Internacional

Greve geral amplia crise israelense

Fábio Bosco, de São Paulo (SP)

5 de setembro de 2024
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No domingo, dia 1º de setembro, a central sindical sionista Histadrut, que representa 800 mil trabalhadores, convocou uma greve geral para o dia seguinte.

A greve geral paralisou vários setores de transportes, educação, hospitais, bancos e serviços públicos. No entanto, o poder judiciário determinou o fim da greve, o que foi acatado pelos dirigentes sindicais, que, além de sionistas, são pelegos.

A greve foi antecedida por uma grande mobilização, que reuniu entre 500 e 700 mil manifestantes no dia anterior. Mas a greve e a mobilização de domingo não tinham como reivindicação o fim do genocídio de palestinos em Gaza. Nem o fim das ações genocidas das forças israelenses e dos colonos sionistas na Cisjordânia. Nem o fim dos ataques militares ao Líbano.

A questão principal girava em torno dos israelenses detidos pela resistência palestina em Gaza. No sábado, dia 31 de agosto, o exército israelense recuperou os corpos de seis presos israelenses, que morreram há 2 ou 3 dias, em meio à ofensiva israelense em Gaza. O governo israelense afirma que o Hamas executou os seis presos. O Hamas afirma que foi a ofensiva militar israelense a responsável pelas mortes.

Aumenta o apoio ao cessar-fogo

O fato é que estas mortes modificaram a opinião pública judia israelense. Até então, a maioria dos israelenses judeus apoiavam os ataques genocidas em Gaza, na Cisjordânia e no Líbano. Ao mesmo tempo, exigiam a libertação dos presos israelenses detidos em Gaza.

Após a recuperação dos corpos dos seis israelenses, a população judia israelense entendeu que a continuidade do genocídio em Gaza implica na morte de cerca de 100 presos israelenses.

Além disso, a maioria também concluiu que o impopular primeiro ministro Binyamin Netanyahu quer manter o genocídio para se manter no poder, desprezando o desejo das famílias dos presos, que querem tê-los de volta vivos.

As pesquisas de opinião apontam que 53% dos israelenses apoiam o cessar-fogo e a troca de prisioneiros, com a retirada das tropas de toda a faixa de Gaza.

É claro que esse apoio da metade dos israelenses ao cessar-fogo em Gaza não implica no fim da ofensiva genocida contra os palestinos na Cisjordânia, nem exclui uma ampla ofensiva militar contra o Líbano, muito menos o fim do apartheid e da limpeza étnica que já dura 76 anos.

Netanyahu contra o cessar-fogo

No mesmo dia da greve geral, Netanyahu foi a público para se opor ao acordo de cessar-fogo votado pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), há três meses. O acordo, apresentado pelos Estados Unidos e votado pelo Conselho de Segurança, prevê a troca de prisioneiros e a retirada total das tropas israelenses de Gaza, em três fases, de seis semanas cada.

Netanyahu quer manter tropas israelenses em pelo menos duas áreas de Gaza: os corredores Filadélfia e Netzarim, abrindo espaço para a expulsão de palestinos e a implantação de colônias sionistas em Gaza.

O verdadeiro objetivo de Netanyahu é ampliar a colonização das terras palestinas, em Gaza e na Cisjordânia, para reconquistar a sua base de apoio entre a população judia israelense, que oscila entre 22% a 33%, e salvar o seu desprestigiado governo.

Promessas vazias

Hezbollah e Irã abandonam a resistência palestina

Líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei

Os líderes do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e do regime iraniano, Ayatollah Khamenei, já afirmaram diversas vezes que, apesar de sua solidariedade com o sofrido povo palestino, não atacarão Israel por conta do genocídio em Gaza. A única força árabe que está promovendo uma solidariedade ativa são os Iemenitas Houthis, que bloquearam a navegação no Mar Vermelho, em apoio aos palestinos.

Frente aos assassinatos do dirigente do Hezbollah, Fuad Shukr, em Beirute, e do dirigente palestino Ismail Hanieh, em Teerã, no final de julho, tanto Nasrallah como Khamenei prometeram uma resposta contundente aos crimes sionistas.

No entanto, em 13 de agosto, oficiais iranianos afirmaram que aguardariam as negociações de cessar-fogo em Gaza, podendo, inclusive, reduzir o alcance da retaliação, caso Israel aceite o cessar-fogo.

No dia 27 de agosto, o Ayatollah Khamenei declarou, em reunião com o governo recém empossado do presidente Masoud Pezeshkian, que o Irã deve estar aberto para negociar um novo acordo nuclear com o imperialismo estadunidense em troca do fim das sanções.

Já na fronteira Norte, cem aviões israelenses atacaram 400 alvos no Sul do Líbano, na madrugada do dia 25 de agosto. Em seguida, o Hezbollah lançou vários mísseis e drones contra o Norte da Palestina, área ocupada em 1948.

Após esses intensos ataques mútuos, tanto os sionistas como os líderes do Hezbollah afirmaram que atingiram seus objetivos e, desde então, os ataques mútuos retornaram para a baixa intensidade.

Solidariedade internacional

Resistência palestina ativa

Em Gaza, a resistência palestina realiza ataques, autodefesa e sabotagens contra as tropas israelenses, à medida de suas possibilidades, em uma situação de ampla desigualdade militar, mas provocando baixas nas tropas sionistas e, também, incidindo no alto custo econômico da guerra, que já atinge cerca de US$ 68 bilhões, segundo o Ministro de Finanças sionista Belazel Smotrich.

Na Cisjordânia, as forças Israelenses iniciaram uma série de ataques genocidas em larga escala, contra as cidades e campos de refugiados palestinos em Jenin, Tulkarm, Tubas e Nablus, no dia 28 de agosto.

Juventude em heroicos atos de autodefesa

A juventude palestina está recorrendo à autodefesa, com algum armamento retirado das forças policiais palestinas ou comprado de contrabandistas israelenses. Ao contrário da narrativa sionista, de que são grupos armados do Hamas e da Jihad Islâmica, a maioria desses jovens desacata as suas organizações e passa para a autodefesa. Vários casos comprovam isto, como o de Mohannad al-Asood, ex-integrante do Fatah e da polícia palestina, ou dos jovens Wael Mishah e Tariq Daoud, de Nablus.

É necessário retomar as mobilizações de solidariedade à Palestina em todo o mundo, em particular na Europa e nos Estados Unidos, com o fim das férias de verão.

Entenda

Por que o proletariado israelense não é aliado da causa palestina?

Em todo o mundo, a classe trabalhadora e a juventude impulsionam mobilizações de solidariedade com a Palestina. No entanto, não há mobilizações pelo fim do genocídio em Gaza, por parte do proletariado israelense judeu.

Isto não ocorre por desconhecimento. Todo israelense é consciente da situação de genocídio em Gaza, das ações sionistas criminosas na Cisjordânia, dos ataques militares ao Líbano e da situação de apartheid e limpeza étnica imposta aos palestinos há 76 anos.

Mas, a ampla maioria do proletariado israelense apoia estes crimes sob a falsa narrativa de “direito de defesa de Israel” e de “combate ao terrorismo”. Por que ocorre essa desumanização?

Colonização e privilégios

O proletariado israelense judeu tem privilégios econômicos e políticos em relação ao proletariado palestino, desde o início da colonização sionista, há mais de cem anos. Ou seja, a colonização sionista transformou o proletariado judeu em agentes e beneficiários do roubo de terras, casas e empregos do povo palestino.

É claro que existe luta de classes entre a burguesia e o proletariado israelenses. Mas estes conflitos estão subordinados à manutenção da ordem colonial, contra os palestinos.

Por isso, é impossível uma aliança entre os proletariados judeu e palestino, pelo fim do genocídio e pela libertação da Palestina. Há, na Palestina ocupada, um pequeno número de judeus antissionistas. Estes são verdadeiros aliados do povo palestino.

Exemplo na História

Essa é a mesma situação colonial que ocorreu na Argélia, no Norte da África. O proletariado “pied-noir” (literalmente, em francês, “pé negros”, em referências aos europeus que viviam nas colônias africanas) de origem francesa era, junto com o exército francês, os sustentáculos da empreitada colonialista. Foi necessária uma guerra do proletariado e do campesinato argelino para expulsar os colonizadores franceses.

Para conquistar a Palestina livre, do rio ao mar, é necessário pôr fim ao Estado de Israel. Desta forma, o povo palestino poderá decidir o seu destino em liberdade. E poderão viver na Palestina aqueles e aquelas que aceitarem viver em paz com os palestinos, como era a Palestina antes da colonização sionista, quando as crianças muçulmanas, cristãs e judias brincavam juntas, sem rótulos.

Saiba mais

O debate na Quarta Internacional sobre o proletariado judeu

Os primeiros militantes revolucionários na Palestina se depararam com a questão do proletariado judeu, originário da colonização sionista. A primeira organização trotskista palestina foi a Liga Comunista Revolucionária (LCR), liderada por Tony Cliff (cujo nome de nascimento era Yigael Gluckstein), e formada na década de 1930.

A orientação política da LCR consistia, nas palavras de Tony Cliff, no seguinte: “os trabalhadores árabes deveriam combater o sionismo e o imperialismo, e romper com os líderes árabes reacionários. E os trabalhadores judeus deveriam se unir às massas árabes nessa luta”.

A LCR não tinha qualquer ilusão na colonização sionista. Ao contrário, se opunha à imigração judia para a Palestina, pois esta imigração colocava os refugiados judeus europeus a serviço da máquina de colonização sionista e contra a população palestina. Defendiam, também, a abertura das fronteiras do Reino Unido e dos Estados Unidos para a imigração judia, destinos preferidos pelos refugiados judeus, em alternativa à Palestina.

Por experiência própria, eles conheciam as organizações sionistas de “esquerda” e os “kibutz” (fazendas coletivas para colonos judeus) e sabiam que não representavam nenhum tipo de “experimento socialista”. Ao contrário, eram a ponta de lança para a colonização das terras árabes e para a expulsão da população palestina.

Coerentes com essa posição, a LCR se opôs à Partilha da Palestina, em 1947, e à formação do Estado de Israel, em 1948. Isso ao contrário do Partido Comunista, que, seguindo a posição de Stálin, apoiou a partilha e a Nakba.

Incompreensão da opressão colonialista

Mas a LCR tinha uma avaliação equivocada sobre o papel das classes sociais na luta pela libertação da Palestina e de todo o Leste árabe. Eles defendiam uma aliança entre a classe trabalhadora palestina e a classe trabalhadora judia para enfrentar o imperialismo, o sionismo e as elites árabes reacionárias. Mas, essa aliança era impossível devido ao caráter colonialista excludente da empreitada sionista.

O próprio Tony Cliff reconheceu esta questão em sua biografia: “É claro que havia conflito de classes dentro da comunidade judaica na Palestina. Os trabalhadores e os capitalistas lutaram em torno dos salários e das condições. Mas a expansão colonial sionista embotou a luta de classes e impediu-a de assumir a forma política de oposição ao sionismo e ao imperialismo, e de solidariedade com os árabes explorados e oprimidos.”

Ao não entender a opressão nacional e todas as suas consequências sobre a luta de classes, e ao estar implantados principalmente na classe trabalhadora judia, a LCR teve muitas dificuldades para se desenvolver. Apesar de publicar uma revista em árabe e outra em hebraico, além de panfletos em inglês, para as tropas britânicas, a LCR contava com quase 30 militantes, em 1946, dos quais apenas sete árabes.