Meio ambiente

Incêndios do Pantanal mostram que o agro é fogo 

Jeferson Choma

25 de junho de 2024
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A imagem de uma muralha de fogo do outro lado da margem do rio Paraguai onde ocorria o tradicional  Arraial do Banho de São João, em Corumbá (MS), viralizou nas redes sociais. Ela mostra o descontrole dos incêndios que assolam o Pantanal, destroem o bioma, matam animais e lançam toneladas de carbono na atmosfera.

A área queimada neste ano no bioma chegou, até este domingo (23), a 627 mil hectares (480 mil hectares em MS e 148 mil, em MT), segundo dados da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No Pantanal, foram registrados 3.262 focos de incêndio entre 1º de janeiro e 23 de junho. O número é 22 vezes o registrado no mesmo período de 2023 do ano passado, segundo o Inpe. Considerando que o auge da estação seca vai de julho a setembro, os incêndios atuais podem ser superiores aos de  2020, quando houve recorde de devastação no bioma e foram destruídos cerca de 4 milhões de hectares, o que significou 26% do bioma. No último dia 24, o governo de Mato Grosso do Sul decretou situação de emergência por causa dos incêndios no Pantanal.

Corumbá, no MS, cercada por focos de indêndios registrados nos dias 23 e 24 pela Nasa

Em geral, no primeiro semestre a região sempre ficou debaixo d’água e os incêndios não acontecem. Mas a minguada cheia desde outubro passado provocou uma severa quebra nos ciclos anuais de enchentes e vazantes do Pantanal. O resultado é que, pela primeira vez, o bioma está completamente seco no primeiro semestre. 

O grande período de seca é mais um evento climático extremo provocado pelo El Niño, fenômeno climático intensificado pelo aquecimento global. Ambientalistas também afirmam que a situação do Pantanal é agravada pelas barragens de pequenas e grandes hidrelétricas no Cerrado que alteraram o fluxo de água ao bioma. Mas ele também é afetado pelo cerco das grandes fazendas de monocultivos que avançam sobre a cabeceira dos rios da bacia hidrográfica do Rio Paraguai, destruindo a mata ciliar e provocando maior assoreamento.

Os incêndios são provocados pelo uso do fogo para limpar pastagens e queimar restos de vegetação desmatada. Com temperaturas superiores a 30° C e grandes rajadas de ventos,  eles se espalham rapidamente e podem atravessar para a Bolívia, o que impossibilita o combate.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, admitiu no último dia 24 que as queimadas registradas no Pantanal são “fora da curva” e “uma das piores situações já vistas” no bioma. O maior problema é a falta de fiscalização e a falta de medidas preventivas que não foram devidamente adotadas nem pelo Governo Federal, nem pelo governo estadual. Faltam servidores para fiscalizar os mais de 65.000 km² do bioma,  realizar manejo controlado de fogo para evitar os grandes incêndios e, principalmente, impedir que os grandes fazendeiros realizem as queimadas. Marina Silva disse que o governo sabia que este ano os incêndios seriam severos. Afinal, ainda estamos sob o efeito do El Niño que provoca, no Brasil, secas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e chuvas devastadoras no Sul, como vimos recentemente na catástrofe do Rio Grande do Sul. 

Mas se sabiam que os incêndios seriam mais severos, por que não tomaram as medidas necessárias para impedi-los? Por que não foram realizadas operações de fiscalização, entre outras medidas de prevenção? O problema é que o governo mantém sua política de ajuste fiscal, investe muito pouco na preservação ambiental e na necessária fiscalização, que só pode ser realizada com a contratação de mais funcionários por via concurso. 

Enquanto isso, o governo fala grosso com os servidores do IBAMA que estão em greve, e a AGU (Advocacia Geral da União) vai acionar o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para decretar a ilegalidade da mobilização dos servidores. “Acabou a paciência. Virou uma questão mais política que de direito sindical”, afirmou um ministro do governo ao site Metrópole.

Já com os desmatadores do agronegócio sobram mais do que paciência e colaboração. Sobram  subvenções bilionárias, como os mais de R$ 360 bilhões do Plano Safra que financiam a expansão dos monocultivos sob as cinzas do Pantanal, Amazônia e do Cerrado.  

Em maio ficou bastante conhecido o caso do fazendeiro Claudecy Oliveira Lemes que usou 25 agrotóxicos – inclusive agente laranja, usado na guerra do Vietnã – para desmatar 80 mil hectares do Pantanal (o tamanho da cidade de Campinas) – para plantar capim e fazer pasto para boi. Logo em seguida, a imprensa revelou que Irajá Lacerda, o secretário-executivo  do ministério de Agricultura e Pecuária (Mapa), o número dois da pasta, atuava como advogado do fazendeiro. Esse episódio oferece um pequeno vislumbre do comprometimento do governo com o agro.

O pior ainda está por vir. A seca vai se agravar e queimadas  incontroláveis podem destruir milhares de quilômetros não só do Pantanal, mas da Amazônia e do Cerrado, que também passam por uma seca severa. Em praticamente todos os biomas brasileiros se registra aumento de focos de incêndios. Na Amazônia, foram detectados 12.696 focos de queimadas entre 1º de janeiro e 23 de junho, um número que  só fica abaixo dos incêndios registrados em 2003 (14.667 focos). No Cerrado já registrou 12.097 focos de incêndio desde o começo do ano, um aumento de 32%, em relação ao ano passado. 

É preciso agir contra o agronegócio, punir seus crimes ambientais e expropriar, sem indenizar, todos aqueles grandes fazendeiros que desmatam e promovem queimadas. É preciso intensificar as ações de fiscalização e de prevenção a novos incêndios, em conjunto com as populações indígenas, quilombolas e camponeses tradicionais que por séculos utilizaram seus saberes ancestrais para impedir o alastramento dos incêndios. Como diz o Agro é Fogo (ver aqui https://agroefogo.org.br/), articulação que reúne 30 organizações e pastorais atuantes na defesa da Amazônia, Cerrado, Pantanal e seus povos,  “o aumento das queimadas criminosas faz parte de um projeto político que está diretamente ligado às ações do Poder Legislativo e Executivo”.