (PGD), para servidores em regime de teletrabalho, presencial ou híbrido. A medida permite ao gestor estabelecer mudanças no regime de trabalho, adotando critérios de metas, ao invés de jornada de trabalho, sem a necessidade de consentimento do servidor. Com isso, abre-se uma porta para imposição de jornadas de trabalhos mais extensas, sem pagamento de horas-extras ou mesmo compensação por banco de horas. Além do mais, os servidores que forem empurrados pelo PGD para o teletrabalho terão que arcar com os custos para exercer a atividade laboral.
Concurso Nacional Unificado – O edital previa que os aprovados que não forem convocados para assumir os cargos efetivos poderão ser chamados para assumirem contratos temporários nos órgãos e ministérios. Com isso, o governo vai criar um enorme banco de aprovados, que podem trabalhar sem plano de carreira, sem estabilidade no emprego, recebendo salários menores do que os efetivos, mas desempenhando as mesmas funções.
Concessão da Rede de Hospitais Federais do Rio de Janeiro – No dia 15 de outubro, o Ministério da Saúde publicou portaria que passa oficialmente a gestão do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) para o Grupo Hospitalar Conceição S.A., uma empresa pública de direito privado. Ou seja, a gestão do Hospital passará a ser feita nos moldes das instituições privadas. Isso significa que a contratação deixa efetivamente de ser feita por concurso público. Esse modelo também facilita a terceirização dos serviços necessários ao funcionamento do hospital.
Quer Implementar
IBGE+ – Querem transformar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em uma fundação pública de direito privado, contratando sem necessidade de concurso público e podendo vender seus serviços a empresas privadas e multinacionais. Essa medida, uma privatização disfarçada do IBGE, vai mudar a função do órgão que levanta dados para entender a realidade brasileira e subsidiar as políticas públicas, subordinando suas atividades aos interesses dos grandes grupos empresariais.
PEC 65/2023 – Tramita no Senado e transforma o Banco Central (BC), de uma autarquia federal, em empresa pública com personalidade jurídica de direito privado. O BC passaria a um regime de contratos celetistas, e não pelo Regime Jurídico Único, e suas diretrizes seriam alteradas para buscar lucro. Uma das consequências dessa medida pode ser a taxação do PIX. Caso a PEC 65 estivesse em vigor desde 2018, a União deixaria de receber cerca de R$ 91 bilhões do BC.
O que fazer para reverter a precarização dos serviços públicos?
Sem dúvida, existe um processo crescente de precarização dos serviços públicos no Brasil. Esse é o resultado da política neoliberal, de cortes, desinvestimentos, privatizações e redução do quadro de servidores ativos, implantado por décadas, por FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro.
O processo de recolonização e desindustrialização do país impõe uma lógica de saque das riquezas produzidas no Brasil. Isso abarca o orçamento público, que é saqueado pelos grandes bancos, através da dívida pública. Em 2023, 43% do orçamento federal foi destinado para os juros e amortizações da dívida pública.
Entrega serve ao lucro dos empresários
É essa mesma lógica que leva à entrega de ramos estratégicos e serviços públicos essenciais para o setor privado. A burguesia exige de seus governos a abertura de novas oportunidades de negócios.
Diante de um quadro de desindustrialização da economia, uma forma rápida, segura e barata para a burguesia “investir” e obter lucros é se apropriar das empresas e serviços públicos. E quem sofre com isso são os trabalhadores, veja o caso recente da empresa de energia elétrica em São Paulo, a Enel, e do laboratório contratado pelo estado do Rio de Janeiro, que levou à contaminação por HIV de pelo menos seis pessoas transplantadas.
Um mito a serviço da privatização
A Reforma Administrativa, de Lula, de Bolsonaro e do Banco Mundial, é baseada no mito de que o Estado Brasileiro está inchado. Mas os dados revelam que a média de gastos e de servidores públicos no Brasil é inferior à média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que se dedica à promoção de padrões internacionais em questões econômicas, financeiras, de políticas públicas, ambientais etc.
Além disso, o número de servidores na ativa vem diminuindo na última década. Somente na esfera federal são 80 mil a menos. Na verdade, o quadro é o oposto do que defende o Banco Mundial.
No Distrito Federal (DF), por exemplo, dois terços (⅔) da população dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, apenas 22% dos médicos do DF atuam na rede pública de saúde. Mesmo com a maior quantidade de médicos por mil habitantes do país, a saúde pública do DF é um caos, com quase 1 milhão de pessoas esperando na fila, por atendimento no SUS.
Fortalecer serviços públicos
Para ter serviços públicos de qualidade, é preciso romper com a lógica capitalista que, hoje, rege a administração desses serviços. É preciso aumentar os investimentos; interromper o processo de privatização e reestatizar os serviços e empresas privatizadas; contratar mais servidores e criar mecanismos de controle democrático de toda a gestão desses serviços e do orçamento pelos próprios trabalhadores.
Para fazer essas mudanças, é preciso derrubar o modo de produção capitalista e construir uma sociedade socialista.